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Deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL – SP)
Deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL – SP)| Foto: Renato Araujo/Câmara dos Deputados

A oposição no Congresso deu mais um passo para institucionalizar as denúncias de censura por parte do Judiciário brasileiro feitas por meio do Twitter Files Brasil. Desta vez, foi criada a Subcomissão Especial sobre Liberdade de Expressão na Câmara dos Deputados. O requerimento para o estabelecimento do subgrupo foi aprovado em 24 de abril. Trata-se de um “braço” da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional (CREDN).

A iniciativa surgiu após a comissão ouvir os jornalistas Michael Shellenberger, David Ágape e Eli Vieira, da Gazeta do Povo, que foram responsáveis por divulgar reportagens com as trocas de e-mails entre os antigos diretores-jurídicos do “X” (Twitter) e os dados internos da rede social que mostraram exigências da Justiça brasileira para o fornecimento de informações sobre pessoas e bloqueios de perfis na plataforma.

O movimento dos parlamentares brasileiros se assemelha ao que ocorreu nos Estados Unidos, quando o Comitê Judiciário do Partido Republicano divulgou um relatório acusando o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), de tentar intervir nas eleições brasileiras. O documento compila registros enviados pela X Corp, de propriedade do bilionário americano de origem sul-africana Elon Musk.

Na leitura de analistas, ao entregar a documentação, Musk teria institucionalizado o caso e levado o debate para além das redes sociais.

O cálculo feito pela oposição brasileira ao criar a subcomissão é semelhante. A avaliação é de que o “carimbo” dado às denúncias pela Câmara pode dar relevância política e contribuir para que haja uma pressão maior sobre o Senado, que é o responsável por dar andamento aos pedidos de impeachment de ministros do Supremo.

O deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), autor do requerimento de criação da subcomissão, justificou o pedido afirmando que as revelações feitas pelo comitê americano causam “danos” à imagem do Brasil. Ele também salientou que os indícios de censura mostrados pelo órgão dos EUA “comprometem” as relações exteriores do país.

“Desta forma, entendemos que o trabalho de uma subcomissão permanente, no âmbito da CREDN, é absolutamente necessário, para expormos ao mundo que esta Casa do Parlamento segue vigilante, no zelo pelos princípios mais caros da nossa democracia”, disse o parlamentar.

Apesar disso, o cientista político Marcelo Suano, docente no Ibmec São Paulo, pondera que o comitê americano e a subcomissão brasileira estão em níveis distintos. Enquanto o órgão dos EUA seria equivalente a uma Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) no Brasil, a subcomissão se encontra alguns níveis abaixo na hierarquia legislativa.

Mesmo assim, ele ressalta a importância de ter um órgão oficial brasileiro investigando o caso e ainda o fato de a oposição na Câmara buscar uma investigação sobre os fatos publicizados no Twitter Files.

“Eu diria que é mais do que dar um ‘carimbo oficial’. Eu diria que a oposição busca utilizar as prerrogativas que o Legislativo brasileiro tem para fazer uma investigação, uma vez que eles possuem elementos externos que confirmam que esse abuso [do Judiciário] se configurou. Uma vez que os norte-americanos tornaram público [o relatório sobre a censura no Brasil], é um documento oficial que está espalhado pelo mundo”, disse o cientista político.

Ações da Oposição após denúncias do Twitter Files marcam posição pela liberdade de expressão

A subcomissão se soma a outras ações da oposição para institucionalizar as denúncias de censura por parte do Judiciário brasileiro. Em abril, o senador Rogério Marinho (PL-RN), líder da oposição no Senado, entrou com representações na Procuradoria-Geral da República (PGR) e na Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) para cobrar uma investigação sobre as denúncias apresentadas pelo Twitter Files Brasil.

Os documentos foram assinados por 50 parlamentares, entre deputados e senadores. Eles argumentam que as exigências feitas por autoridades judiciais, sem expressa ordem judicial, violam o Marco Civil da Internet.

Além disso, a oposição também oficiou outras plataformas, como Google e Meta, para averiguar se situações semelhantes às do X também foram registradas.

Na avaliação do cientista político Adriano Cerqueira, do Ibmec de Belo Horizonte, as medidas tomadas pelos parlamentares de direita buscam mostrar que o Legislativo se preocupa mais com a liberdade de expressão do que os outros poderes.

“É uma forma de consolidar uma posição institucional e representar, pelo menos da parte da oposição, que o grupo tem influência na Câmara dos Deputados, que existe uma frente em defesa da liberdade de expressão. Ou seja, tentando gerar um contraponto, já que da parte do Judiciário e do Executivo não há uma defesa tão enfática nesse sentido”, disse Cerqueira.

Já para o cientista político Elton Gomes, professor da Universidade Federal do Piauí (UFPI), a apuração do Twitter Files pelo Legislativo mostra uma mudança de estratégia da oposição para conseguir melhores resultados.

“O que a oposição procura fazer é dar peso institucional ao caso. Na ciência política, esse movimento é explicado pelo neo-institucionalismo, que fala da importância das instituições como parâmetro na tomada de decisões. Com isso, os atores políticos entendem que determinadas questões não são ganhas na força, mas na articulação dentro das instituições”, disse o professor.

Oposição busca consolidar articulação internacional

Ao escolher a Comissão de Relações Exteriores, a oposição demonstra que, além da institucionalização, deseja manter uma conexão com atores políticos externos. Grupos de parlamentares de oposição já vinham entrando em contato com políticos conservadores e de direita nos Estados Unidos e na Europa e devem intensificar esse processo.

A viagem internacional mais recente foi em 10 de abril, quando os deputados federais Eduardo Bolsonaro (PL-SP), Gustavo Gayer (PL-GO), Ricardo Salles (PL-SP), Bia Kicis (PL-DF), Julia Zanatta (PL-SC) e Marcos Pollon (PL-MS) foram ao Parlamento Europeu, em Estrasburgo, na França, para dialogar com parlamentares do grupo Conservadores e Reformistas Europeus (ECR), de direita, sobre liberdade de expressão e violações de direitos humanos.

Na avaliação de Elton Gomes, a Comissão de Relações Exteriores não costuma ser palco para disputas políticas partidárias, já que os temas debatidos nesse grupo não são habituais na “ordem do dia” dos partidos representados no Congresso Nacional. Entretanto, ele afirma que a subcomissão pode representar uma mudança nesse cenário.

“Diante da estratégia da oposição de procurar, desde o exterior, meios para poder fazer frente a essa postura do Judiciário, a CREDN [Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional] assume importância considerável, porque boa parte do que a oposição conseguiu fazer para denunciar as medidas tomadas por Moraes - no âmbito dos inquéritos - foi através de denúncias feitas em fóruns internacionais”, disse Gomes.

Já Suano analisa que foi uma jogada estratégica da oposição. Ao criar uma subcomissão na CREDN, esse grupo de parlamentares buscou colocar o enfoque das denúncias no contexto internacional. “A importância da Comissão de Relações Exteriores reside no fato de ela investigar como se dá a política externa do Brasil. Mas como isso afeta a questão do abuso de autoridade? É que no nível de importância do nosso ordenamento jurídico, depois da Constituição, se tem os tratados internacionais”, explicou o docente no Ibmec São Paulo.

Subcomissão terá maioria oposicionista; entenda o objetivo

O colegiado derivado de uma comissão tem a finalidade exclusiva discutir um tema específico proposto por parlamentares.

O objetivo é apurar os fatos e, ao final dos trabalhos, apresentar um relatório para ser votado pelo plenário do grupo parlamentar original. No caso dessa subcomissão, os deputados de oposição pretendem analisar as denúncias de censura atribuídas ao Judiciário brasileiro e que foram reveladas pelas reportagens do Twitter Files Brasil.

As subcomissões podem ser de caráter “Permanente” ou “Especial”. No caso da "Especial", a validade vai até o fim do ano legislativo, precisando ser renovada pela comissão. Mas, como mencionado anteriormente, a Subcomissão sobre Liberdade de Expressão terá caráter permanente.

O Regimento Interno da Câmara dos Deputados não possui critérios claros sobre o funcionamento das subcomissões, mas o entendimento jurídico adotado pelos parlamentares é de que o colegiado deve submeter qualquer deliberação ao grupo que a originou. Ou seja, as convocações e os convites devem ser votados pelos membros da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional.

A escolha de se criar uma subcomissão na Comissão de Relações Exteriores também ocorreu pelo fato de a oposição ter maioria nesse colegiado. Das 38 vagas, entre titulares e suplentes, o Partido Liberal (PL) possui 15 assentos. O grupo é presidido pelo deputado Lucas Redecker (PSDB-RS) e integra a lista das comissões que foram conquistadas pela oposição durante as negociações no início do ano.

No caso da subcomissão, o grupo será formado por oito parlamentares, que serão indicados de acordo com a proporcionalidade partidária. Após a aprovação do pedido de criação, caberá ao autor, no caso o deputado Eduardo Bolsonaro, propor a instalação e definir os trabalhos realizados pelo grupo.

Como a oposição tem o comando desse colegiado, a expectativa é de que o funcionamento da subcomissão possa ocorrer sem grandes interferências do governo federal.

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