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Ana Clara David, estudante de mestrado da Unicamp, posa ao lado de uma planta de agave tequilana
Ana Clara David, estudante de mestrado da Unicamp, posa ao lado de uma planta de agave tequilana| Foto: Divulgação

O agave, uma planta da espécie das suculentas, de porte gigante, conhecida por ser a principal matéria-prima para produção da bebida mexicana tequila, pode estar destinado a mudar a paisagem e a economia nas terras áridas do Nordeste brasileiro. O potencial seria de criar toda uma nova cadeia industrial e até uma nova matriz energética internacional.

A aposta no agave como a “cana da caatinga” para produção de etanol não se limita mais aos centros de pesquisa, mas já chegou a importantes players do mercado. No avanço mais recente, a Shell decidiu investir R$ 30 milhões no projeto Brave (Brazilian Agave Development), em parceria com a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

E por que a planta da tequila chamou atenção da multinacional petrolífera?

Espécies nacionais de agave já existem no sertão como cultivo voltado à extração da fibra de sisal, utilizada na produção de cordas, cestas e tapetes. Mas a concorrência das fibras sintéticas dificultou esse mercado. Desta vez os pesquisadores, e a indústria, estão de olho na enorme capacidade do agave para acumular água, nas condições mais inóspitas possíveis. Na Austrália, resistiu bem a temperaturas de quase 50º C.

Agave vai bem em terras áridas

A ideia não é que o agave venha a substituir a cana-de-açúcar nem outros cultivos alimentares, como milho ou mandioca. Ele pode entrar onde hoje a terra não produz nada. Ou quase nada. “Basicamente, a planta pode crescer no deserto”, costuma dizer Don Chambers, pesquisador australiano que há quase duas décadas foi pioneiro no estudo das possibilidades econômicas do agave.

Como qualquer apaixonado por vasinhos de suculentas sabe, essas plantas precisam de muito pouca água. Elas costumam apresentar folhas grossas e revestidas de uma película que reduz a perda de umidade a um mínimo, mantendo os seus poros fechados durante o dia. À noite, os estômatos se abrem para as trocas gasosas.

“Durante o dia, com o sol, ela manda bala e faz a fotossíntese. Ela guarda o CO2 à noite e libera de dia, com a porta fechada. Aí é que entra a beleza do agave. Ela tem essa característica e ao mesmo tempo é altamente produtiva. Enquanto numa cana-de-açúcar, mesmo na cana-energia, é preciso 1.200 mm de água, essa planta pode produzir com apenas 300 mm de água (por ano). E de forma regular. Pode ser que tenha um ano em que não chova, mas ela não morre, continua crescendo”, aponta Gonçalo Pereira, coordenador do Laboratório de Genômica e Bioenergia da Unicamp. Segundo o pesquisador, as próprias folhas do agave, que parecem canaletas, ajudam a planta a capturar a umidade do orvalho e levar às raízes.

Captura de carbono despertou interesse da Shell

Pereira, filho de sertanejo, se empolga com as possibilidades do agave para o semiárido brasileiro. “O sertão tem 108 milhões de hectares, o que corresponde a mais de duas vezes uma Alemanha e ainda uma Grécia. É muita área. O problema do sertão é a instabilidade. Você planta milho e não sabe se vai colher. O agave faz a captura da água. Tem meio litro por folha. E faz ainda uma captura gigantesca de CO2, são 385,4 toneladas por hectare. Por isso o grande interesse da Shell. A gente pode substituir o petróleo pela fotossíntese”, sublinha Pereira.

Em tese, devido ao alto rendimento, com 3,3 milhões de hectares de agave seria possível produzir todo o volume de etanol do mercado brasileiro, ou 30 bilhões de litros. Enquanto com a cana, para o mesmo resultado, são necessários 4,5 milhões de hectares cultivados.

Executivos da Shell no país projetam um cultivo de até 2 milhões de hectares no semiárido (menos de 2% da área total do bioma), suficiente para produzir de 6 bilhões a 10 bilhões de litros de etanol de agave por ano. Assim, não haveria sequer pressão sobre as áreas de caatinga destinadas à preservação. “Ela pode ser plantada onde a cana não sobreviveria. E em áreas em que não traz impacto ambiental, porque são áreas que já tiveram algum tipo de agricultura, e que, hoje, devido a problemas hídricos, são subutilizadas, sem mata nativa, sem plantação alguma. O grande potencial estratégico é trazer uma matriz industrial para uma região que hoje não tem nada parecido”, diz o coordenador do projeto Brave na Shell, Marcelo Medeiros.

Hoje 95% do agave do sisal é jogado fora

Do agave pode se aproveitar tudo: além do etanol, fibras, silagem, nanocelulose, inseticida e carvão vegetal (biochar), que funciona como fertilizante do solo.

Atualmente, no entanto, no território do sisal, no nordeste da Bahia, somente uma parte decimal das folhas é aproveitada. Da biomassa, 95% são jogados fora. “Se a gente utilizasse todo o bagaço do sisal para gerar energia, naquela região toda da Bahia não precisava nem de diesel, nem de gás de cozinha”, destaca Pereira, da Unicamp.

O ciclo do agave exige planejamento e paciência. Leva de três a cinco anos até a primeira colheita. Até lá, a planta vai juntando forças e ganhando porte. No quinto ano, a produção atinge 880 toneladas por hectare. Um rendimento equiparável ao da cana-de-açúcar, quando distribuído ao longo do ciclo. Por que, então, o México, terra-mãe da agave tequilana, não aproveita todo seu potencial energético? Segundo Pereira, porque, por lá, os olhos estão todos voltados para a tequila, que alcança um elevado preço de mercado. Com 374 milhões de litros de tequila produzidos anualmente, os mexicanos conseguem levantar receitas que correspondem a cerca de 50% das obtidas pelo etanol no Brasil, com um volume de 15 bilhões de litros.

Curiosamente, enquanto no México só se aproveita a pinha do agave, onde está concentrado o açúcar, no Brasil são usadas apenas as fibras das folhas. Cada país joga fora todo o restante da planta. “Nossa ideia é uma biorefinaria para usar tudo. O Don Chambers, que teve essa ideia lá atrás, viu que o México não se interessava, levou para a Austrália, que também não se interessou. Mas talvez se interesse agora, quando nós começamos a fazer”, diz Pereira.

Pinhas de agave: no México, só esta parte da planta é aproveitada, para produção de tequila
Pinhas de agave: no México, só esta parte da planta é aproveitada, para produção de tequila| Pixabay

Austrália já confirmou viabilidade do agave como biocombustível

Na Austrália, a conclusão de cinco anos de estudos sobre o etanol do agave foi de que o biocombustível é viável, alcançando produtividade um pouco menor do que a cana por hectare – 7.414 litros contra 9.900 litros. Segundo o time de pesquisadores das universidade de Sidney, Exeter e Adelaide, o agave precisa 69% menos água do que a cana-de-açúcar e 46% menos do que o milho. O estudo apontou se tratar de uma cultura “vencedora” em termos de ganhos ambientais nos próximos anos, mas concluiu que, sem apoio do governo nos primeiros anos, uma indústria de etanol de agave não tem como decolar.

As conclusões australianas não desanimam Gonçalo Pereira, da Unicamp. “Ninguém no mundo produz biocombustível a partir de Agave. Os dados da Austrália são de experimentos, sem escala. E é exatamente isso que vamos fazer. Nós não fomos os primeiros a ter essa ideia. O que espero é que sejamos os últimos, ou seja, que a partir do projeto a produção de biocombustível a partir do agave seja tão óbvia quanto a da cana. Que ninguém mais se lembre que o Sertão, um dia, foi um problema. Que ele se torne uma terra de oportunidades, um polo de imigração”.

O programa Brave é financiado por recursos destinados pela Shell dentro da cláusula de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). O trabalho agora envolve confirmar a campo os resultados da pesquisa para criação de uma nova cadeia industrial e desenvolver, de forma pioneira, equipamentos para a colheita mecanizada do agave. A parceria prevê ainda a construção de plantas-piloto de processamento e refino da biomassa na Bahia, convertendo o agave em biocombustível, em etanol e biogás. O desenvolvimento da cadeia do agave interessa às usinas sucroenergéticas do Nordeste, que operam com capacidade ociosa por falta de matéria-prima.

Senai-Cimatec vai estudar industrialização do agave

O Senai-Cimatec, da Bahia, é outro parceiro do projeto. Caberá ao centro tecnológico trabalhar em soluções para a mecanização do plantio e da colheita e o desenvolvimento de rotas tecnológicas para industrializar o sisal. “Às vezes você tem uma pesquisa na universidade, no laboratório, e é preciso levar isso para uma realidade industrial. E essa é uma característica forte das nossas pesquisas, em diversos setores, como petróleo e gás, mineração, automotivo, aeroespacial, biocombustíveis, hidrogênio verde, entre outros. O grande foco é desenvolver uma nova cadeia de valor, que seja capaz de levar desenvolvimento econômico, geração de empregos e novas indústrias para o nosso país”, diz André Souza, diretor do Cimatec.

Se o agave-combustível vai realmente revolucionar o sertão, é algo para ser ver daqui alguns anos. Se der certo, o país da cachaça terá que fazer uma concessão e brindar a conquista com tequila. Da pura.

Professor Gonçalo Pereira com equipe de jovens pesquisadores do agave, da Unicamp
Professor Gonçalo Pereira com equipe de jovens pesquisadores do agave, da Unicamp| Divulgação
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