Alguns anos atrás seria uma parceria impensável. Mas em 2021 a multinacional de sementes e defensivos Corteva se associou à empresa gaúcha Simbiose, maior produtora de insumos biológicos no Brasil, para vender nos Estados Unidos pacotes de micro-organismos que ajudam no controle de pragas e doenças.
Este “casamento da roça” entre as indústrias química e biológica surpreende não só pela envergadura das empresas envolvidas, como também por desafiar o senso comum de uma suposta competição mutuamente excludente entre as duas áreas da ciência quando se trata de soluções para a agricultura.
O fato, no entanto, é que os agricultores brasileiros há muitos anos se mantêm antenados, e receptivos, a novas tecnologias que alcançam resultados práticos no campo. Prova disso, desde os anos 1960, foi a adesão maciça à inoculação de bactérias fixadoras de nitrogênio nas lavouras de soja, o que praticamente viabilizou a leguminosa no país. No processo de simbiose, as bactérias bradyrzobium criam nódulos nas raízes da planta que são fundamentais para capturar o nitrogênio e produzir um grão com 40% de proteína. O controle biológico também já é feito há quase 70 anos nas lavouras de cana de açúcar, a partir de insetos que parasitam e matam a broca-da-cana. Antes ainda, na década de 1920, fruticultores usaram vespinhas Encarsia belesei e Aphelinus mali como parasitas da cochonilha-do-pessegueiro e o pulgão-da-macieira.
Dezenas de biodefensivos chegaram ao mercado em poucos anos
A diferença do momento atual é que não se está falando de cinco ou seis novos produtos biológicos, mas de dezenas deles, que dão um novo status a insetos, ácaros, nematoides, vírus, bactérias e fungos, agora colocados na linha de frente da defesa e promoção do crescimento vegetal. Essa nova geração de bioinsumos conseguiu “virar a chave” e deixar de ser vista como produto de nicho ligado ao discurso ambientalista ou à produção orgânica, alcançando eficiência em larga escala. No âmbito do governo, o segmento ganhou impulso em 2020, com o lançamento do Programa Nacional de Bioinsumos. Somente na Embrapa, mais de 600 pesquisadores trabalham em 73 projetos relacionados ao tema.
Exemplos desses novos tempos não faltam. Um dos bioinsumos mais promissores de 2021 foi desenvolvido em apenas cinco anos por pesquisadores da Embrapa Meio Ambiente que isolaram bactérias presentes na raiz do cacto mandacaru, típico da caatinga, responsáveis pela resistência à falta d’água. O Auras, nome comercial do produto vendido pela empresa Nooa Ciência e Tecnologia, de Minas Gerais, é aplicado em forma líquida às sementes. As bactérias colonizam e hidratam o sistema radicular das plantas com exopolissacarídeos. Essas substâncias ajudam o milho, por exemplo, a se desenvolver mesmo em condições de seca. Simplesmente não existe concorrente similar registrado no Ministério da Agricultura.
Bactérias ajudam a extrair o fósforo indisponível nas rochas
É tecnologia para tempo de guerra. O conflito na Ucrânia, e a crise logística para fornecimento de fertilizantes minerais, fez com que um biofertilizante pesquisado pela Embrapa por duas décadas ganhasse mercado em velocidade exponencial. Um dos grandes problemas dos solos brasileiros, aponta Sólon Cordeiro de Araújo, pioneiro das pesquisas com inoculantes no país, é que apenas 30% do fósforo dos adubos são aproveitados pela planta. O que as bactérias do Biomaphos fazem é solubilizar o fósforo, aproveitando a “poupança” do mineral estocada nos solos brasileiros.
“Esses solubilizadores de fósforo e potássio e os promotores de crescimento é que estão mudando o jogo. Estão fazendo que a planta aproveite mais o que já temos retido no solo. Isso não vai eliminar futuras fertilizações do produto químico, mas existem estudos que projetam que poderemos reduzir em 30% a 40% o uso de fertilizante anual nas culturas”, aponta Araújo. “Se antes o produtor usava 100 toneladas de adubo, esse ano vai usar 50 a 60 com o biológico, o que é mais barato e vai acabar tendo, no final, o mesmo rendimento”, assegura o pesquisador.
Na safra de 2019-20, o Biomaphos – nome comercial do produto solubilizador de fósforo no solo – foi utilizado para desprender o mineral em 300 mil hectares de plantações no país; na safra seguinte, 1,5 milhão de hectares; em 2021-22, bateu na casa dos 3,5 milhões de hectares. No próximo ciclo, a projeção é que a tecnologia alcance 10 milhões de hectares. Vendido de forma líquida, o pacote de bactérias custa cerca de meia saca de soja para aplicação em um hectare. E entrega produtividade, em média, de 5 sacas a mais por hectare.
Para o gerente de pesquisa da empresa Simbiose, Artur Soares, é um caminho sem volta. “Estamos falando de demanda mundial para uma agricultura mais verde, mais limpa. A gente tira da natureza ativos que estão ali e transforma em tecnologia e produto. Hoje uma das maiores empresas do mundo, a Corteva, fala a mesma língua que a gente”. Na última década, a média de crescimento da empresa gaúcha tem sido de 52% ao ano. Uma nova fábrica, a um custo de R$ 280 milhões, está sendo erguida em Fazenda Rio Grande, na Região Metropolitana de Curitiba.
Koppert quadruplicou faturamento no Brasil em dois anos
A concorrência está acirrada. A empresa holandesa de bioinsumos Koppert, que tem unidade em Piracicaba (SP), viu o faturamento crescer 93% ao ano nos últimos dois anos. Ou seja, praticamente quadruplicou de tamanho no período. Nas duas últimas safras, um dos carros-chefes do portifólio biológico foi o fungo Isaria fumosorosea, utilizado para parasitar e matar a cigarrinha do milho em 2,5 milhões de hectares de plantações. O crescimento do mercado, segundo Rodrigo Rodrigues, agrônomo e gerente da Koppert, se dá por conta da “pressão de todos os lados”. “Tem a pressão do mercado consumidor e do mercado comprador. O produtor está no meio e é quem puxa essa demanda. Ele começou a entender que as ferramentas biológicas hoje são tão importantes como as químicas. A eficácia dos produtos gerou confiança nas empresas e isso tem levado o mercado a dar uma rampada nos últimos anos”, relata.
Uma praticidade dos biológicos é que, diferente dos produtos agroquímicos, podem ser utilizados para todas as culturas após o registro. “O registro é feito por alvo de ação. Se for para a lagarta helicoverpa armígena, por exemplo, tanto faz se é aplicado na soja ou no algodão”, aponta a diretora da área de Biológicos da associação agrícola de pesquisas CropLife Brasil , Amália Borsari. Ela acrescenta que hoje, no País, todas as empresas desenvolvedoras de agroquímicos estão trabalhando também com o registro de produtos biológicos. “Estão por vir inúmeras novas tecnologias que vão fornecer uma solução integrada, do químico e do biológico, para os produtores”, emenda.
Químico ou biológico, não existe "bala de prata"
A lição, repetida por pesquisadores e produtores, é que na agricultura não existe uma “bala de prata” ou tecnologia que resolva todos os problemas. A tônica é o manejo integrado, com uso de inimigos naturais de pragas e doenças, boa genética, fertilidade do solo, rotação de culturas e aplicação de defensivos químicos e biológicos.
O mercado de bioinsumos no Brasil é recente, só foi regulamentado em 2006. Ainda movimentam apenas R$ 1,8 bilhão anuais, contra R$ 50 bilhões dos agroquímicos. Mas cresce a uma taxa de 35% ao ano. A projeção da Croplife é que as vendas dos insumos biológicos alcancem R$ 16 bilhões em 2030. O pioneiro da fixação de nitrogênio Sólon Cordeiro de Araújo se diz otimista. "O Brasil é líder mundial no uso de inoculantes e o mais avançado na parte de fixação biológica de nitrogênio. E será também no uso de bactérias para liberar potássio e fósforo. É algo da nossa produção agrícola ambiental que pouco se fala. Uma vantagem que temos e que é pouco explorada em nível de comunicação".
Celso Moretti, presidente da Embrapa, conclui: “Estamos diante de um crescimento exponencial da demanda. O Brasil pode se tornar uma das maiores potências mundiais de bioinsumos nos próximos anos”. Em 2014, apenas dois novos produtos biológicos tinham sido registrados no País; no ano passado, foram 87. Atualmente, já são 514 registros ativos à disposição do mercado.
Veja, abaixo, alguns dos bioinsumos que estão sendo desenvolvidos pela Embrapa Agrobiologia (www.embrapa.br/agrobiologia), que estão no estágio de "ativos para parceria" com a iniciativa privada.
- Bacillus para controle da broca gigante da cana-de-açúcar
- Inoculante de rizóbios para leguminosas florestais
- Insumo à base de fungo dark septate para promoção do crescimento de tomate ou arroz
- Gluconacina - proteína recombinante para controle de bactérias na cana
- Bactérias fixadoras de nitrogênio e promotores de crescimento para braquiária
- Bactéria fixadora de nitrogênio e promotora de crescimento para o milho
- Bactérias fixadoras de nitrogênio e promotores de crescimento para a cana-de-açúcar
- Grupo de cinco bactérias diazotróficas para fixar nitrogênio e promover crescimento da cana-de-açúcar
- Inoculantes para melhoria da resposta da fixação de nitrogênio em feijão comum
- Bactérias inoculantes para braquiária, adaptada a solos ácidos
- Seleção de estirpes de Bradyrhizobium para feijão-mungo
- Inoculante misto para pastagem consorciada e manejo de carne de baixo carbono
- Inoculante para 30 espécies florestais com potencial de uso em áreas degradadas
- Desenvolvimento de produto composto de Rhizobium e microorganismos para controle de Fusarium e Sclerotinia
Na primeira versão desta reportagem, a pesquisadora Amália Borsari apareceu como diretora-executiva da Associação Brasileira das Empresas de Controle Biológico (ABCBio), cargo que ela já exerceu anteriormente. Hoje Amália é diretora da associação agrícola Croplife Brasil.
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