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Produtor catarinense vistoria cultivo de cebola no município de Alfredo Vagner
Produtor catarinense vistoria cultivo de cebola no município de Alfredo Vagner| Foto: Arquivo / Gazeta do Povo

Chuva, granizo, veranicos, estiagem prolongada. Nos últimos três anos, em que pese novos recordes da agricultura brasileira, várias regiões do país sofreram com eventos climáticos severos e frustração das colheitas. O caso mais crítico, e recente, foi a seca que afligiu os estados do Sul e o Mato Grosso do Sul na última safra de verão. Perderam-se 22 milhões de toneladas na colheita de soja do país em relação ao potencial produtivo estimado, que era próximo de 145 milhões de toneladas. No Rio Grande do Sul a quebra chegou a 50%.

Como as intempéries ocorrem de forma desigual e assimétrica, houve produtores que pouco perderam, e houve aqueles que só se salvaram por causa do seguro. Um dos que se encontraram nesta última situação foi Manoel Simões Júnior, que planta grãos no Norte do Paraná e no Mato Grosso do Sul.

“Se não fosse o seguro rural, 80% dos produtores do Sul estavam quebrados. Nessa última safra, a perda foi muito grande, mas recebi todas as indenizações”, destaca Júnior. Ele não precisou acionar o seguro nas plantações de Sertaneja (PR), onde o volume colhido ficou no limite do gatilho da apólice. Já em Eldorado (MS), a colheita de soja foi desastrosa (10,7 sacas por hectare), e o seguro indenizou a diferença de 24,7 sacas até a produtividade garantida pela apólice, de 35,5 sacas/ha. A média de todas as lavouras de soja no país foi de 50 sacas/ha.

Seguradoras já indenizaram R$ 9,8 bilhões em 2022

Em outros anos, em momentos de frustração de safra as dívidas levavam a maioria dos produtores a fazer fila à porta do governo, pedindo renegociação e prazo. O apoio estratégico do governo segue fundamental, mas o quadro mudou significativamente desde 2018. Nos últimos dois anos, grande parte do prejuízo vem sendo liquidado pelas seguradoras privadas, que nunca tiveram tantas áreas seguradas no país. Por outro lado, nunca as seguradoras tiveram também que pagar indenizações tão elevadas como em 2022, devido à estiagem prolongada. Somente até setembro deste ano, as seguradoras já haviam pago R$ 9,8 bilhões em indenizações, contra R$ 5 bilhões em todo 2021 e R$ 2,5 bilhões em 2020.

"Já é 112% a mais do que o mesmo período de 2021. Somente em janeiro, foram R$ 3 bilhões, mais de mil por cento a mais do que janeiro do ano anterior", relata Thiago Ayres, superintendente de Estudos e Projetos da Confederação Nacional das Seguradoras (CNSeg). "O avanço do seguro rural anda muito próximo das perdas. Com aumento do riscos, das mudanças climáticas, seca no centro-sul do país, tudo isso traz à luz a necessidade de proteger a lavoura, para que o produtor não fique inadimplente, para que possa pegar empréstimos", acrescenta Ayres.

A explosão do valor das indenizações acaba por destacar o “timing” correto do governo ao aumentar a subvenção do seguro rural e atrair mais seguradoras para o segmento (de 11 para 16). Em 2018, foram aplicados R$ 367 milhões em subvenção ao prêmio, valor que saltou para R$ 1,1 bilhão em 2021. Isso elevou o número de apólices para 217 mil em 2021, contra 63 mil em 2018. Há quatro anos havia 4,6 milhões de hectares e R$ 12,5 bilhões em capitais segurados; em 2021, a área total segurada triplicou, chegando a 13,6 milhões de hectares e o valor protegido quase quintuplicou, atingindo R$ 68,2 bilhões.

Limite é de R$ 120 mil por CPF

Com maior aporte às subvenções, o MAPA conseguiu trazer para o guarda-chuva do seguro uma legião de produtores que antes ficavam “descobertos” devido aos custos proibitivos ou desencorajadores das apólices. Para agilizar a liquidação das apólices, o número de peritos que avaliam as perdas passou de 700 para 1.600. Atualmente a subvenção cobre de 20% a 40% do custo do seguro rural, com limite de R$ 120 mil por CPF - podendo se dividir entre grupos de atividades, como grãos, frutas, florestas e pecuária. Se o produtor tiver um contrato vigente no programa ABC, de agricultura de baixo carbono, o percentual da subvenção se eleva para 25% na soja e 45% nas demais atividades.

Para evitar que os produtores corram riscos desnecessários, e disseminar a cultura da contratação de seguro no país, o Ministério da Agricultura (MAPA) criou um aplicativo com as épocas certas de plantio por cultura, município e tipo de solo - ou seja, são os dados do Zoneamento Agrícola de Risco Climático (Zarc) na palma da mão. Outro aplicativo, o PSR - Programa de Seguro Rural - concentra explicações sobre as diferentes apólices e coberturas, e mostra quais seguradoras atuam em cada município, para que o produtor possa simular uma contratação.

Adoção do seguro rural no país acompanha em relação diretamente proporcional os aumentos das subvenções do governo
Adoção do seguro rural no país acompanha em relação diretamente proporcional os aumentos das subvenções do governo| Jonathan Campos / Arquivo Gazeta do Povo

Ficou mais difícil cobrir a mesma área com seguro

No momento, o esforço do MAPA é conseguir R$ 200 milhões de recursos suplementares para a subvenção do seguro rural deste ano, o que elevaria o montante de R$ 948 milhões para R$ 1,148 bilhão. Mesmo se isso ocorrer, a área segurada poderá chegar apenas a 7,8 milhões de hectares, bem aquém da cobertura do ano passado (13,6 milhões de hectares). A explicação está na valorização das commodities como milho e soja, aumento dos custos de produção, elevação dos riscos climáticos e dos preços das apólices. “É só imaginar como se fosse um carro. O que valia 100 hoje está valendo 200. O valor segurado dobrou em dois anos e as seguradoras, por conta da alta sinistralidade, ajustaram a taxa que é cobrada do produtor. O prêmio cheio, sem subvenção, chegou a aumentar 30% em determinadas culturas”, observa Pedro Loyola, ex-diretor do Departamento de Gestão de Riscos do Ministério da Agricultura.

Além de o seguro ter ficado mais caro (acompanhando a valorização dos grãos e o aumento dos riscos), a produtividade mínima indenizada por área diminuiu em muitas regiões. Isso acendeu um alerta entre os produtores, diz Manoel Júnior. “Antes nós tínhamos uma cobertura de 37 sacas de soja por hectare e hoje estão falando de 25 sacas. No milho, estão contratando o seguro com indenização de 37 sacas por hectare. Então, tenho amigos que dizem que não vão fazer, que não compensa, porque qualquer milho dá 37 sacas. Para tirar o prejuízo do ano passado, as seguradoras jogaram lá embaixo a cobertura. Não estou querendo dizer que o seguro é ruim, é muito bom. Mas isso é uma coisa que precisa melhorar”, enfatiza o produtor.

A explicação para uma cobertura menor do seguro está relacionada ao indicador utilizado para o cálculo, que é a média de produtividade para das últimas três safras, conforme os levantamentos do IBGE. O Rio Grande do Sul, por exemplo, emplacou sucessivas quebras de safras, no milho de inverno e na soja de verão. Com isso, a produtividade mínima garantida nas apólices foi lá para baixo.

Melhor apoiar seguro do que renegociar dívidas, diz Mapa

Para 2023, a previsão na Lei Orçamentária é de alocação de R$ 1,1 bilhão para subvenção ao seguro. A bancada da agropecuária no Congresso articula emendas parlamentares para elevar esse montante para R$ 2 bilhões, o que poderia ajudar a colocar no seguro cerca de 15 a 16 milhões de hectares de lavouras, contra uma área plantada total de 73,8 milhões de hectares.

Em nota, o Ministério da Agricultura reconheceu que o aumento nos preços das commodities tem impactado diretamente no valor final do seguro contratado pelo produtor, visto que o cálculo do prêmio acompanha o preço da lavoura segurada. Daí a necessidade de se aumentar também o valor da subvenção federal. “Com a proteção do seguro, o produtor se mantém capitalizado em caso de quebra de safra e não precisa recorrer a refinanciamentos para quitar suas obrigações financeiras. Sob a ótica do setor público, é menos oneroso apoiar a contratação do seguro rural do que refinanciar dívidas de produtores, pois além de ser uma conta mais elevada, as renegociações são imprevisíveis, trazendo um risco fiscal significativo para o governo”, diz o Ministério.

Dentre os produtores que buscam a seguradora Mapfre para contratar uma apólice, mesmo aqueles que não conseguem acessar a subvenção federal - geralmente por ter se esgotado a verba ou por terem extrapolado o número de áreas seguradas - acabam por assinar um contrato para proteger suas lavouras. "Mais de 80% dos segurados que não tiveram acesso à subvenção acabam pagando a parcela. Estamos vindo de dois anos de sinistralidade muito alta. O produtor prefere pagar o seguro integralmente a ficar sem seguro", diz Guilherme Bini, diretor da Mapfre para a região Sul. No caso de culturas como a maçã e de uva (de mesa e para vinho), quase ninguém fica sem seguro, observa Bini. Afinal, uma ventania na fase de floração pode derrubar os botões e levar embora toda a safra.

Costuma-se dizer que a agricultura é uma fábrica a céu aberto. Mais do que expressar poesia, o ditado resume as incertezas e riscos que cada produtor assume ao investir dinheiro, máquinas e insumos numa empreitada que, a depender de condições climáticas, tanto pode dar lucro como pode acarretar em pesados prejuízos. Atenuar essas imprevisibilidades pode significar uma boa noite de sono, como sublinha o produtor Manoel Simões Júnior: “a gente tem que entender que o seguro não é para ganhar dinheiro, é para salvar o produtor nesses momentos”.

Principais culturas agrícolas com participação no seguro rural no Brasil (Fonte: Atlas do Seguro Rural)
Principais culturas agrícolas com participação no seguro rural no Brasil (Fonte: Atlas do Seguro Rural)| Marcos Garcia Tosi
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