O ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, manobrou o Orçamento da União e redirecionou dinheiro que estava carimbado para o Seguro Rural para cobrir emendas parlamentares destinadas a municípios do Mato Grosso, sua base eleitoral.
O cancelamento de R$ 45,2 milhões do Seguro Rural e a transferência de mesmo valor para a rubrica 20ZV (de Fomento ao Setor Agropecuário, passível de emendas parlamentares) foi feito pelo Ministério do Planejamento, a pedido da pasta de Fávaro, por meio da Mensagem Modificativa Nº425/2023, enviada ao Congresso Nacional e assinada pela ministra Simone Tebet.
A manobra do ministro da Agricultura não é ilegal à primeira vista, visto que foi encaminhada para apreciação do Parlamento junto com outros ajustes orçamentários. O fato, contudo, contribui para aumentar o fogo da fritura de Fávaro, que ainda pode vir a ser responsabilizado por quebra dos princípios da impessoalidade e moralidade na gestão dos recursos públicos.
Fávaro vem sofrendo desgastes desde o início do mês, quando veio à tona que destinou quase metade dos recursos do extinto orçamento secreto para cidades de seu reduto eleitoral, em Mato Grosso. Declaradas inconstitucionais pelo STF em dezembro de 2022, as emendas do relator do Orçamento, conhecidas como RP9, deram lugar neste ano à rubrica RP2, usada na destinação das verbas dos ministérios.
Entre junho e julho, conforme inicialmente revelado por "O Globo", o Ministério da Agricultura empenhou R$ 135,7 milhões para cidades mato-grossenses, o que corresponde a 48,5% dos R$ 279,5 milhões já carimbados em 2023. O Rio Grande do Sul, outro estado com perfil agrícola, recebeu apenas R$ 4,2 milhões, 3% do destinado a Mato Grosso, apesar de sofrer as consequências de três quebras de safras seguidas. Mato Grosso do Sul, enquanto isso, recebeu apenas R$ 473 mil, ou 0,3% do dinheiro enviado ao vizinho do norte.
Fávaro e Lira em rota de colisão
As disparidades e o favorecimento aos redutos eleitorais colocaram Fávaro na linha de tiro da Frente Parlamentar da Agropecuária e do próprio presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL). Ele já havia criticado o ministro pela distribuição dos recursos em entrevista ao programa Roda Viva. “Não acho justo que um ministro que não teve um voto, não fez concurso público para ser ministro, mande R$ 150 milhões para sete municípios do estado dele usando o mesmo orçamento que vocês chamavam de secreto ontem”, disse.
Para o deputado Evair de Melo (PP-ES), que foi vice-líder do governo Bolsonaro, a “pedalada” é um recibo de que Fávaro está em apuros. “Descobriram que não tinha mais dinheiro, que ele tinha mandado tudo para o Mato Grosso. Daí ele começou a ser pressionado a cumprir os acordos, inclusive pelo presidente Lira. O que ele fez? Tirou dinheiro do Seguro Rural e transferiu para a rubrica RP2 (das emendas parlamentares) para poder pagar as contas dele. Fez esse remanejamento esperando que no próximo projeto de lei consiga legalizar a operação. Ele limpou o caixa do Seguro Rural para cobrir o rombo dele, para ver se acalma o Lira”, afirma.
Deputados da oposição decidiram convocar o ministro Fávaro a dar explicações à Comissão de Agricultura e à Comissão de Fiscalização Financeira e Controle (CFFC). Ao tirar dinheiro do Seguro Rural, mesmo que de forma supostamente temporária, o ministro mexe com um dos pontos mais sensíveis das reivindicações do setor agropecuário.
Subvenção ao Seguro Rural é "menina dos olhos" do agro
A subvenção ao Seguro Rural, que triplicou no governo Bolsonaro, é vista como uma ferramenta eficaz para aumentar a contratação de apólices e ampliar as áreas agrícolas seguradas, criando um colchão para atenuar os desastres climáticos. Como resultado dessa política, as indenizações por apólices privadas saltaram de R$ 2,5 bilhões em 2020 para R$ 9,8 bilhões em 2022.
Ou seja, em vez de o governo gastar centenas de milhões de reais em socorro direto aos agricultores, ele patrocina um “desconto” na apólice, atraindo milhares de produtores que antes ficavam descobertos devido aos elevados custos de contratação.
A pedalada de Fávaro, contudo, é diferente da pedalada que levou ao impeachment de Dilma Rousseff. No caso da ex-presidente, o Tesouro Nacional atrasava propositalmente os repasses de verbas para bancos e autarquias, melhorando assim artificialmente as contas públicas. Já o ministro remanejou um recurso com destino previamente acertado para “cobrir um buraco” que ele mesmo abriu, após favorecer prefeituras aliadas.
Ministro teria quebrado princípios da administração pública
O advogado Paulo Liporaci, especialista em Direito Administrativo, lembra que o poder discricionário do Executivo para remanejar verbas não é absoluto. "Os limites para esse poder discricionário é o que está expresso na lei, ou seja, a legalidade, e, não havendo na lei, devem observar a impessoalidade e a moralidade. Se existem indícios de que ele privilegiou pessoas com quem tem relação íntima, se esse foi o critério, houve sim a violação dos princípios de impessoalidade e imparcialidade. Daí cabe a instauração de procedimento investigativo para responsabilização do ministro", avalia.
Para casos como o de Fávaro, só uma investigação mais minuciosa dos órgãos controladores poderá dizer se houve desvio ou irregularidade passível de responsabilização pessoal, na opinião de Francisco Zardo, também especialista em Direito Administrativo e doutorando da Universidade de São Paulo. “Mas independentemente de ser ministro ou parlamentar, todos os que de alguma maneira têm influencia na destinação dos recursos públicos devem observar o princípio da impessoalidade. Não se pode favorecer determinados municípios em detrimento de outros, deve haver parâmetros”, observa.
A Gazeta do Povo contatou a assessoria do ministro Carlos Fávaro para ouvi-lo sobre o assunto, mas não houve retorno. O espaço segue aberto para manifestação.
Moraes retira sigilo de inquérito que indiciou Bolsonaro e mais 36
Juristas dizem ao STF que mudança no Marco Civil da Internet deveria partir do Congresso
Idade mínima para militares é insuficiente e benefício integral tem de acabar, diz CLP
Processo contra Van Hattem é “perseguição política”, diz Procuradoria da Câmara
Reforma tributária promete simplificar impostos, mas Congresso tem nós a desatar
Índia cresce mais que a China: será a nova locomotiva do mundo?
Lula quer resgatar velha Petrobras para tocar projetos de interesse do governo
O que esperar do futuro da Petrobras nas mãos da nova presidente; ouça o podcast
Deixe sua opinião