Um pequeno inseto do tamanho de um grão de arroz, que já colocou de joelhos a indústria bilionária da laranja na Flórida, alcançou um grau alarmante de disseminação nos laranjais de São Paulo, principal polo da citricultura mundial. De uma temporada para outra, o índice de infestação da doença conhecida como Greening cresceu 56%, saltando de 24% de plantas infectadas para 38% em 2023.
Não é o inseto, em si, conhecido como psilídeo, que causa diretamente o estrago, mas a bactéria que ele suga de uma planta doente e espalha pelo resto do pomar. A doença não tem cura e derruba progressivamente o número de frutos, que ficam menores e com sabor mais ácido e amargo.
Pela forma de propagação, a epidemia nos laranjais é comparada à dengue. “Você pode fazer tudo certo dentro da sua casa, passar repelente, não deixar água parada. Mas se tem um vizinho com piscina suja, que armazena água e cria o mosquito em volta, você acaba pegando dengue. Com o Greening é a mesma coisa. Se o entorno da propriedade estiver com contaminação e alta população do inseto, você também vai ter alta incidência da doença. Por isso a importância do manejo coletivo”, afirma Renato Bassanezi, pesquisador do Fundo de Defesa da Citricultura de São Paulo (Fundecitrus), instituição sem fins lucrativos que reúne produtores e indústria em apoio à pesquisa e à defesa fitossanitária.
Na Flórida, Greening nocauteou produção de laranja
Na Flórida (EUA), em duas décadas o Greening teve o efeito devastador de um furacão: a produção de caixas de laranja encolheu mais de 90%, caindo de 250 milhões de caixas de 40,8 kg em 2004, antes da chegada da doença, para cerca de 20,5 milhões de caixas neste ano, conforme projeções do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA).
Por lá, o índice de infestação nas plantações já é considerado de 100%. Em comparação, o cinturão citrícola de São Paulo e do Triângulo Mineiro, o maior do mundo, produziu na safra passada 314 milhões de caixas. Nunca, no entanto, havia registrado um índice médio de infecção próximo dos 40%.
No sul dos Estados Unidos, quem insiste com os pomares doentes enfrenta o desafio de sobreviver na atividade colhendo uma fruta de qualidade inferior e custos de produção cada vez mais elevados, devido à necessidade de adubação adicional, aplicação sistêmica de inseticidas e outras formas de controle.
A laranja brasileira é importada pelos norte-americanos para fazer um mix e adoçar o suco local, enquanto se acentuam os esforços para desenvolver plantas resistentes à bactéria do Greening, seja pelo melhoramento genético, seja pela técnica CRISPR de edição gênica ou até por meio de injeções de antibióticos diretamente no tronco das árvores. O problema é que esses experimentos levam anos até a obtenção de resultados conclusivos.
No Brasil, a erradicação das plantas doentes sintomáticas só é obrigatória para pomares com menos de oito anos, visto que os insetos-vetores preferem as plantas jovens. Somente em 2023, do total de 214,9 milhões de laranjeiras comerciais no país, 5 milhões sintomáticas tiveram de ser eliminadas devido ao Greening.
Preço da laranja salva pomares de baixa produtividade
Há regiões paulistas assoladas nos mesmos níveis dos pomares da Flórida. Na parte central do estado, em municípios como Limeira e Brotas, alguns citricultores só estariam resistindo na atividade por uma questão conjuntural, e transitória, de mercado.
“A única coisa que tem sustentado a baixa produtividade desses pomares com Greening, que ainda não foram erradicados, é o alto preço da laranja hoje. Por que se a laranja estivesse no preço de cinco anos atrás, esses produtores já estariam fora do mercado. A produtividade por área não pagaria os custos de adubação e tratamentos adicionais. Se os preços voltarem para os patamares normais, dificilmente eles vão pagar a conta”, afirma Bassanezi.
O pesquisador observa que a disparada da incidência do Greening se deu após a pandemia do coronavírus, e teria relação com a alta de preço dos inseticidas. Muitos produtores não fizeram a rotação adequada desses pesticidas, optando por aplicar seguidamente apenas os mais baratos. A prática teria favorecido a seleção de insetos resistentes, que até então não existiam.
Outro provável motivo para elevação da infestação, segundo o engenheiro agrônomo Renato Young Blood, gerente de Sanidade Vegetal no Paraná, foi uma portaria do Ministério da Agricultura, de 2021, que passou a permitir a manutenção de árvores infectadas nos pomares, com idade acima de 8 anos. “Em teoria, se você faz o controle, a planta não é problema, porque você não tem o inseto vetor. Só que os produtos foram perdendo eficiência com o passar dos anos, e aquela planta velha, de 10 ou 12 anos, passou a ser uma fonte de contaminação. E daí o Greening perdeu o controle”, sublinha Young Blood.
Diante do agravamento da saúde dos pomares, a norma que permitiu manter em produção plantas velhas e doentes deve ser revista pelo Ministério da Agricultura nos próximos dias.
Disque-denúncia para pomares mal cuidados
Neste cenário de emergência, o governo paulista lançou uma campanha de conscientização para o combate à praga, que envolve até um canal on-line e denúncia de pomares de citros abandonados ou mal manejados. Desde o início de dezembro de 2023 já foram recebidas 130 denúncias.
Não é pouca coisa que está em jogo. O Brasil é o maior produtor mundial de laranja, com 17 milhões de toneladas, mais que o dobro da China, segundo colocado. O Valor Bruto da Produção alcança quase US$ 15 bilhões e o país domina 70% das exportações globais, obtendo receitas de US$ 2 bilhões.
Dados divulgados pela associação dos exportadores, a CitrusBR, apontam que a citricultura é também uma usina de empregos, que respondeu em 2023 por 35% das 154.462 novas admissões geradas pelos serviços de apoio à agricultura no Brasil. Somente no cinturão paulista e mineiro, são 200 mil empregos diretos.
Vetores do Greening se multiplicam em chácaras
No Paraná, que detém 4% da produção nacional, a estimativa extraoficial é de que a infestação por HLB (Huanglongbing, outro nome da doença, devido à sua origem asiática) atinja atualmente de 10% a 15% dos pomares comerciais. Percentuais bem abaixo dos índices do Sudeste, mas que já acedem uma luz de alerta.
“Não dá para dizer que estamos tranquilos, considerando que é uma doença que demora para manifestar os sintomas. De dois anos para cá, explodiu a incidência. Nossa maior preocupação está fora da área de produção comercial. Se for visitar a região Noroeste, toda chácara por lá está com problema de Greening, tem muita planta doente. Somente a iniciativa privada já cortou mais de 160 mil árvores doentes. Quando o pessoal começa a cortar, é psilídeo voando para todo lado”, relata Young Blood.
Desde o fim de 2023, está em vigor no Paraná um decreto de situação de emergência fitossanitária por causa do HLB. A fiscalização reúne coordenadas geográficas de pomares abandonados ou locais com plantas doentes e uma força-tarefa é deslocada para erradicar as plantações. Também está na mira a murta, um arbusto ornamental, hospedeira do inseto transmissor da doença. Junto com os pés de laranja, limão e tangerina de fundo de quintal, é ela que preocupa o pesquisador Humberto Androciolli, do Instituto de Desenvolvimento Rural (IDR).
“Hoje o maior desafio é a conscientização do pessoal da cidade, de tentar substituir a murta por outro arbusto, uma outra cerca viva, para evitar que a gente perca a citricultura no Paraná. Precisamos de campanhas para erradicar a murta como planta de paisagismo dentro dos municípios que tenham citricultura. Se olhar em qualquer quintal de Londrina, Ibiporã e Rolândia, tem muita murta plantada até junto às calçadas, no espaço público”, alerta Androciolli.
Vespinhas combatem a praga em áreas urbanas e fundos de quintal
Outro vilão se esconde por trás da venda ambulante de mudas de citros, sem origem de viveiros certificados. “A pessoa quer colocar um pé de laranja ou limão no quintal, mas está condenando toda uma cadeia produtiva, porque o custo para o manejo do Greening está ficando muito caro”, afirma Androciolli.
Como ação paliativa e retardadora da expansão do inseto vetor do Greening, o IDR, em parceria com empresas e cooperativas, faz criação de vespinhas tamarixias, que parasitam e matam as ninfas de psilídeo. Essas vespas, contudo, não servem para as lavouras comerciais, já que são muito sensíveis aos inseticidas.
“A tamarixia serve como estratégia para locais onde não tem condição de erradicar a planta ou aplicar inseticida. Nas lavouras bem manejadas, dificilmente tem psilídeo. Ele vem de fora, de um vizinho que tem pé de laranja, de uma mata próxima com pé de limão, de uma murta na cidade, onde não existe manejo”, observa o pesquisador do IDR.
Greening força migração dos pomares
A incidência do Greening, a “dengue” dos pomares, já força uma mudança na geografia da produção de laranja no país, assim como tem enxugado o número de citricultores. Antes da chegada do Amarelão dos Citros (outro nome do Greening), em 2004, havia 20 mil propriedades citrícolas em São Paulo, e esse número se reduziu atualmente para 9,6 mil. Quem mais desistiu do negócio foram os pequenos e médios produtores, que enfrentam dificuldades para arcar com os custos do combate à doença.
A epidemia tende a se agravar nas regiões de clima mais quente e úmido, que favorece a proliferação do inseto transmissor do Amarelão, Greening ou HLB. O entorno do município de Limeira vive situação similar à da Flórida, com mais de 70% das plantas com sintomas da doença. Nessas regiões, a única saída é buscar métodos paliativos para aumentar a longevidade das plantas doentes e manter os vetores longe de suas seivas.
Muitos desistem dos pomares, mas não da atividade. Há citricultores migrando de São Paulo para Mato Grosso do Sul, Goiás, norte de Minas Gerais e Bahia. A Citrosuco, uma das maiores empresas de suco de laranja do mundo, já opera com citricultores estabelecidos no Nordeste, no Vale do São Francisco. Novas plantações estão sendo implantadas no Pará e em Rondônia.
Na avaliação de Fernanda Gomes, especialista em frutas do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea Esalq/USP), o fato de a maior parte das indústrias estarem sediadas em São Paulo deve favorecer a busca de novas áreas vocacionadas para a laranja, dentro do próprio estado. Os novos pomares, como regra geral, teriam de ser estabelecidos "em regiões não tão longe, porque provavelmente não vai haver migração das indústrias".
"No Brasil, nos últimos anos, a diminuição da produção ainda está mais relacionada a problemas climáticos do que ao Greening. Mas agora chegamos a um ponto de infestação bastante arriscado", sublinha Fernanda.
Diferentemente dos EUA, Brasil ainda tem áreas com potencial citrícola
“Para sorte do Brasil, você pode plantar laranja em quase todos os estados do país. A gente tem visto uma migração da citricultura para áreas com baixa incidência ou ainda livre de incidência. Falar que a citricultura brasileira vai acabar em pouco tempo, como aconteceu na Flórida, eu diria que isso não vai acontecer. Devido a essa movimentação do citricultor e à possibilidade de ter regiões livres de doenças onde se pode plantar laranja”, destaca Bassanezi, do Fundecitrus.
Formar novos pomares em regiões livres de Greening, ou com baixa incidência, é uma estratégia seguida pelo próprio governo de São Paulo. Adão Marin, diretor do Centro de Defesa Sanitária Vegetal da Secretaria de Agricultura de São Paulo, alerta, contudo, que "apenas a migração do pomar para regiões de baixa infestação, sem o devido controle do Greening nas demais regiões, é uma medida que tende a ter pouco efeito". Ele defende uma ação conjunta que alie novas áreas aptas para o cultivo, aplicação adequada de inseticidas e o controle dos citros não comerciais no entorno das propriedades produtivas.
"Estamos próximos de um limite, mas ainda é possível manter a citricultura em São Paulo. É possível o produtor reverter o problema e juntamente com o estado reduzir esse impacto", afirma Marin.
Greening traz também uma oportunidade
Não há lugar imune à chegada dos insetos vetores do Greening, mas o fato é que eles não gostam, particularmente, de locais secos e de altas temperaturas. Para fugir do psilídeo e da bactéria que ele espalha, os pomares que se instalarem em regiões mais quentes, contudo, terão de enfrentar o estresse hídrico e, necessariamente, recorrer à irrigação.
A doença, assim, abre fronteiras para renovação da citricultura, em patamares ainda mais modernos. O principal competidor do Brasil, os EUA, está fora do jogo por limitações climáticas. Na China, quase toda a produção de laranja é para o mercado local, enquanto o México e outros países latino-americanos encontram-se também assolados pelo Greening.
“Não existe, em curto prazo, um outro grande player na produção de laranja. Aquele produtor que conseguir uma área mais isolada, com menos influência dos vizinhos, tem uma grande oportunidade. Porque hoje a laranja está em alta, pagando um preço considerável. É uma grande oportunidade, porém, tem o risco embutido de ter na vizinhança produtores que não estão fazendo bom controle, o que pode fazer o investimento ser perdido no médio e longo prazo”, conclui Bassanezi.
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