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O secretário da Polícia Civil do Rio de Janeiro (PCERJ), Felipe Curi, afirmou nesta sexta (31) que as restrições impostas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) com a chamada “ADPF das Favelas” foram as responsáveis pelo espalhamento do Comando Vermelho para praticamente todos os estados do país, e que isso ficou comprovado com a megaoperação deflagrada na última terça (28) que levou 113 criminosos à prisão e deixou 121 mortos.
A constatação foi citada durante uma entrevista coletiva em que detalhou a identificação dos presos e de parte dos mortos durante a ação policial. De acordo com ele, a grande maioria tinha ligação com o tráfico de drogas, incluindo lideranças do Comando Vermelho de outros estados.
“Temos que fazer uma constatação de que a PCERJ alertou há 5 anos: com o advento das restrições às operações, a Polícia Civil fez dois relatórios onde alertamos que essas restrições levariam ao fortalecimento do crime organizado, no aumento das disputas territoriais, de barricadas, além disso as favelas se tornariam bases operacionais do crime organizado e convidativo para que lideranças de outros estados viessem para cá. Alertamos e hoje está aqui a constatação disso”, afirmou o secretário em uma entrevista coletiva ao iniciar o detalhamento dos números da operação.
A “ADPF das Favelas”, ou, no termo jurídico, Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 635, delimitou regras para operações policiais no Rio de Janeiro. Em junho de 2020, o ministro do STF, Edson Fachin, então relator da ação, determinou a proibição a operações nas favelas durante a pandemia, passou a exigir a comunicação ao Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ) antes de cada operação, a instalação de câmeras nas fardas dos policiais, o veto ao uso de helicópteros, entre outras restrições. As medidas mais restritivas só foram derrubadas em abril deste ano.
Agora, a “ADPF das Favelas” está sob relatoria temporária do ministro Alexandre de Moraes, que cobrou explicações do governador Cláudio Castro (PL-RJ) sobre a operação.
Felipe Curi seguiu na constatação afirmando que "os complexos da Penha e do Alemão, até aquela ocupação de 2010, eram o QG (quartel-general) do CV apenas aqui no estado do Rio de Janeiro".
"Essa constatação de hoje mostra que passaram a ser o QG do Comando Vermelho em nível nacional. São destes complexos que partem todas as ordens, decisões e diretrizes da facção para todos os outros estados, praticamente todos os estados do Brasil", pontuou ressaltando que a facção "formava" traficantes de outros estados no Rio de Janeiro.
Os dois complexos de favelas também se tornaram, afirmou, o centro de distribuição de armas para outras comunidades do Rio de Janeiro, tendo uma negociação mensal de 50 a 70 fuzis por mês.
Maioria tem ligação com o tráfico de drogas
Segundo os números apresentados na coletiva, dos 113 presos, 54 possuem anotações criminais. “É bom ressaltar que todos os presos, até o momento que temos noticia, tiveram a prisão preventiva decretada na audiência de custódia, todas dentro da legalidade”, pontuou o secretário.
Felipe Curi explicou que, dos 117 apontados como criminosos mortos durante a operação, 99 já foram identificados. Destes, 42 contavam com mandados de prisão pendentes e 78 apresentavam "relevante histórico criminal como homicídio, tráfico de drogas, roubos, organização criminosa, etc".
O secretário também pontuou que 40 mortos eram de outros estados: 13 do Pará, 7 do Amazonas, 6 da Bahia, 4 do Ceará, 1 da Paraíba, 4 de Goiás, 1 do Mato Grosso e 3 do Espírito Santo.
“Ou seja, tivemos narcoterroristas neutralizados de quatro das cinco regiões do país, só não tivemos da região Sul”, afirmou.
Curi reforçou que vários dos presos e mortos são lideranças do Comando Vermelho de outros estados: um do Pará, 2 do Amazonas, 3 da Bahia, 2 de Goiás e 1 do Espírito Santo.
Entre as lideranças presas, estão:
- "Pepê", chefe do tráfico no Pará e que chegou a aparecer em uma reportagem com o rapper Oruam;
- "Chico rato" e "Gringo", chefes do tráfico em Manaus;
- "Mazola", chefe do tráfico em Feira de Santana (BA);
- "DG" e "FB", também chefes do tráfico na Bahia;
- Fernando Henrique dos Santos, chefe do tráfico em Goiás;
- "Rodinha", chefe do tráfico em Itaberaí e Goiânia;
- "Russo", chefe do tráfico em Vitória.
“Pelo menos 1/3 dos presos são de outros estados”, pontuou.
Curi também confirmou a prisão de Nicolas Fernandes Soares, que seria o operador financeiro de Edgar Alves de Andrade, o “Doca” ou “Urso”, um dos chefes do Comando Vermelho. E também de Thiago do Nascimento Mendes, conhecido como “Belão do Quitungo”, apontado como o "01 da comunidade do Quitungo".
O secretário também afirmou que muitos dos presos de outros estados ainda estão tendo as identidades identificadas, já que os bancos de dados não são integrados. Isso está ocorrendo em parceria com a Polícia Federal e já é uma das ações do "escritório extraordinário" criado na quarta (29) pelas autoridades fluminenses junto do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP).
Entre os outros números da operação, a polícia apreendeu 10 menores de idade infratores, 91 fuzis, 26 pistolas, 1 revólver e 1 tonelada de drogas.
Em paralelo, o secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro, Victor dos Santos, afirmou que, entre os policiais feridos, um delegado precisou ter uma perna amputada e três seguem internados em estado grave. Quatro agentes morreram no confronto, sendo dois da Polícia Civil e dois do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope), que foram enterrados na véspera.
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Organização terrorista
Por conta dos números apontados e do espalhamento do Comando Vermelho por outros estados, Felipe Curi afirmou que é preciso modificar a classificação da facção não mais apenas como uma organização criminosa, e sim como terrorista.
“É preciso que haja uma mobilização nacional no sentido de combate a essa organização que não é mais criminosa, é uma organização terrorista, com práticas terroristas, com táticas de guerrilha, que dão ordens para execução de desafetos e de agentes públicos, que oprimem o morador da comunidade”, ressaltou lembrando que os criminosos atiram granadas sobre os policiais com o uso de drones durante a operação.
A citação à necessidade de alterar a classificação do Comando Vermelho se deu por causa da resistência do governo em mudar para terrorista, em que afirma que deveria haver uma motivação ideológica para isso.
Felipe Curi seguiu na crítica afirmando que o combate à facção não é mais apenas um trabalho de polícia, que nenhuma força policial do mundo faz o que os agentes do Rio de Janeiro enfrentam por causa do poderio bélico e da violência da organização. Ele classificou como um “cenário de guerra irregular, assimétrica”, fazendo um apelo pela alteração e endurecimento da legislação.
“São sim narcoterroristas, e têm que ser tratadas como tal”, ressaltou.
Estratégia e políticas de ocupação do poder público
Os secretários também defenderam a estratégia tática adotada durante a operação, de ocupar os dois complexos de modo a empurrar os criminosos para a área de mata em vez de fazer um confronto pelas ruas das favelas, e que lá muitos deles acabaram enfrentando as forças policiais -- enquanto que outros se renderam e foram presos.
Também defenderam a integração das forças com o governo federal e cobraram recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública, que hoje "tem valores muito pequenos".
"Vai haver uma necessidade de incrementar esse orçamento", citou Victor dos Santos ressaltando que os R$ 50 milhões que o Rio de Janeiro recebe ao ano é suficiente apenas para o combustível das viaturas por três meses.
O secretário defendeu defendeu que os órgãos públicos busquem outras formas de financiamento das políticas para os complexos que não afetem diretamente os recursos do orçamento que já estão reservados para outras ações.
"Nosso trabalho é livrar a sociedade do tráfico, da milícia, de todo aquele que prejudica o nosso direito de ir e vir. Nós continuaremos trabalhando com técnica e respeito à lei, para que a gente possa estar devolvendo o direito de ir e vir", disse Cláudio Castro mais cedo em uma rede social.








