O governo Lula anunciou um orçamento de R$ 4,7 bilhões para obras de infraestrutura e melhorias em Belém (PA), sede da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, a COP-30, entre 10 e 21 de novembro de 2025. Apesar da cifra bilionária, a entrega prometida de aproximadamente 30 obras é vista com desconfiança pela proximidade do evento e pelas carências estruturais da capital paraense, escolhida pela localização na região amazônica.
Além disso, o histórico dos governos petistas Lula-Dilma, responsáveis pelas obras na Copa do Mundo do Brasil, no ano de 2014, e pela maior parte das intervenções nas Olimpíadas do Rio de Janeiro, em 2016, aumenta a incerteza em torno do alardeado legado da COP-30. Os eventos esportivos foram marcados por investimentos em estruturas que se tornaram “elefantes brancos” nas capitais, como a Arena da Amazônia, em Manaus (AM), e pela ausência das obras de infraestrutura e mobilidade urbana que não foram entregues.
Na capital amazonense, o ônibus de tráfego rápido, o BRT [Bus Rapid Transit], não saiu do papel, assim como o trem-bala entre São Paulo e Rio de Janeiro e o metrô de Curitiba, entre outras promessas que na época foram alardeadas pelos poderes públicos municipais, estadual e federal. Nos 10 anos do Mundial de Futebol no Brasil, a reportagem da Gazeta do Povo fez um levantamento especial sobre o tema.
Agora, para bancar os gastos com a preparação da COP-30, o governo recorreu aos cofres do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e da Itaipu Binacional, além do Orçamento Geral da União para 2025, que sequer foi votado pelo Congresso Nacional. De R$ 1 bilhão previstos para o evento, o governo Lula empenhou apenas R$ 60 milhões até este início de ano.
O primeiro sinal de alerta com a COP-30 veio do setor de hotelaria, que possui menos de 20 mil leitos para acomodação dos turistas - o governo federal afirma que o evento internacional deve contabilizar um público acima dos 60 mil visitantes. De acordo com informações da prefeitura e do governo estadual, hotéis devem ser construídos para receber os turistas e parcerias serão realizadas na área da hospedagem na tentativa de suprir a demanda.
A prefeitura de Belém confirmou que o último levantamento aponta para 18 mil leitos de hotelaria e a necessidade de dobrar a capacidade, além de ações pontuais para os 15 dias da COP no Brasil. “Desde o primeiro dia, a nova gestão tem trabalhado para preparar a cidade para um dos maiores eventos climáticos do mundo e isso inclui atender à demanda prevista do setor hoteleiro”, respondeu a gestão do prefeito Igor Normando (MDB), que foi eleito no pleito municipal de 2024. O ex-prefeito Edmilson Rodrigues (Psol), aliado de Lula para trazer a COP ao Brasil, ficou de fora do segundo turno.
A prefeitura informou que escolas públicas serão transformadas em hostels temporários e contará com a colaboração de plataformas especializadas em hospedagem, como Booking.com e Airbnb, para incentivar proprietários locais a disponibilizarem os próprios imóveis no aluguel de curta duração. A área de hospedagem também deve ser ampliada para a Região Metropolitana de Belém, nas cidades de Ananindeua, Marituba, Benevides, Barcarena e Castanhal.
Orçada em R$ 224 milhões com recursos provenientes da usina de Itaipu, a Vila dos Líderes terá 500 quartos padrão cinco estrelas para as delegações. Segundo a organização do evento, o local será transformado em centro administrativo do governo estadual depois do evento climático.
Hotéis flutuantes são alternativa para COP no Brasil
Uma das alternativas prometidas pelo governo do Pará é o uso de navios de cruzeiro como hotéis flutuantes, o que depende da finalização das obras no terminal hidroviário internacional de Belém. Segundo informações da Secretaria de Estado de Turismo (Setur), os navios fluviais estão em fase de negociação para contratação pelo governo federal.
De acordo com a pasta, as embarcações ficarão no porto de Outeiro, definido como ponto estratégico para a atracagem de transatlânticos nos rios durante a COP-30. O projeto prevê a construção de uma ponte que vai permitir uma conexão a ser feita em cerca de 30 minutos entre o porto e os locais de eventos na capital paraense. “O porto de Belém poderá receber navios e barcos de menor porte e com o mesmo padrão dos navios cruzeiros, ampliando a oferta de leitos para a COP-30 nesta modalidade de hospedagem”, completa o órgão.
O presidente da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis no Pará (Abihpa), Tony Santiago, ressaltou que a estrutura para receber os transatlânticos é uma reivindicação antiga e, com a conclusão das obras, ficará como “legado” para o setor de turismo na região amazônica. “Iria custar uma fortuna para aprofundar o canal de Belém. Só que ao lado, na ilha de Outeiro, temos um porto pronto com calado de 11 metros. Falta agora fazer a estrutura de receptivo”, comentou.
Questionado sobre a capacidade da rede hoteleira, ele respondeu que a demanda turística deve ser dividida durante as duas semanas de evento. “A COP não é feita em um final de semana, a duração é de 15 dias. Então, temos delegações que entram e outras que saem. Por isso, temos uma certa tranquilidade que vamos hospedar todo mundo”, argumentou.
A Secretaria de Turismo pontuou que a capital paraense tem recebido investimentos privados para a construção de quatro empreendimentos, por grupos internacionais para atendimento de público A e B. “Um dos hotéis vai ocupar três galpões em uma área próxima ao Porto Futuro II, outro será instalado em um antigo prédio que pertencia à Receita Federal, o terceiro no bairro do Reduto, em Belém, e o quarto em Castanhal”, informou.
Ônibus de tráfego rápido é promessa para a mobilidade urbana
Na área de mobilidade urbana, o investimento para o BRT é o mais aguardado na Região Metropolitana de Belém, com obra que prevê a reestruturação de 10 quilômetros na rodovia BR-316, entre a capital e o município de Marituba. O vereador de oposição Mayky Vilaça (PL-PA) afirma que a entrega da obra foi adiada por três vezes pelo governo do estado.
“Foram feitos aditivos e até o momento não foi concluída. O BRT é uma obra importante, pois existe um caos no trânsito de Belém, que está afogado de veículos. Existem promessas de ampliação e reestruturação de ruas, mas não sabemos se isso será finalizado”, comentou Vilaça em entrevista à Gazeta do Povo.
De acordo com a gestão do governador Helder Barbalho (MDB), o projeto inclui dois viadutos na malha rodoviária, sendo que o primeiro foi entregue em dezembro com 720 metros de extensão. Além disso, os primeiros 10 veículos elétricos foram entregues em janeiro, junto com 57 movidos a diesel. A nova frota terá 265 ônibus, sendo 40 veículos não poluentes por uso do sistema elétrico.
O vereador do PL afirma que a maior preocupação é se as obras prometidas serão concluídas até novembro, quando Belém recebe a Cúpula do Clima. “É muita promessa, muito início de obras, mas não temos confiança se o governo vai finalizar o que está sendo prometido. Nós temos um déficit nos hotéis para receber os hóspedes e participantes da COP”, cobrou.
A prefeitura de Belém enfatiza que, "em parceria com o governo do estado, tem estruturado ruas e avenidas da capital paraense, e otimizado o sistema viário para garantir um trânsito seguro e a mobilidade urbana durante a realização da COP-30 em novembro”. Outra medida anunciada para diminuir o impacto no trânsito é a suspensão das aulas durante as duas semanas de realização da COP-30.
Em dezembro, o governo federal e a prefeitura da cidade entregaram a revitalização do Mercado São Brás, primeira obra em decorrência da Cúpula do Clima, que foi orçada em R$ 150 milhões. Por meio da assessoria de comunicação do evento, o secretário extraordinário da COP-30, Valter Correia da Silva, foi procurado pela Gazeta do Povo, mas não respondeu ao pedido de entrevista para esclarecimentos sobre a infraestrutura de Belém para receber a Cúpula do Clima.
Setor empresarial defende COP como “janela de oportunidade” para Belém
A presidente da Associação Comercial do Pará (ACP), Elizabete Grunvald, defendeu a realização da COP-30 em Belém pela representatividade da região amazônica nas discussões sobre clima e também pela “janela de oportunidade” para avanços econômicos e sociais na capital paraense.
“Esse evento é um grande facilitador para melhorar a cidade. O legado tem um peso muito importante”, disse a presidente da ACP ao citar o BRT, as construções de hotéis e o retorno da cidade ao circuito de cruzeiros, além da qualificação profissional dos paraenses, por meio da plataforma “Capacita COP-30”.
Ela criticou a possibilidade de Belém dividir a realização da COP no Brasil com outra capital, possibilidade que chegou a ser levantada pelo prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (PSD). “É uma grande oportunidade para a cidade e para o estado, mas sobretudo para a Amazônia. É a nossa contribuição para o Brasil e para o mundo, diferente dessa ideia errada que só se desmata na Amazônia. Nós temos um trabalho muito importante de estímulo à economia verde, à sustentabilidade, à bioeconomia e à biodiversidade”, avalia.
Questionada sobre o trânsito, ela respondeu que outras cidades que receberam a Cúpula do Clima, como Glasgow [COP-26 na Escócia], Sharm El Sheikh [COP-27 no Egito] e Dubai [COP-28 no Emirados Árabes], também tiveram problemas em decorrência do número de visitantes. “Nós vamos ter os mesmos problemas que a maioria das cidades-sedes da COP. Nenhuma cidade, a não ser as grandes metrópoles, está totalmente preparada para receber 50 mil pessoas de uma vez. Isso significa um trânsito caótico, as pessoas vão ter que parar, por isso estamos tomando medidas e estimulando atitudes para minorar esse impacto no trânsito”, apontou.
Além da alteração no calendário escolar, funcionários públicos devem adotar o trabalho remoto durante o período da COP no Brasil. Grunvald também lembrou dos investimentos previstos para o saneamento básico nas bacias em Belém.
A cidade ocupou a terceira pior posição no Mapa da Desigualdade Entre as Capitais, elaborado pelo Instituto Cidades Sustentáveis (ICS). De acordo com o levantamento divulgado no ano passado, apenas 17% do esgoto produzido em Belém é coletado. Deste total, somente 10% é tratado corretamente antes de ser despejado nos rios e córregos. Até 2033, o Marco Legal do Saneamento prevê a meta de 90% do serviço de coleta e tratamento para os municípios e estados no Brasil.
Entre as obras de saneamento está o projeto da avenida Tamandaré, com custo calculado em R$ 241 milhões, envolvendo a reforma do canal e a construção de um parque linear. Além disso, segundo o governo Lula, nove canais das bacias de Tucunduba e Murutucu vão receber R$ 740 milhões nas obras de macrodrenagem e urbanização.
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