O jornalista argentino Sebastian Petre está com viagem marcada para Santa Catarina no início de janeiro. Ele vem acompanhado dos pais e do irmão mais novo, com expectativa de relaxar nas praias catarinenses. Apesar disso, uma preocupação rodeia a família: a incerteza na hora de realizar as compras no Brasil, devido ao câmbio.
“Há muitas restrições para os argentinos fazerem compras no exterior, por isso alguns, como eu, acabam utilizando produtos financeiros digitais ou criptomoedas”, diz Petre. A inquietação não é exclusiva da família de Buenos Aires e tem como pano de fundo a crise econômica e as eleições no país vizinho, que têm alterado o comportamento dos hermanos na hora de organizar as viagens.
Muitos argentinos resolveram antecipar as reservas de hotéis catarinenses para o verão. Em junho, houve uma alta na procura por estadia, inclusive com antecipação do pagamento das diárias mesmo com a possibilidade de quitação no momento do check-in. “Alguns quiseram pagar tudo (de uma vez), para definir as férias, independente do que vier depois. Agiram dessa forma para reduzir o possível impacto das eleições”, diz o presidente do Sindicato de Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares da Grande Florianópolis, Luciano Pereira Oliveira.
Como as reservas dos argentinos iniciaram mais cedo, criou-se uma expectativa de que a temporada “seria muito forte”, superando a passada. No entanto, o consumo reduziu logo em seguida. “Normalmente, em outubro e novembro é quando as vendas costumam aquecer mais e, desde antes do primeiro turno (das eleições argentinas, que ocorreram em 22 de outubro), deu uma pausa (nas reservas). Não se sabe se uma vez que saia o segundo turno vai aquecer novamente ou se vai depender de quem vencer a eleição”, especula Oliveira.
O setor de turismo catarinense espera que, com o resultado do pleito, que será definido no próximo domingo (19), os argentinos retomem o planejamento das viagens. Os hermanos são os principais turistas estrangeiros de Santa Catarina. Na temporada passada, mais de 154 mil argentinos passaram pelo estado. “A gente espera que o fluxo de turistas argentinos aumente nesta estação em relação à passada”, afirma o secretário-executivo estadual de Articulação Internacional, Juliano Froehner.
Para ele, a parceria entre a Argentina e o estado de Santa Catarina é “evidenciada pelo turismo”. Por isso, “o estado vem desenvolvendo novos atrativos, novos destinos, novos equipamentos turísticos, fazendo com que o argentino se surpreenda a cada ano que ele vem para cá”, explica, em nota, a Secretaria de Estado do Turismo.
Entre 50% e 60% das vagas de hotéis estão reservadas para janeiro em Florianópolis e região, segundo o Sindicato de Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares. O período entre Natal e Réveillon, no entanto, costuma ter maior lotação e com reservas antecipadas.
Argentina está entre os principais parceiros econômicos de Santa Catarina
Além de fazer a diferença no turismo catarinense, “quando os argentinos não vêm, a temporada costuma ser fraca”, analisa o presidente do Sindicato de Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares da Grande Florianópolis. O país vizinho é considerado economicamente muito importante para o Brasil "e para Santa Catarina em especial”, destaca o secretário estadual da Indústria e Comércio, Silvio Dreveck. A Argentina é o terceiro e o quarto principal parceiro do estado em exportações e importações, respectivamente.
Em relação às exportações, Santa Catarina negociou com a Argentina US$ 820,1 milhões em 2022, segundo dados da Federação das Indústrias do Estado de Santa Catarina (Fiesc). O montante fica atrás apenas das exportações aos Estados Unidos (US$ 2,1 bilhões) e à China (US$ 1,6 bilhão). Como a Argentina compra mais produtos industriais catarinenses - como motores elétricos - do que os outros dois países, essa parceria tem um resultado relevante. “Cada US$ 100 mil importados pela Argentina gera mais empregos em Santa Catarina do que US$ 100 mil dos Estados Unidos e da China”, explica o professor de Relações Internacionais da Universidade do Vale do Itajaí (Univali) Ricardo Boff.
O secretário Froehner destaca que o governo catarinense tem trabalhado para que micro e pequenas empresas realizem suas primeiras exportações e um dos focos desse grupo é a Argentina. “Para a primeira exportação, você precisa fazer para quem está próximo, porque, nesses casos, o despacho é via rodoviária”, explica.
Em resumo, avalia Dreveck, “Santa Catarina é um estado exportador e que está em uma linha de protagonismo por vender produtos não só para outros estados do Brasil, mas como para o exterior”.
Em relação às importações, a Argentina é o quarto país do qual o estado mais compra produtos, com movimento de US$ 1,8 bilhão, atrás de China ( US$ 11,5 bilhões), Chile (US$ 1,9 bilhão) e Estados Unidos (US$ 1,8 bilhão). Boff ressalta, no entanto, que o posicionamento do Chile nesse ranking é um ponto específico por ser o principal fornecedor de cobre para Santa Catarina. Além disso, segundo a Fiesc, “com exceção dos chilenos, todos os parceiros comerciais ampliaram sua participação na pauta importadora catarinense no último ano”.
Polarização Lula x Bolsonaro se transfere para Massa x Milei
As eleições argentinas se concentram em uma polarização entre dois candidatos: Javier Milei (La Libertad Avanza), da direita libertária, que representa a oposição ao atual governo de Alberto Fernández, e Sergio Massa (Unión por la Patria), peronista e ministro da Economia.
O professor de Relações Internacionais da Univali Ricardo Boff explica que essa polarização é semelhante à que o Brasil viveu em 2022 na disputa entre Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PT), inclusive com transferência de torcida dos eleitores dos presidenciáveis brasileiros para Massa e Milei. “As imagens de Lula e Bolsonaro são usadas na campanha argentina”, diz Boff.
Outra semelhança com a eleição brasileira é a incerteza do pleito. Na semana decisiva, a eleição está acirrada. Além disso, o clima político no país vizinho “está muito tenso”, conta o jornalista argentino Sebastian Petre, que acompanha as eleições de perto. “Alguns partidos políticos atacam seus opositores, não através de propostas, mas, sim, de violência e de uma campanha do medo”. Ele explica que, nas ruas, essa instabilidade não é tão evidente, porque “o argentino está acostumado a viver em situações de tensão e já passou por momentos históricos muito piores. Há um cansaço generalizado e uma exaustão que muitas vezes se traduz na perda da esperança”, explica.
Futuro da relação entre SC e Argentina
Professor do curso de Economia e pós-graduação em Administração, na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Lauro Mattei destaca que há muitos prognósticos em relação ao impacto do futuro do resultado da eleição argentina, mas “todos com carência de realidade”. “Tudo vai depender da política que se desenha com desfecho das eleições”, explica. Ele entende que a tendência é o país seguir com a crise econômica e com a política do Mercosul, assim como manter as exportações e importações com o Brasil. “Pode ter alguma tentativa de barreira, mas isso está sendo construído há décadas, não vai parar do dia para noite”, afirma.
O professor de Relações Internacionais da Univali Ricardo Boff, por sua vez, entende que o impacto nas relações entre os dois países e no turismo de argentinos para Santa Catarina dependerá das “escolhas econômicas que os próximos presidentes fizerem”. Uma possível vitória de Milei, por exemplo, pode representar a dolarização da Argentina. A medida é uma das principais promessas de campanha do libertário. O professor explica que, em um curto prazo, com maior fluxo de dólares, os argentinos poderão ter maior poder de compra e, com isso, pode ficar até mais barato uma viagem para o Brasil. “Mas até que ponto?”, questiona.
Boff relembra que a Argentina iniciou um processo de dolarização nos anos 1990, que gerou aumento no fluxo de argentinos em Santa Catarina. No entanto, ele faz ressalvas. “Quando a conta da dolarização vem é complicado. Até que ponto é sustentável abrir mão da tua moeda para depender da moeda estrangeira? Isso pode ser um baque ainda maior na economia”. Hoje, por exemplo, a dívida pública argentina é parecida com a brasileira: cerca de 80% do Produto Interno Bruto (PIB), com a diferença que o Brasil usa a própria moeda para quitar a dívida, enquanto a Argentina paga em dólar. Na cotação de 15 de novembro, um dólar equivalia a 352.83 pesos argentinos.
Já uma possível vitória de Massa representa uma revalorização da moeda nacional. “E isso demora um tempo”, alerta o professor. Por isso, a tendência é de que, em um curto período, a economia argentina e a relação com o Brasil permaneça semelhante com o cenário atual, diz. “Uma recuperação da moeda argentina a longo prazo é bom para todo mundo”, ressalta. Com moeda própria, o país pode fazer política cambial e fiscal que permite, consequentemente, uma política industrial. “Facilitando o desenvolvimento da indústria se gera mais emprego e (se tem) crescimento mais robusto e sustentável, que faz com que o poder de compra (do cidadão) aumente”, explica.
Independente do resultado das eleições vizinhas, a torcida é para que “quem vencer possa melhorar as relações internacionais e, em especial, com Santa Catarina”, diz o secretário estadual Silvio Dreveck. O posicionamento é corroborado pelo secretário Froehner. “Nos dois cenários (com Massa ou com Milei) teremos aumento nas relações com a Argentina, tanto que temos estudado muito uma aproximação com a nossa província irmã com quem temos fronteira, justamente para aumentarmos os frutos. A gente enxerga que, nesse novo cenário geopolítico mundial, as relações de parceria estão muito mais fortes”, finaliza.
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