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Entre o porto de Rio Grande (RS) e Iskenderun, cidade portuária na Turquia, existe uma viagem marítima de aproximadamente 18 dias. Conectando o Oceano Atlântico com o Mar Mediterrâneo, a rota é parte central na estratégia de exportação de gado vivo do Brasil. A travessia é feita pelo Nada, maior navio boiadeiro do mundo, com capacidade para transportar até 27 mil bovinos.
A embarcação, registrada sob bandeira do Panamá, tem 201 metros de comprimento — maior, por exemplo, que a grande pirâmide de Gizé, no Egito. Sua estrutura permite carregar até 28 mil toneladas, o que faz do Nada uma das principais ferramentas logísticas do setor.
O Brasil é o maior exportador global de carne bovina, portanto nada mais justo do que utilizar o maior navio boiadeiro do planeta. Segundo a Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec), em 2024 foram exportados 2,89 milhões de toneladas, movimentando 12,8 bilhões de dólares.
Por que embarcar os animais vivos no navio boiadeiro?
A opção por exportar animais vivos pode parecer contraproducente, ainda mais em um país com mais de 1,1 mil abatedouros, segundo a Fundação Getúlio Vargas (FGV). Mas a prática atende a exigência cultural comum em países islâmicos. Em muitos deles, o consumo está condicionado à certificação Halal, que envolve regras religiosas desde o transporte até o abate.
"O abate Halal é um ritual islâmico de sacrifício que vai além do aspecto técnico", explica Elaine Carvalho, gerente de qualidade da Fambras Halal, principal certificadora do país. "Ele é baseado em princípios religiosos que priorizam o bem-estar animal, o respeito à vida e a saudabilidade do alimento", acrescenta.
A gerente da Fambras Halal também afirma que o Brasil tem posição de destaque nesse setor, o que faz do país uma referência no mercado internacional. "A certificação Halal agrega valor ao produto brasileiro, abre portas para mais de 50 países de maioria muçulmana e reforça o compromisso com padrões internacionais de qualidade, rastreabilidade e respeito cultural", ressalta.
Segundo a certificadora, no ano passado o Brasil exportou 4,3 milhões de toneladas de frango e 12 milhões de toneladas de carne bovina Halal. Um levantamento da Câmara de Comércio Árabe-Brasileira revelou que, em 2024, o país bateu recorde de exportações no segmento: foram 23,68 bilhões de dólares em exportações, alta de 22,4% em relação ao ano anterior.
Setor é alvo de ativistas de proteção ao bem-estar animal
Entre os desafios do setor, o bem-estar animal é o que mais mobiliza as críticas. Em 2018, o próprio Nada foi retido no porto de Santos por ordem judicial, após denúncias de maus-tratos feitas por entidades de proteção como a Mercy for Animals.
A empresa Minerva Foods, responsável pela operação, foi multada em R$ 1,4 milhão. O então ministro da Agricultura, Blairo Maggi, se envolveu diretamente na crise e pontuou que tudo seguia o padrão estabelecido pela legislação brasileira.
“Podemos garantir que não há maus-tratos. É um ativismo meio fora de controle”, afirmou à Gazeta do Povo na ocasião. “Outras empresas podem deixar de comprar do Brasil por causa disso. É um prejuízo comercial intangível.”
Quatro dias depois da paralisação, o navio boiadeiro foi liberado pela desembargadora Diva Malerbi, que entendia que manter os animais parados no porto apenas geraria "maior sofrimento e penoso desgaste aos animais". Procurada pela Gazeta do Povo, a Minerva informou, por meio da assessoria, que não comenta mais o tema e reforça que descontinuou a operação de transporte de gado vivo no ano passado.
Mesmo diante das controvérsias, o transporte de gado vivo segue como uma aposta estratégica do agronegócio brasileiro, navegando entre exigências religiosas e críticas sobre o bem-estar animal. Desde 2005, 8,8 milhões de animais vivos foram exportados. Somente no ano passado, o setor embarcou cerca de 1 milhão de bovinos, de acordo com dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex).
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