A mudança no secretariado de Santa Catarina foi parar na Justiça após a indicação do governador do estado, Jorginho Mello (PL), ao próprio filho para ocupar a Casa Civil. Filipe Mello, que é advogado e tem trajetória na política catarinense, teve a indicação suspensa por decisão liminar do desembargador João Marcos Buch. A decisão, no entanto, foi revertida quatro dias depois - nesta segunda-feira (8) - com o entendimento de que o caso não se caracteriza como nepotismo, segundo definição do Supremo Tribunal Federal (STF). Apesar de não ter sido considerada ilegal, a indicação é vista como imoral por especialistas consultados pela reportagem da Gazeta do Povo.
O governo catarinense explicou, em nota, que “a nomeação do novo secretário da Casa Civil se deve ao seu próprio mérito e à competência comprovada. Foi um nome defendido e chancelado por lideranças de todos os Poderes do Estado”. Nos bastidores, o filho mais novo do governador já atuava na articulação política desde o início do mandato do pai.
O professor de Relações Internacionais, Direito e Comércio Exterior da Univali Daniel da Cunda Corrêa pondera que, apesar de Filipe Mello ter experiência em cargos públicos, sendo secretário de Estado em três ocasiões e com participação na prefeitura de Florianópolis, “é no mínimo imoral que o governador do estado nomeie seu próprio filho como secretário da Casa Civil".
“É preciso registrar que o governo que se elege sobre bandeiras de moralidade na política comete um ato no mínimo, absolutamente, imprudente e reprovável apesar de não ser uma questão essencialmente ilegal, já que Tribunal Superior Eleitoral e o Superior Tribunal de Justiça reconhecem a possibilidade de que haja uma execução de cargo público com parentes mesmo em primeiro grau desde que ocupando funções que não sejam diretamente comissionadas e, nesse caso, uma função de secretariado”, completa.
O posicionamento é compartilhado pelo mestre em Sociologia Política e professor da Univali Eduardo Guerini, que entende que a indicação tem “característica de imoralidade que fere os princípios da administração pública". De acordo com ele, apesar de ser cargo de confiança que pode ter nomeação com prerrogativas adequadas, segundo interpretação do STF, a nomeação deveria ser evitada. "Isso deveria ser repelido pela sociedade com leis próprias contra nepotismo ou filhocracia”, afirma. Ele defende, ainda, uma nova lei que “imprima uma republicanização do estado, que a coisa seja pública de todos e não só de alguns ou de algumas famílias”.
A súmula vinculante 13 do STF define como nepotismo a nomeação de cônjuge, companheiro ou parente até o terceiro grau em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta. O que exclui indicações de natureza política, que é o caso de Santa Catarina.
O caso na Justiça
Em 4 de janeiro, o Psol de Santa Catarina entrou com mandado de segurança coletivo no Tribunal de Justiça do estado (TJ-SC) para que o governador Jorginho Mello suspendesse a indicação do filho para a Casa Civil. O documento cita a lei catarinense nº 1.836/2008, que veda a nomeação de cônjuge, companheiro ou parente para cargo em comissão, de confiança ou de função gratificada na administração pública estadual. O pedido foi acatado, em caráter liminar, pelo desembargador João Marcos Buch.
No dia 5, a Procuradoria-Geral do Estado (PGE-SC) protocolou o pedido de impugnação da decisão do juiz. O documento foi analisado pelo desembargador Diogo Pítsica, que optou por não tomar decisão em regime de plantão. Três dias depois, o governo desistiu do mandado de segurança e entrou com pedido de suspensão da liminar dirigido ao primeiro vice-presidente do TJ-SC, o desembargador Getúlio Corrêa.
Segundo a PGE, “o mandado de segurança que fora impetrado na sexta-feira só existiu pois o Poder Judiciário estava com o expediente suspenso, trabalhando em regime de plantão. Com o retorno das atividades nesta segunda-feira - e sem a decisão durante o plantão -, o Estado perdeu o interesse no mandado de segurança pois ele 'perdeu a razão de existir'. Por isso foi interposto recurso da decisão hoje (segunda-feira, 8)”.
Horas depois do novo pedido do governo, o TJ derrubou a liminar, permitindo, então, que Filipe Mello fosse nomeado secretário. A posse dele no cargo foi marcada para esta quarta-feira (10), assim como dos outros quatro novos secretários que foram anunciados por Jorginho na semana passada.
Jorginho Mello assume desgaste com indicação do filho para sustentar base do governo
Jorginho Mello cogitou nomear o filho Filipe Mello ainda na primeira formação do governo, no início de 2023. Na época, entendeu que a decisão poderia trazer desgaste político. No entanto, no decorrer do primeiro ano de mandato, o governador enfrentou dificuldades na articulação, principalmente com os deputados estaduais. Para Corrêa, a situação política do estado se agravou, na medida em que o governador precisa de uma base mais sólida junto à Assembleia Legislativa.
“Então Filipe Mello também vem cumprir essa função de articulação política que antes era informal, era de bastidor, mas já era executada por ele. Me parece que há uma formalização de fato do cargo e diante de uma certa dificuldade de articulação política do próprio governador. Ele prefere assumir o desgaste desta nomeação que tem repercutido muito mal no país inteiro - e devidamente muito mal, mas em nome de uma certa sustentação da sua própria base de governo para esse início de 2024”, avalia.
O advogado é de extrema confiança do pai e tem bom trânsito entre os três poderes catarinenses. Ele atuou, nos bastidores, em pautas consideradas importantes para Jorginho Mello, como no julgamento de um processo que pedia a suspensão do programa Universidade Gratuita. Além disso, foi figura importante na campanha eleitoral do pai na disputa para vaga ao Senado, em 2018. Jorginho Mello foi eleito com 18,07% dos votos - ficando em segundo lugar, atrás de Esperidião Amin (PP) - e cumpriu os primeiros quatro anos de mandato como senador, assumindo a liderança do governo Jair Bolsonaro (PL) no Congresso Nacional. Em 2022, concorreu ao governo de Santa Catarina, sendo eleito com 70,69% dos votos.
Quem é Filipe Mello
Filipe Mello é advogado com atuação em Direito Público. Na prefeitura de Florianópolis, exerceu os cargos de secretário de Administração (2005-2006) e da Casa Civil (2017-2018). Também atuou no governo do estado, na época de Raimundo Colombo, como secretário do Planejamento (2011-2012), secretário Executivo de Assuntos Internacionais (2013-2014) e secretário de Turismo, Cultura e Esporte (2014-2016). Foi membro do Tribunal Tributário do Estado de Santa Catarina e Conselheiro Estadual da OAB-SC.
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