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PCC corrupção policial
Monitoramento de patrimônio é opção de medida para coibir corrupção policial no Brasil.| Foto: Divulgação/Polícia Militar de São Paulo

Da máfia siciliana ao Primeiro Comando da Capital (PCC), a cartilha do crime organizado começa com a corrupção das forças policiais e expande os tentáculos para a infiltração no Estado. A fórmula - que levou países ao caos, como México e Colômbia - é conhecida, e a história tende a se repetir. Em São Paulo, o assassinato de Vinicius Gritzbach no aeroporto de Guarulhos, em novembro, escancarou o envolvimento de policiais militares e de investigadores da Polícia Civil com o PCC.

A corrupção das forças de segurança possibilita a lavagem de dinheiro proveniente do tráfico de drogas com a diversificação dos negócios. Em 2024, o Ministério Público de São Paulo (MP-SP) revelou que o PCC controlava empresas concessionárias na prestação do serviço de transporte coletivo na capital.

Também no ano passado, o envolvimento de facções nas eleições municipais entrou no radar dos investigadores pelo país. “Não existe crime organizado sem a corrupção de forças de segurança, sem a corrupção do Estado. A polícia é a primeira organização que é vítima, mas isso chega até outras esferas e entra na sociedade”, alerta o professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública Rafael Alcadipani.

Ele cobra medidas para combater a corrupção policial e um controle rígido dentro das corporações para atenuar os casos de envolvimento de policiais com o crime organizado, além de uma melhor remuneração para o efetivo. “O PCC é uma das maiores empresas de logística do mundo, que traz a droga do país andino, entrega na Europa, na África e em outros lugares com um ganho estratosférico, além da droga vendida no Brasil. É uma organização com muito dinheiro. Aí você pega um policial mal remunerado - que precisa melhorar sua formação, que precisa melhorar sua doutrina - e ele vira uma presa fácil para o crime organizado”, analisa o professor.

Alcadipani ressalta a necessidade da mudança de cultura nas corporações para combater a corrupção dentro da segurança pública. “Uma polícia que passou por essa transição foi a Polícia Federal. Tinha problemas sérios e hoje não podemos dizer que não existe [corrupção], mas há um controle. Além da remuneração, precisa melhorar a doutrina. A instituição toda tem que estar com uma doutrina muito forte de enfrentamento à corrupção.”

Ele sugere um controle para identificação de casos de incompatibilidade de patrimônio entre as forças de segurança, medida adotada nos Estados Unidos e na Itália, países que combateram organizações mafiosas. “Quando a incompatibilidade do patrimônio é gritante, inverte o ônus da prova. É necessário mudar a legislação para perceber uma incompatibilidade entre a remuneração e o patrimônio da pessoa, uma discrepância entre a história dele, o patrimônio e a vida que leva. Nesses casos, precisamos de ações mais diretas e colocadas”, defende.

A medida também é defendida pelo senador Sergio Moro (União Brasil-PR), que foi alvo de um plano de sequestro e assassinato pelo PCC nas eleições de 2022. “Precisamos ter Corregedorias fortes dentro das polícias e dos poderes investigatórios, inclusive sobre incremento patrimonial descoberto de policiais ou de pessoas ligadas a ele, o que pode caracterizar lavagem de dinheiro. É importante que isso seja detectado, pois envolve pagamento de altos valores em subornos”, declarou o senador. 

Ligações entre policiais e criminosos foram investigadas após atentados

Tanto no Rio de Janeiro como em São Paulo, atentados a tiros de repercussão nacional foram estopim de casos em que a polícia investigou a própria polícia. Pelo envolvimento na execução de Vinicius Gritzbach, o homem apontado como delator do PCC, foram presas 26 pessoas, entre as quais 17 policiais militares e cinco policiais civis. As ouras quatro são pessoas civis ligadas ao homem considerado como o"olheiro" para o grupo, incluindo a namorada dele.

O empresário chegou a recusar a escolta oferecida pelo Ministério Público por andar com segurança particular feita por policiais militares do estado. “O caso do Vinicius é um escândalo, do começo ao fim. Se o país é sério, cai a cúpula da Segurança inteira”, opina Alcadipani. 

Em decorrência do caso Vinicius Gritzbach, a alta cúpula da Polícia Civil de São Paulo também passou a ser investigada por cobranças milionárias para livrar o delator da acusação de homicídio de um integrante do PCC após desavenças por investimentos em criptomoedas. No Rio, a morte da vereadora Marielle Franco culminou na investigação que revelou a presença de matadores de aluguel do "escritório do crime", formado por ex-policiais militares com histórico de serviços prestados aos bicheiros cariocas. Os contraventores são investigados há décadas pelo pagamento de propina aos policiais na capital fluminense.  

“[Fábio] Bechara, promotor de Justiça do Gaeco de São Paulo, fala que vamos ter que viver um Sete de Setembro do crime organizado para mudar a forma de atuação”, afirma o professor da FGV, que alerta que não houve mudanças estruturais nas pastas da Segurança Pública após os casos Marielle Franco e Vinicius Gritzbach.  

“No Rio de Janeiro, temos comunidades em que a polícia precisa passar por três barricadas, debaixo de tiros, para entrar no local. São áreas completamente ocupadas pelo crime. Na Baixada Santista, a polícia também não entra em vários lugares sem ser alvejada, com necessidade de um efetivo importante para isso. Nós estamos perdendo o controle territorial, inclusive do Estado, o que é extremamente grave”, completou.

Moro defende enquadramento do PCC como organização terrorista

O senador Sergio Moro lembrou que a lei antiterrorismo brasileira foi aprovada em 2016 sob resistência do PT, que temia o suposto enquadramento de “movimentos sociais”. Apesar da aprovação, o parlamentar avalia que a lei não alcançou as organizações criminosas no Brasil.

“A redação aprovada acabou limitando a possibilidade de enquadramento dessas organizações, como o PCC e o Comando Vermelho, como terroristas. O que é uma pena porque eles já mostraram força para praticar atos com características de terror”, avalia Moro, que recordou dos atentados em São Paulo, em 2006, e de ataques contra civis no Ceará em 2019.

Segundo ele, uma alteração foi aprovada pelo Senado em 2023, por meio do projeto de lei 3.283/2021 de autoria do senador Styvenson Valentim (Podemos-RN), no entanto, a tramitação está parada na Câmara dos Deputados. “Tenho dúvida se o projeto vai ser aprovado até porque foi bastante modificado e a nova redação adotada vai enfrentar muita resistência política.”

Assim, Moro estuda a apresentação de uma nova legislação para enquadramento do PCC, Comando Vermelho e outras facções criminosas como organizações terroristas. “O projeto deve ter foco principal nas consequências possíveis da caracterização dessas organizações criminosas como terroristas, principalmente relacionado ao congelamento de bens e ativos por ato administrativo. Ainda está em fase de planejamento e maturação”, explicou.

O senador - que foi ministro da Justiça no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) - recorda de avanços na legislação, como o confisco alargado, que possibilita o sequestro de todo o patrimônio de um criminoso condenado por integrar uma organização criminosa. Antes disso, Moro explica que existia apenas a possibilidade de confisco de bens se provada a relação direta da aquisição com recursos oriundos da atividade criminosa.

Moro cobra medidas mais rigorosas e responsabilidade do Executivo para o enfrentamento do crime organizado no Brasil. “O grande motor de mudanças legislativas é o Poder Executivo. Falta ao atual governo colocar isso como um foco. Está muito preocupado com violência policial e câmeras. Realmente tem que coibir a violência policial, mas o objetivo principal da segurança pública tem que ser o combate ao crime organizado, já que essas organizações são cada vez mais poderosas na América Latina”, criticou.

Cartéis na América Latina: política antidroga na pauta de Trump

O professor da FGV Rafael Alcadipani cobrou o envolvimento de diferentes setores da sociedade brasileira para evitar uma escalada da violência e da falta de controle sobre as atividades do crime organizado no país. “A sociedade brasileira não está percebendo o grau de contaminação tanto das forças de segurança, quanto dos negócios, de todo um sistema com casos no transporte coletivo, serviços de lixo e nas eleições", apontou.

Alcadipani comparou a situação do Brasil com a enfrentada por países próximos. "Os tentáculos do crime organizado no Brasil estão gigantescos. A gente precisa fazer alguma coisa para não virar o México. Na verdade, não acho que a gente esteja muito melhor do que a Colômbia, talvez que o México, onde a situação é mais violenta”.

Os cartéis de drogas na Colômbia e no México ficaram conhecidos pelo terror que espalharam pela América Latina e pelos líderes Pablo Escobar (morto em 1992), que comandou o cartel de Medelín, e Joaquín “El Chapo” Guzmán, chefe do cartel de Sinaloa, que foi preso no México e extraditado para os Estados Unidos em 2017.

“O México não conseguiu [combater o crime organizado], está beirando o ‘narcoestado’, é um caso muito sério. A Colômbia teve uma evolução, mas é uma disputa muito grande”, disse o professor, ao se referir às guerras entre cartéis.

Segundo ele, a política internacional de repressão ao tráfico de drogas dos Estados Unidos deve voltar com mais força durante o novo governo do presidente Donald Trump, com possibilidade de repercussões políticas e econômicas no Brasil. O presidente republicano pode incluir o PCC e o Comando Vermelho na lista de organizações terroristas pelo mundo.

“A política do governo Trump pode levar a sanções importantes, financeiras, ao Brasil. A gente precisa resolver isso antes que afete as relações comerciais com o mundo”, alerta.

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