Um dos sócios do laboratório PCS Lab Saleme, que teria falhado nos testes de órgãos encaminhados para transplante, foi preso pela Polícia Civil do Rio de Janeiro na manhã desta segunda (14). De acordo com as primeiras informações, outras três pessoas também são procuradas pela Operação Verum, realizada na cidade pela Delegacia do Consumidor (Decon).
Apuração da GloboNews e do G1 apontam que o sócio é Walter Vieira, responsável técnico do laboratório que teria assinado um dos laudos com o falso negativo para a contaminação de HIV de órgãos encaminhados para transplante. A Polícia Civil confirmou à Gazeta do Povo a prisão de Vieira e de mais uma pessoa, e apontou que esta é a 1ª fase, sinalizando a possibilidade de novas ações futuras.
Há, ainda, 11 mandados de busca e apreensão e mais dois de prisão, expedidos pelo Plantão Judiciário do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Alguns deles são cumpridos na sede do laboratório na cidade de Nova Iguaçu, na região da capital, que precisou ser arrombado pelos policiais. O local está interditado desde a última quinta (10) pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
De acordo com a Polícia Civil, as investigações indicam que os laudos teriam sido "falsificados por um grupo criminoso" e induzido equipes médicas "ao erro, o que levou à contaminação dos pacientes". "Um dos pacientes veio a falecer, com as causas da morte ainda sob investigação”, disse em nota.
"Diversas diligências complementares estão sendo realizadas para identificar toda a cadeia de profissionais envolvidos nesse esquema criminoso, e todos serão prontamente responsabilizados na medida da sua respectiva culpabilidade", completou a Decon.
Pouco depois, em uma entrevista coletiva, o delegado Felipe Curi afirmou que "houve uma falha de controle operacional na qualidade dos testes de HIV, tudo isso para obter lucro".
"Houve uma quebra do controle de qualidade, visando à maximização de lucro e deixando de lado a preservação e a segurança dos testes. Os reagentes precisavam ser analisados sistematicamente, diariamente, e houve uma determinação -- que estamos apurando -- para que fosse diminuída essa fiscalização de forma semanal", completou André Neves, delegado titular da Decon.
Os advogados do laboratório negaram as acusações e afirmaram que "a defesa de Walter e Mateus Vieira, sócios do PCS Lab Saleme, repudia com veemência a suposta existência de um esquema criminoso para forjar laudos dentro do laboratório, uma empresa que atua no mercado há mais de 50 anos. Ambos prestarão todos os esclarecimentos à Justiça".
Walter Vieira é tio do deputado federal Dr. Luizinho (PP-RJ), que era secretário de saúde do estado e diz ter mantido a mesma equipe do Programa Estadual de Transplantes da gestão anterior. "Lamento veementemente o ocorrido, desejando ao fim das investigações punição exemplar para os responsáveis por esses gravíssimos casos de infecção", disse em nota.
"É muito triste como um dos maiores defensores do Transplantes no País, cuja minha vida pública está marcada pela ampliação do número de transplantes no Estado, ver casos graves como esse! Espero punição aos responsáveis, independente de quem for", completou.
Os envolvidos podem ser indiciados por crime contra as relações de consumo, associação criminosa, falsidade ideológica, falsificação de documento particular e infração sanitária.
O caso veio à tona no início de setembro, quando um paciente que havia recebido um transplante de coração no final de janeiro apresentou sintomas neurológicos e testou positivo para HIV, embora não tivesse o vírus antes do procedimento. A descoberta levou as autoridades a examinar outros dois pacientes que receberam rins do mesmo doador, confirmando a infecção. Ao todo, seis pessoas foram contaminadas.
O laboratório informou que já passou à Central Estadual de Transplantes os resultados de todos os testes de HIV realizados entre dezembro de 2023 e setembro de 2024, período em que prestou serviços à Fundação de Saúde do Governo do Estado.
"Nesses procedimentos foram utilizados os kits de diagnóstico recomendados pelo Ministério da Saúde e pela Anvisa", declarou.
Erro humano, diz laboratório
O laboratório PCS Lab Saleme afirmou neste domingo (13) que um erro humano foi responsável pela infecção dos pacientes de acordo com uma investigação interna. A apuração da empresa aponta que houve falha na transcrição dos resultados de dois testes de HIV, o que resultou na transmissão acidental do vírus.
"Os resultados preliminares da sindicância interna apontam indícios de erro humano na transcrição dos resultados de dois testes de HIV, o que resultou na infecção de seis pessoas", afirmou a empresa.
O laboratório não detalhou quem foi o responsável pelo erro ou em que fase do processo ele ocorreu. Contudo, mencionou que a técnica em patologia clínica Jacqueline Iris Bacellar de Assis teria apresentado um diploma de biomédica, o que lhe permitiria assinar laudos.
A assessoria da empresa divulgou uma imagem do diploma de graduação de uma faculdade particular de São Paulo, supostamente apresentado por Jacqueline no ato de sua contratação, em 2023.
Entretanto, o advogado da técnica, José Félix, contestou a autenticidade do diploma e nega que ela cliente tenha trabalhado como biomédica. "Jacqueline jamais trabalhou como biomédica, não tem capacitação técnica e nunca teve interesse na função. Sempre atuou no laboratório como supervisora administrativa", declarou em entrevista à Folha de S. Paulo reforçando que Jacqueline não reconhece o diploma atribuído a ela.
De acordo com a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), técnicos em patologia clínica podem desempenhar atividades de coleta e análise de amostras biológicas, desde que supervisionados por profissionais de nível superior. Em entrevista, Jacqueline afirmou que, embora tenha habilidades técnicas, nunca atuou nessa função no laboratório, limitando-se a revisar erros de digitação e formatação.
Amostras foram retestadas
Ainda na nota divulgada neste domingo (13), o laboratório diz ter tido acesso aos resultados preliminares das 286 amostras que foram encaminhadas para reteste no Hemorio, e que "os primeiros 205 resultados deram negativo para HIV, confirmando os laudos do PCS Lab".
O laboratório afirmou que está fornecendo todo o apoio necessário às vítimas assim que tiver acesso à identidade delas. "Durante todo o processo de transplante, a única informação que o PCS Lab recebe sobre os doadores é a amostra de sangue identificada por código, colhida pela equipe da CET e entregue ao laboratório", acrescentou.
Na sexta-feira (11), o PCS Lab Saleme anunciou a abertura de uma sindicância interna para apurar as responsabilidades relacionadas à contaminação por HIV. A empresa, que realiza exames de sorologia desde 1969, destacou que esse episódio é "sem precedentes" em sua história. Uma inspeção da Anvisa constatou, no entanto, que o laboratório não possuía os kits necessários para os exames de sangue, apesar de ter recebido R$ 11 milhões para realizar esses procedimentos.
Medidas do Ministério da Saúde
Ainda na sexta (11), quando o caso veio à tona, a ministra Nísia Trindade, da Saúde, classificou a infecção dos transplantados como "grave" e "adversa". O ministério garantiu que os pacientes infectados e seus contatos estão recebendo atendimento especializado, que a situação está sendo tratada com "extrema seriedade", com foco na segurança dos transplantados e na integridade do sistema de saúde
Além da suspensão das atividades do laboratório PCS Saleme, o ministério ordenou a retestagem de todas as amostras de sangue coletadas desde a contratação do laboratório para identificar possíveis novos casos de resultados incorretos. Também foi determinada a abertura de uma auditoria urgente pelo Departamento Nacional de Auditoria do SUS (DENASUS), que irá investigar possíveis irregularidades no contrato firmado com o laboratório.
Mesmo assim, o Ministério da Saúde informou que as diretrizes e procedimentos serão reforçados, com o objetivo de aprimorar a identificação de doenças transmissíveis e minimizar ainda mais os riscos.
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