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Bioma Cerrado x floresta amazônica
Área classificada como Cerrado exige 35% de reserva legal no Mato Grosso| Foto: Marcos Vergueiro/Governo do MT

A aprovação do Projeto de Lei Complementar 18/2024 pela Assembleia Legislativa do Mato Grosso (ALMT) promete dar mais clareza e transparência aos processos de utilização das áreas rurais nos biomas do Cerrado com preservação das reservas da floresta amazônica, segundo os defensores do substitutivo que foi aprovado com 15 votos favoráveis e 8 contrários, no início de janeiro.

A retirada do “bioma de transição” da classificação foi defendida para evitar confusões que atrapalham o desenvolvimento agrícola e possibilitam esquemas de corrupção na liberação das atividades. O projeto, que depende da sanção do governador Mauro Mendes (União Brasil), prevê que, com a alteração dos parâmetros de fiscalização do Radam Brasil para o Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE), a escala de mapeamento será mais precisa para a classificação dos biomas.

A falta de consenso provoca insegurança jurídica tanto para os produtores rurais como para os servidores da Secretaria de Estado do Meio Ambiente (Sema), responsáveis pela regularização das áreas. Segundo a legislação, a floresta amazônica tem 80% de reserva legal para preservação, sendo que no Cerrado o percentual é de 35%. A diferença motivou as críticas de ambientalistas que acusam o projeto de flexibilização do desmatamento com impacto em uma área do tamanho da Alemanha no estado de Mato Grosso.

Segundo o autor do substitutivo aprovado, o deputado estadual Nininho (PSD), o projeto de lei também está alinhado ao entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF), que no último mês de outubro julgou as ações diretas de inconstitucionalidade que questionam o Código Florestal Brasileiro. Na decisão do STF, pacificou-se a aplicabilidade do conceito “bioma” para fins de compensação e para reserva legal com a definição de três tipos: floresta, Cerrado e campos. Além disso, o entendimento é que os estados devem legislar sobre o tema.

“O presente substitutivo atende ao setor produtivo e às entidades não governamentais ambientalistas, uma vez que tanto se afastam as alegações de continentais desmatamentos, quanto se cumpre a decisão do Supremo Tribunal Federal, aplicando-se critério operacionalmente simples para identificação dos biomas, garantindo-se a segurança jurídica aos produtores na regularização de suas áreas, bem como aos técnicos servidores públicos ambientais para assinarem estudos e projetos de classificação vegetal de agora em diante em Mato Grosso”, justifica o deputado no texto aprovado pelo Legislativo estadual.

Em entrevista à Gazeta do Povo, Nininho afirmou que a falta de entendimento nos critérios de classificação com as diferentes interpretações do suposto “bioma de transição” afasta investimentos e dificulta o trabalho dos pequenos agricultores no estado, que é considerado um dos maiores produtores de grãos do mundo. “O estado é muito pujante e cresceu e se desenvolveu assim mesmo, mas logicamente que atrapalha e não garante o direito à propriedade com mais igualdade a todos. A pessoa que está lá na ponta, que não tem acesso, sem influência, fica com um projeto sem ser apreciado por anos. O técnico não tem a segurança jurídica para fazer a análise”, afirma.

Cerrado x floresta amazônica: projeto prevê preservação de reservas, diz deputado  

Questionado sobre a preservação ambiental, o deputado respondeu que a área de preservação no Brasil é maior que de 16 países da Europa e atacou os ativistas do meio ambiente “que vivem em ONGs alimentadas por dinheiro público e que estão a serviço de outros países”.

“Nós temos 82 milhões de hectares com nenhum impacto pela aprovação do projeto de lei porque são áreas já consolidadas como indígenas e áreas de parques ambientais protegidas para preservação”, acrescentou. O produtor rural e advogado ambiental Zaid Arbid avalia como um avanço o projeto de lei que prevê a extinção da chamada “transição” entre os biomas “para justificar as mesmas restrições impostas à floresta amazônica”.

“Onde existir Cerrado, assim será reconhecido e isso não significa descaso ao meio ambiente. A lei prestigia o rigor na preservação nas áreas de reserva legal, de preservação permanente, de parques, de unidades de conservação e de reservas indígenas”, ressalta.

Esquema para liberação das áreas ambientais foi investigada pelo MP

Arbid lembra que a Secretaria do Meio Ambiente do Mato Grosso foi alvo de operações do Ministério Público estadual (MP), entre elas, a denominada Polygonum, que desmontou um esquema dentro do órgão para aprovação dos cadastros. “As prisões de servidores públicos, em um ambiente normativo caótico e obscuro, favorecia um clientelismo nos balcões da secretaria, onde apenas poucos escritórios e produtores rurais tinham êxito em classificar suas áreas como Cerrado”, disse em entrevista à Gazeta do Povo.

“Excessos foram também cometidos e todas as áreas aprovadas como Cerrado em uma determinada época foram tratadas como se fossem fruto do mesmo esquema de corrupção”, pondera o advogado. Arbid afirma que regras mais claras devem facilitar o ambiente de negócios e dar mais segurança jurídica para agricultores e também para os servidores responsáveis pela classificação dos biomas.

“Esse passado que macula o Mato Grosso precisa ser lavado por um presente de regras claras e objetivas na classificação vegetal, garantindo segurança a todos os envolvidos na preservação ambiental e nas atividades primárias do estado maior produtor de grãos e carnes do planeta”, defende.

Governador deve vetar projeto

O governador do Mato Grosso, Mauro Mendes, deve vetar o projeto de lei com base no parecer da Secretaria do Meio Ambiente, que se manifestou contra a mudança de classificação proposta pela Assembleia Legislativa. Se o tema voltar ao Poder Legislativo, os deputados podem derrubar o veto do governador e promulgar a lei.

Em ofício encaminhado ao presidente da Comissão do Meio Ambiente, o deputado Carlos Avallone (PSDB), a secretaria afirma que a reclassificação de floresta para Cerrado pode ter “implicações profundas” nas exigências de compensação de áreas de reserva legal e nas “ações de fiscalização e combate ao desmatamento ilegal”.

Segundo o cálculo da secretaria estadual, 344.363 quilômetros quadrados de áreas florestais - cerca de 38% do Mato Grosso - passariam a ser classificados como Cerrado, “uma área comparável ao tamanho da Alemanha”, de acordo com o parecer técnico. “A exigência de preservação em propriedades privadas seria reduzida de 80% para apenas 35%, aumentando assim a área disponível para exploração”, acrescenta.

Na avaliação da secretaria estadual, a mudança na classificação pode ter consequências na distribuição de chuvas provenientes da região amazônica com impacto econômico nas atividades da agricultura e pecuária no país. “A vegetação nativa do Mato Grosso desempenha um papel crítico na regulação hídrica e climática, além de ser parte essencial do sistema de ‘rios voadores’ que transportam umidade para outras regiões do Brasil, como o Sudeste e o Sul.”

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