Na primeira metade do século 20, um dos espetáculos mais populares no Brasil eram exibições de faquires. Eram, em geral, homens que se exibiam encerrados em urnas de cristal, deitados sobre pregos ou cacos de vidro, cercados por serpentes, jejuando durante longos períodos, expostos à curiosidade pública em saguões de teatro e cinema, galerias ou pavilhões montados em terrenos baldios.
Verdadeiras multidões acompanhavam esses desafios de arte radical que mereciam grande destaque dos principais jornais do pais.
O livro “Cravo na Carne – Fama e Fome: A História do Faquirismo Feminino no Brasil” mostra que também existiu um grupo de mulheres que se dedicava a essa arte exótica e que elas são personagens fascinantes.
Faquiresas campeãs de jejum eram paranaenses
Faquires
“São, originalmente, gurus religiosos indianos que executavam feitos de resistência ou de suposta magia, como longos jejuns, caminhadas sobre fogo ou deitar-se sobre camas de pregos pontiagudos”, explica o historiador Alberto de Oliveira. “Em países como o Brasil, houve uma apropriação circense do faquirismo inspirados nas feiras de freaks europeias”.
Escrito a quatro mãos pelos historiadores Alberto Camarero e Alberto de Oliveira, o livro usa trechos de jornais e revistas que tratavam as faquiresas como verdadeiras celebridades e mostram 11 dessas mulheres que atuaram entre 1923 e 1959.
Personagens
No livro aparecem as figuras de Rose Rogé, Gitty, Arady Rezende, Zaida, Rossana, Mara, Iliana, Yone, Marciana, Verinha e Suzy King. “Eram heroínas bizarras da cultura underground brasileira do século passado”, explica Oliveira.
“As faquiresas eram mulheres corajosas, transgressoras e muito à frente do tempo em que viveram”, diz.
Para Oliveira, a ousadia de ser faquiresa, em uma época em que ser atriz ou cantora já era o bastante para que uma mulher fosse discriminada pela sociedade moralista de então, cobrava um preço alto dessas artistas.
“Tem muita tragédia na vida delas. Uma se suicidou, outra foi assassinada. É uma arte radical, as mulheres que optavam por ela faziam mais do que buscar fama e dinheiro, havia uma obstinação pessoal em cada uma”, diz o autor.
Feminismo
Oliveira conta que, ao estudar a trajetória das faquiresas, pode perceber tanto a evolução da imprensa, como a mudança de visão sobre a mulher na sociedade brasileira.
“Nos anos 1920, as faquiresas eram tratadas como um grande avanço feminista, no auge desse movimento no mundo. Uma prova de que a mulher não era o sexo frágil. Já nos anos 1950, a mulher era tratada de uma forma mais sexualizada, explorando as roupas sumárias e a nudez, mais como um objeto”, explica.
Oliveira atribui a extinção da arte circense do faquirismo à modernização do país no começo dos anos 1960 e ao advento da ditadura militar (1964-1985).
“Durante a ditadura não era possível imaginar uma mulher se exibindo de biquíni dentro de uma urna de vidro”, diz Oliveira.
(Fama e Fome: A História do Faquirismo Feminino no Brasil.) Alberto de Oliveira e Alberto Camarero, Editora Veneta, 308 pp., R$ 49.
Faquiresas “campeãs mundiais” de jejum eram paranaenses
Duas das faquiresas mais notórias retratadas pelo livro “Cravo na Carne” eram paranaenses.
As duas foram “campeãs mundiais de jejum”, uma superando a outra.
A faquiresa Mara, foi campeã mundial de jejum depois de 67 dias sem comer no Rio de Janeiro em 1965. Ela era natural de Curitiba.
Mara era esposa do Faquir Urbano, personagem notório da Curitiba de meados do século passado que foi um dos primeiros a se exibir em uma urna de vidro na esquina das ruas Ébano Pereira e avenida João Pessoa (atual Luiz Xavier). Ele e Mara fizeram apresentações em diversos países do continente americano.
Nos anos 1960, Urbano virou diretor do Clube Atlético Paranaense e radialista; comandava o programa “Os Astros Falam e Dirigem Nosso Destino”. Mara se afastou da vida artística e fez parte da Liga das Senhoras Católicas de Curitiba.
O recorde de Mara foi batido pela faquiresa Iliana. Ela também era nascida no Paraná, ainda que não se saiba exatamente em que cidade. Iliana ficou em jejum por 70 dias, período concluído em abril de 1956.
No mesmo ano, a faquiresa fez sua última aparição pública em Belém do Pará e depois se afastou da carreira sem deixar rastros. (SM)
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