Quando, em meados de 2011, Taylor Swift entrou no lendário estúdio Sunset Sound em Los Angeles, Califórnia – onde os Rolling Stones gravaram “Exile on Main Street” e os Beach Boys, “Pet Sounds” –, ela mal tinha um verso completo e uma parte de um refrão.
Na época com três álbums nas costas (“Taylor Swift”, “Fearless” e “Speak Now”) e reconhecida como “a compositora mais prolífica e talentosa de sua geração” segundo o “New York Times”, ela já era dada a incursões arriscadas e colaborações inusitadas. Naquela tarde, Swift precisava de ajuda para terminar uma canção e decidiu bater na porta do estúdio privativo que Ryan Adams mantém no Sunset Sound.
Adams, conhecido na cena independente americana como uma espécie de trovador indie, tem um currículo extenso tanto como compositor quanto como produtor, capaz de filtrar influências tão distintas quanto Sonic Youth e Gram Parsons.
Swift ,que havia lido declarações de como Adams tornou-se um fã incondicional de seu trabalho desde que ouviu a canção “White Horse”, propôs: “Que tal me ajudar a terminar essa?” .
Os dois passaram a tarde trabalhando na canção e, segundo Adams, “o talento dela para improvisar riffs e versos é assustador, inerente”. No final da noite, entraram no estúdio e gravaram uma demo, orgulhosos do resultado final. Swift agradeceu a Adams e ambos combinaram de gravar mais algumas canções na próxima vez em que ela estivesse na cidade.
Isso foi antes de ela abandonar as botas de cowboy, o permanente e trocar os bares de Nashville por estádios.
Então vieram dois álbuns, primeiro “Red” e em seguida “1989”, que a consolidou como a maior artista da música pop da atualidade, a única ainda capaz de vender discos físicos, 1.287.000 cópias só na primeira semana nos EUA.
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Swift enviou uma cópia de “1989” a Adams assim que o álbum foi lançado, em outubro de 2014. O cantor estava terminado a primeira parte da turnê de seu último disco, “Ryan Adams”, e sua vida estava em frangalhos. O casamento chegava ao fim, ele estava exausto e esse seria o primeiro natal que passaria sozinho em cinco anos.
Adams passou a ouvir “1989” continuamente no ônibus da turnê e, quanto mais ouvia, mais obcecado ficava. Ele achava que havia algo mais nas melodias, certas idiossincrasias nas letras que precisavam ser exploradas. Foi quando a turnê acabou que o músico teve a ideia de comprar um gravador portátil de quatro canais e decidiu regravar todas as canções de “1989” a seu modo, apenas voz, violão e harmônica. “Pensei: vou gravar ‘1989’ como se fosse ‘Nebraska’ do Bruce Springsteen (sexto álbum de Springsteen, acústico e também gravado num gravador de quatro canais)”.
E embora a tentativa não tenha passado da quarta música – o gravador emperrou e acabou por destruir a fita quando a mesma foi ejetada – manteve Adams ocupado durante as festas de final de ano até que ele voltasse a fazer turnê.
Então, em agosto passado, depois do término definitivo da turnê, Adams entrou em estúdio decidido a não tocar guitarra elétrica por um tempo e dar uma chance real ao projeto “1989/Nebraska”, recrutando um grupo seleto de músicos para o que ele chamou de “recriar um universo alternativo”.
Até então o fato de que Ryan Adams estava regravando o álbum era algo desconhecido do grande público. Até que ele começou a postar fotos das sessões de gravações no Instagram e Swift tuitou que “não conseguia acreditar” e que, se fosse verdade, “iria desmaiar”.
Não é difícil imaginar milhares de “swiftetes” digitando o nome de Adams em seus telefones para saber quem ele é, ouvir uma de suas canções e achar um saco.
Como muito provavelmente vão achar esse disco todo. Afinal, a versão de “1989” de Adams é a versão de um homem de 40 anos que acabou de se divorciar. É preciso dizer mais?
O que não significa que Adams tenha necessariamente fracassado. Pelo menos não é o que Swift acha. Nem, digamos, os adultos. Quando o álbum foi lançado no último dia 21 de setembro, críticos mundo afora não pouparam elogios, tanto na mídia impressa séria como a “New Yorker” quanto hipsters virtuais como o “Pitchfork”.
Não se trata de enxergar na releitura de Adams um tipo de mérito artístico de maior valor, mas sim de valorizar sua completa sinceridade em prestar tributo à obra de uma garota talentosa.
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Nem todas as canções funcionam (ninguém merece ouvir o refrão de “Shake It Off” em versão acústica), mas, quando funcionam, Adams vai à forra. Ele realmente cumpriu o que se propôs em recriar o clima de “Nebraska” logo na primeira faixa do disco, “Welcome to New York”. Impossível não lembrar do Springsteen.
Um dos maiores hits de “1989”, “Blank Space”, se transforma em algo brutalmente triste e melancólico em que Adams escolhe não trocar os pronomes, o que deixa a música ainda mais dramática. Quando Swift canta “Got a long list of ex lovers, They’ll tell you I’m insane” (“Tenho uma longa lista de ex-amantes, Todos vão dizer que eu sou maluca”), você realmente acha que ela é uma devoradora de homens, quando Adams recita a mesma frase, você sente pena dele e sabe que ele está cantando de um lugar nada agradável.
Já “Style”, terceiro single do álbum, é a única versão elétrica da releitura de Adams, ganhando acordes pesados e mais diretos com direito a uma pequena alteração na letra. Em vez de “You’ve got that James Dean, daydream look in your eyes” (“você tem aquele olhar sonhador estilo James Dean”), Adams canta: “ You’ve got that Daydream Nation look in your eye” (“você tem aquele olhar estilo Daydream Nation”), uma referência a um dos melhores álbuns de uma de suas bandas favoritas, o Sonic Youth.
Uma maneira bem simples de entender o que Adams fez com “1989” é imaginar alguém tirando a maquiagem pesada de uma mulher, só para descobrir que ela é bonita de qualquer jeito. “Tiramos os excessos para que as pessoas prestassem mais atenção nas letras, nas estruturas”, diz o compositor. E o que acaba acontecendo é que, na maioria das canções, Adams realmente enaltece o talento de Swift que ele presenciou em seu estúdio antes de ela virar a queridinha da música pop e, mais importante, independentemente de ela ser a queridinha da música pop.
Fala-se muito que um dos méritos de Swift é ter conseguido fazer música pop que os pais podem escutar com os filhos. Talvez Adams tenha uma parcela de mérito apenas seu agora. Quem sabe da próxima vez que uma menina qualquer de 12 anos terminar de ouvir “1989” pela enésima vez, seu pai não a convide para ouvir a versão de Adams do disco e eles troquem uma ideia sobre por que essa ou aquela canção é melhor regravada ou original, e talvez ainda batam um papo sobre que diabos é “Nebraska”, Bruce Springsteen e Sonic Youth.
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