- 28/06/2024 13:15
No cenário energético, a transição para fontes renováveis tem se mostrado uma estratégia essencial para promover a sustentabilidade e a independência. No início deste ano, o Brasil atingiu a marca de 200 gigawatts (GW) de potência centralizada, segundo dados da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL). Deste total, 84,25% são de fontes renováveis e 15,75% de fontes não-renováveis.
Ou seja, a maior parte da capacidade total de geração de energia elétrica no país é proveniente de fontes renováveis – caso das usinas hidrelétricas, termelétricas, solares e eólicas. No entanto, para avançar no processo de expansão, especialistas que atuam no setor pontuam desafios referentes a questões logísticas, instabilidade política e regulatória e ainda o modelo vigente até hoje, com a centralização da distribuição da energia.
Cícero Bley, CEO da Bley Energias e especialista em biogás, afirma que o processo de expansão de novas fontes de energia deve continuar em ritmo acelerado no Brasil. Isso se dá em função da existência de recursos naturais e da geografia favorável, com amplo território, fatores essenciais para a produção da energia solar e eólica, que são descentralizadas e precisam de espaço.
O mesmo, segundo ele, deve se repetir em países como a Índia e em grande parte da Ásia. “Esse modelo das energias renováveis precisa de território, porque é essencialmente descentralizado”, pontua, destacando os desafios de países menores, como na Europa, onde isso não é possível.
O especialista argumenta que, no Brasil, a transição para energias renováveis e descentralizadas é inevitável e necessária, mas requer mudanças significativas no modelo econômico e na infraestrutura atual.
Bley – que foi superintendente de Energias Renováveis na Itaipu Binacional durante 12 anos – critica o modelo econômico atual de concentração de produção e distribuição de energia, destacando que a tendência é a geração distribuída, onde a energia é produzida e usada localmente. “A transição energética global está caminhando para fontes mais limpas, como o hidrogênio, que é extremamente limpo, mas também muito descentralizado, o que dificulta o transporte”, comenta.
Desenvolvimento
A produção de energia impacta diretamente no desenvolvimento regional e na geração de empregos. Associação Brasileira de Energia Eólica (ABEEólica) estima que, para cada novo megawatt instalado, são criados 15 empregos diretos e indiretos. A Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI) projeta que até 2026 a cadeia eólica deve gerar aproximadamente 200 mil novos empregos diretos e indiretos.
Para Antonio Tavares, engenheiro especialista em geração de energia com foco em energias renováveis e professor titular no Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU), em São Paulo, as fontes renováveis de energia abrem um leque de possiblidades e oportunidades profissionais no setor, desde a instalação e fabricação de equipamentos até a venda de produtos. “As energias eólica e fotovoltaica se destacam como grandes geradoras de empregos”, afirma, pontuando a criação de novas empresas e a formação de especialistas no setor.
Em contrapartida, os combustíveis fósseis, historicamente dominantes, enfrentam crescentes desafios econômicos. A volatilidade dos preços do petróleo, os custos ambientais e as pressões para descarbonização global têm reduzido a atratividade desses investimentos. Além disso, não geram a mesma quantidade de “empregos verdes” e sustentáveis como as energias renováveis.
Guilherme Grumser, CEO da Genial Solar, explica que um projeto de energia solar, por exemplo, gera impactos positivos na parte fundiária. Segundo ele, o proprietário da área em que a usina é instalada obtém mais vantagens financeiras destinando o espaço para a instalação de uma usina solar do que para a pecuária e agricultura, uma vez que o contrato de locação de 25 anos é bem mais vantajoso do que as demais opções.
Dados da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar) apontam que, desde 2012, o Brasil recebeu mais de R$ 184,3 bilhões em novos investimentos graças à fonte solar. Nesse período, foram gerados cerca de 1,1 milhão de empregos.
Preços
Antonio Tavares aponta vários estudos que mostram que a energia eólica é mais barata entre as fontes renováveis. “Ainda assim, o crescimento da energia solar fotovoltaica continua crescendo no país. Esse avanço pode ser atribuído às políticas governamentais planejadas e ao desenvolvimento de um sistema bem-sucedido de compensação de energia”, analisa.
Iniciativas como o Programa de Desenvolvimento da Geração de Energia Elétrica (ProGD), de 2015; o Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (Proinfa), de 2002; incentivos fiscais; o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e a Lei 14.300/2022 – que estabelece o marco legal para a micro e minigeração distribuída de energia elétrica, com o objetivo de incentivar a geração de energia por fontes renováveis de pequeno porte – foram algumas dessas ações governamentais.
Essas políticas visam não apenas aumentar a participação das energias renováveis na matriz energética brasileira, mas também estimular o desenvolvimento econômico, a criação de empregos e a redução das emissões de carbono.
Meio ambiente
Os especialistas são unânimes ao afirmar que os benefícios ambientais das energias renováveis são inquestionáveis. As energias solar e eólica não emitem gases de efeito estufa durante a operação, contribuindo significativamente para a redução das emissões de gás carbônico (CO2). Cícerto Bley lembra que, entre as fontes renováveis, há ainda a opção da energia da biomassa, a energia florestal que, segundo ele, é “negligenciada no Brasil”. Ela pode ser obtida por meio de resíduos de madeira, plantação de florestas destinadas a esse fim, resíduos florestais, entre outros.
Outra vantagem dessas fontes é a redução da dependência de recursos hídricos, crucial em tempos de crise hídrica que afetam a geração de energia hidrelétrica. “Com o aumento significativo da geração solar e eólica, a matriz hidráulica está sendo menos acionada e, com isso, temos menos exposição a períodos secos, que, em um passado recente, causaram um belo susto”, salienta Guilherme Grumser.
Já a exploração de combustíveis fósseis tem impactos ambientais severos, incluindo poluição atmosférica, contaminação de água e degradação de ecossistemas.
Políticas públicas
Embora os benefícios sejam claros, a transição para energias renováveis enfrenta desafios. A intermitência da energia solar e eólica requer investimentos em tecnologia de armazenamento e na modernização da infraestrutura de redes elétricas para garantir a estabilidade do fornecimento. Além disso, a adoção em larga escala dessas tecnologias depende de incentivos financeiros e políticas públicas eficazes.
Incentivos fiscais, linhas de crédito específicas e a desoneração de impostos sobre equipamentos de energia solar e eólica são iniciativas que estimulam um ambiente favorável para investimentos.
Antonio Tavares afirma que existem diversas medidas que ainda precisam ser adotadas para que o Brasil possa avançar na expansão das fontes energéticas renováveis. Entre elas, ele defende a criação de um modelo político atrativo a investimentos em diversificação da matriz energética; a busca por parceiros nacionais e internacionais; trabalhar com a comunidade internacional para estabelecer e aplicar efetivamente as normas ambientais relativas à geração de energia limpa e renovável.
No entanto, apesar do cenário favorável, existem barreiras regulatórias que ainda precisam ser superadas. A complexidade burocrática para a instalação de parques eólicos e solares, além da falta de uma política de longo prazo consistente, pode frear o crescimento do setor. A revisão dessas políticas e a criação de um marco regulatório mais favorável são essenciais para garantir a continuidade do crescimento das energias renováveis.