O projeto de lei proposto pelo senador italiano Roberto Menia para limitar o acesso à cidadania italiana por parte dos descendentes está tirando o sono de muitos brasileiros. Afinal, com aproximadamente 30 milhões de descendentes, o Brasil é o país com a maior população de origem italiana no mundo.
Continue a leitura para entender tudo sobre a proposta de mudança da lei italiana e porque você não deve se preocupar com ela.
Cidadania italiana
A cidadania italiana é um benefício que possibilita morar, trabalhar e residir em mais de 27 países da união europeia, acessar ao programa Working Holiday Visa, permitindo morar e trabalhar na Austrália e Nova Zelândia, se aposentar e votar na Itália, acessar mais de 192 destinos sem a necessidade de visto, além de entrar nos Estados Unidos, sendo o hacking da Henley & Partners.
É um direito que após adquirido não pode ser reivindicado, exceto se o meio de aquisição for fraudulento ou decisão voluntária de renunciar. Além disso, o fato de você ser brasileiro e reconhecer a cidadania italiana, não o faz perder a anterior ou vice e versa, quando se tratar de um direito de sangue.
Cidadania Ius sanguinis ou “direito de sangue”
O direito à cidadania italiana fundamenta-se no princípio do "jus sanguinis" (direito de sangue), o qual estabelece que a cidadania é automaticamente transmitida de pais italianos para seus descendentes, independente do local de nascimento. Tal transmissão de cidadania não exige ações específicas por parte do indivíduo, sendo conferida por nascimento e reconhecida pela legislação italiana desde a formação do Estado-nação italiano em 1861.
O Código Civil de 1865, primeira legislação significativa sobre cidadania após a unificação da Itália, estipulou que o filho de um cidadão italiano é automaticamente italiano. Esta premissa foi mantida e clarificada em legislações subsequentes, incluindo a Lei n.º 555 de 1912 e a Lei n.° 92 de 1991 , ambas no artigo primeiro, reiterando que a cidadania é um direito inato.
Ou seja, é um direito intrínseco à natureza humana, que tem como base a natureza de ter nascido para possuí-lo. Assim, o reconhecimento formal da cidadania, sendo ele pelo consulado, comune ou via judicial, consiste apenas na confirmação de um status pré-existente, não na concessão de um novo status.
De forma resumida, a cidadania italiana é adquirida automaticamente por descendência, independentemente de ações, residência ou conhecimento linguístico por parte do indivíduo, fundamentando-se na linhagem familiar e na legislação vigente no momento do nascimento.
Não existe na legislação italiana uma cláusula que estipule a cidadania como ilimitada em termos de gerações, o que parece ser um ponto de incompreensão para alguns políticos italianos, que tentam impor um limite de geração.
A cidadania italiana é transmitida de pai para filho, de modo que o reconhecido como italiano desde a unificação da Itália em 1861, ao ter um filho, transmitiu automaticamente a cidadania no ato do nascimento. Assim ocorreu sucessivamente nas gerações subsequentes, sempre respeitando a legislação, que estabelece como cidadão italiano por nascimento o filho de pai italiano.
Isso significa que a cidadania italiana é um direito de sangue, obtido automaticamente pelo nascimento. Ou seja, se você é descendente de italiano, independente da geração e respeitando o marco temporal estabelecido pela lei, de posse de toda documentação exigida para provar o vínculo, seu direito é assegurado desde o nascimento, ainda que o processo de reconhecimento formal não tenha sido iniciado.
Portanto, antes de analisar o projeto de lei proposto, devemos entender que a legislação não especifica a cidadania italiana como ilimitada por gerações. Esse esclarecimento facilita a compreensão de por que o projeto do senador não possui fundamentação sólida.
O que a nova proposta de lei estabelece?
O projeto do senador Roberto Menia, caracterizado por ser de assinatura única, evidencia que foi apresentado individualmente, sem o consenso de outros deputados ou senadores, refletindo um ponto de vista isolado.
O Disegno di Legge 752, submetido por Roberto Menia em 7 de junho de 2023, só começou a ser analisado em 30 de janeiro de 2024. Atualmente, o projeto está sob análise da comissão do Senado, permitindo o acompanhamento aqui.
Antes de discutir o projeto em detalhe, é crucial entender qual é o papel dos senadores e deputados na apresentação de projetos de lei, pois eles representam os interesses da sociedade. Qualquer tema pode ser objeto de um projeto de lei e a análise constitui uma etapa fundamental do processo, assegurando que todas as propostas sejam meticulosamente avaliadas.
A análise tem como função verificar a constitucionalidade do projeto, momento em que ocorrem votações para decidir se ele deve seguir ou não, sendo também possível realizar ajustes no texto.
O projeto de lei 752 visa, principalmente, reabrir por três anos o prazo para a declaração de reaquisição da cidadania italiana, conforme estipulado no artigo 17, parágrafo 1º, da lei nº 91 de 1992, cuja última prorrogação ocorreu em 1996.
O Disegno di Legge 752 propõe também a adição de um novo artigo (17.1) na mesma lei, reconhecendo o direito à cidadania italiana para descendentes diretos até o terceiro grau de cidadãos italianos, com a exigência de conhecimento da língua italiana no nível B1. Além disso, o projeto sugere alterações na lei nº 91 de 1992, incluindo requisitos de proficiência na língua italiana e residência na Itália por um ano para descendentes de italianos além do terceiro grau.
Uma crítica significativa ao projeto é que ele não aborda o artigo primeiro da lei atual de cidadania, nº 91/1992, tornando a estrutura de apresentação do projeto questionável. Além disso, exigir conhecimento do idioma ou residência na Itália para obter a cidadania é inconstitucional.
De acordo com a Constituição italiana, todos são iguais perante a lei. Portanto, diferenciar o direito de cidadania entre alguém nascido no exterior e alguém nascido na Itália violaria esse princípio de igualdade, além do limite de geração que já foi abordado no tópico anterior.
Por que você não precisa se preocupar?
O debate sobre mudança de lei, limitação ou restrição da cidadania italiana não é de hoje e a tendência é que, de fato, as regras de concessão sejam alteradas no longo prazo, mas é preciso ter em mente que no direito existe o "Lex mitior", um princípio que estabelece o seguinte: em caso de mudança na legislação, deve-se aplicar retroativamente a lei mais branda ou favorável ao indivíduo, especialmente em matéria penal.
Esse princípio garante a justiça e a equidade, permitindo que se uma nova lei oferecer uma punição mais leve ou condições mais favoráveis do que aquelas vigentes no momento da ação, a nova legislação será aplicada retroativamente, beneficiando o indivíduo.
Com base nisso, o direito de nascimento é garantido até os dias atuais, já que a última lei de cidadania de 1992 não foi revogada ou modificada até a data deste artigo. Sendo assim, todos que nasceram até aqui têm seus direitos garantidos.
Usemos como exemplo o caso abaixo:
Se você é bisneto de italiano, nasceu em 1970, seu pai em 1930 e seu bisavô em 1890, mesmo que você queira reconhecer sua cidadania italiana em 2024, a lei aplicável ao seu pedido é a de 1912 e não a de 1992, porque para a Itália o que importa é a data do nascimento. Portanto, todos têm o direito garantido, cada um com base na lei vigente na época do nascimento.
Portanto, se a lei mudar, será aplicada a partir da data da entrada em vigor para frente, sem prejudicar quem já teve o direito garantido, ou seja, quem realmente será afetado pela nova lei será quem ainda não nasceu.
Se o projeto de lei for aprovado, você não será afetado porque seu direito foi garantido pela lei em vigor no momento do seu nascimento. Ou seja, caso a nova lei limite o direito à cidadania até a terceira geração, apenas aqueles nascidos após a sua promulgação precisarão cumprir as novas regras, as quais já compreendemos serem inconstitucionais e, por isso, ainda deverão gerar novas discussões e provavelmente inviabilizarão sua aprovação.
Para finalizar com outro exemplo, vamos considerar que a proposta de mudança da lei seja aprovada. Como ficaria?
Supondo que você é bisneto de um italiano, ou seja, pertence à terceira geração e seu filho é trisneto ou tataraneto (quarta geração). Nesse caso, para que seu filho tenha o direito à cidadania italiana reconhecido, você precisaria completar seu processo de reconhecimento primeiro, ou ele teria que cumprir os requisitos de residir na Itália e falar italiano.
Por isso, fique tranquilo, você não será afetado caso o projeto de mudança da lei seja aprovado. Além disso, ainda há muito a ser debatido sobre o assunto.
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