Atravessar o ano de 1985 sem ouvir o refrão de We Are The World foi uma tarefa impossível para qualquer ser vivente. No Brasil, era até mais comum ouvir as pessoas nas ruas cantarolando versões alternativas, como a que dizia “me arde o olho, me arde o ouvido...”, só para citar uma paródia popular. A canção beneficente, destinada a arrecadar fundos para combater a fome no continente africano, foi onipresente e até inspirou outras iniciativas similares (por aqui, no mesmo ano, tivemos Chega de Mágoa, na qual figurões da MPB pediam atenção para a situação do Nordeste). Portanto, um documentário sobre uma música tão emblemática vem bem a calhar, ainda que ninguém mereça ouvir seus versos chorosos mais uma vez.
Grande estreia da semana na Netflix, A Noite que Mudou o Pop, cumpre o papel de detalhar como We Are The World nasceu, foi gravada e repercutiu, tornando-se um marco das lutas dos artistas para diminuir o sofrimento ao redor do mundo. O Reino Unido havia saído na frente no ano anterior com a faixa coletiva natalina Do They Know It’s Christmas?, propulsora do espetáculo ao vivo Live Aid, em 1985. We Are The World deveria ser a contribuição dos músicos negros americanos para aplacar a fome na Etiópia e cercanias, mas artistas brancos de ponta foram convidados para o projeto e acharam que valia a pena participar, mesmo que ninguém tivesse certeza de que o resultado final estaria no nível dos talentos reunidos.
O documentário começa a interessar logo nos primeiros minutos, ao contar como Michael Jackson e Lionel Richie compuseram a canção. Jackson, que vinha do estouro do álbum Thriller, estava em sua fase “pet descontrol” e levava seu macaco, sua cobra e outros animais para o desenvolvimento da canção. Richie, que por sua vez tinha estourado com a balada Hello, foi a mente sã no processo, além de ter sido crucial para arregimentar as grandes vozes para o dia da gravação. Stevie Wonder deveria ter colaborado na criação também, mas We Are The World ficou pronta antes dele adicionar algo. No dia de registrar a faixa, Wonder foi capaz tanto de instaurar o caos como de resolver um grande pepino interno. Primeiramente, ele atrasou a gravação insistindo em colocar um verso em suaíli na letra. Depois, com sua alta musicalidade, foi fundamental para encontrar um caminho para um nervoso e inseguro Bob Dylan solar na música.
Egos fora do estúdio
A perspicácia do produtor Quincy Jones para comandar aquela turma de figurões do pop americano é bastante ressaltada pelo doc. O maestro teve a sagacidade de colocar um cartaz pedindo para que os envolvidos deixassem seu ego fora do estúdio de gravação na fatídica madrugada do registro. Mesmo com algumas tensões, ele conseguiu conduzir a trupe com denodo e deixou o local (às 8 da manhã) impressionado com a qualidade vocal dos canários brancos – ali estavam, representando o rock e a country music, Bruce Springsteen, Cyndi Lauper, Willie Nelson, Paul Simon, entre outros.
O filme chega a revelar que Al Jarreau ficou altinho de vinho ao longo da gravação, o que atrapalhou o momento de seu solo. E que a cantora e baterista Sheila E. só estava sendo paparicada porque a turma queria que Prince, seu parceiro musical, participasse daquele grande momento. Prince chegou a oferecer um solo de guitarra, a ser gravado numa cabine isolada, mas os organizadores não queriam dar privilégio a ninguém. Ou o músico entrava naquele esforço coletivo ou nem precisava dar as caras.
We Are The World movimentou cifras estratosféricas, que de fato ajudaram a suavizar a trágica situação etíope, e sua gravação certamente foi a última vez que tantas estrelas dividiram o mesmo estúdio. Gênios como Ray Charles e Tina Turner já nem estão mais aqui para contar a história. Mas os selecionados por A Noite que Mudou o Pop dão conta de recuperar os melhores causos e passar para o espectador o que deve ter sido aquela madrugada em que todos estiveram reunidos sob o mesmo teto. Segundo os relatos, Diana Ross começou a chorar quando o último take foi registrado. Ela não queria que aquele sonho acabasse, tanto que usou sua partitura para colher autógrafos dos artistas presentes. Esse tipo de lembrança vale o esforço de ouvir mais uma vez trechos da melosa composição de Michael Jackson e Lionel Richie.
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