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Na década de 1980, mesmo com um forte clamor para que voltassem as eleições diretas para presidente, ouvia-se aqui e acolá aquele papo de que brasileiro não sabia votar. Ou, no mínimo, estava desacostumado. O Ultraje a Rigor até cunhou o verso “a gente não sabemos escolher presidente” em seu hit Inútil. Então veio 1989 e o povo recebeu uma cédula com 22 opções de candidatos. Quem foi para o segundo turno comprovou o que Roger cantava.
Em Caçador de Marajás, minissérie documental em sete capítulos lançada pelo Globoplay, é possível recapitular e saborear os bastidores da ascensão e queda de Fernando Affonso Collor de Mello, o azarão das Alagoas, que foi o primeiro presidente eleito pelo voto direto após o regime militar. O trabalho dirigido por Charly Braun é extenso, detalhista, mas mesmo assim não dá conta de todo o surrealismo vivido no país durante os anos “colloridos”.
Um exemplo: mesmo fazendo uso de sucessos musicais do período nos sete episódios, alguns um pouco deslocados (usar RPM na década de 90 é errado), a série não se aprofunda no racha cultural promovido pela chegada de Collor ao Planalto, dando sua bênção à música sertaneja, que antes não fazia parte do mainstream. No máximo, há uma cena do presidente ao lado de Chitãozinho & Xororó numa gravação do Sabadão Sertanejo. E há o relato de que na campanha de Lula quase todos os artistas do país cantavam o jingle de Lula no horário político, enquanto Collor só contava com o apoio do então casal Claudia Raia e Alexandre Frota e mais um ou outro gato pingado de renome.
A morte do tesoureiro PC Farias também não é explorada em Caçador de Marajás. A série termina antes, com a votação do impeachment do presidente. Mas as origens de Collor e os principais rolos em que ele se meteu até sua eleição estão perfeitamente documentados no lançamento do Globoplay. O primeiro episódio situa bem o espectador com relação ao entorno familiar do futuro presidente. No segundo, o foco é em sua carreira como prefeito, deputado federal e governador, de onde veio a fama de que ele caçava funcionários públicos com altos salários, o que o cacifou para o voo mais alto de sua trajetória política.
Pra que Gilmar Mendes?
O terceiro capítulo talvez seja o mais saboroso do pacote, pois adentra a sucessão de 1989, com todos os seus debates acalorados (sendo que Collor não foi a nenhum do primeiro turno), sujeiras de campanha, candidatos nanicos, Silvio Santos caindo de paraquedas na disputa, Brizola sendo ultrapassado por Lula... Até o apertado resultado final, muito influenciado pelo último debate da Globo. A série desmistifica um pouco a história de que o resumo do confronto no Jornal Nacional foi tendencioso. Collor arrasou Lula no combate final, não havia como contar o que houve naquela noite de outra forma.
Vários jornalistas e personalidades da vida brasileira ajudam a relembrar como tudo se deu naqueles loucos anos. A única presença injustificável em Caçador de Marajás é a de Gilmar Mendes. Além de suas duas falas não contribuírem para nada na série, é constrangedor ver um ministro do STF, que deveria se ater à sua função, pavoneando em um produto audiovisual. Os profissionais da imprensa, sim, merecem o destaque. Afinal, essa também é uma história da força de nossos veículos, especialmente da outrora poderosa revista Veja, fundamental para espalhar a alcunha de Collor nacionalmente e também para derrubá-lo da cadeira de presidente com sua bombástica entrevista de capa com Pedro Collor.

Do quarto capítulo até o sétimo, Caçador de Marajás trata do governo em si. Começando pela política econômica desastrada de Zélia Cardoso de Mello, passando pela relação conturbada do presidente com a primeira-dama Rosane (com seus rituais de magia negra), chegando ao enredo de corrupção disparado pelo irmão Pedro, cujo ponto fulcral era PC Farias. A série não se furta em reconhecer que o governo Collor teve uma gestão ambiental excelente e tentou promover uma revolução no ensino básico com escolas de tempo integral bem equipadas. Mas o mau humor causado pelo pacote de Zélia no dia um só findaria com o expurgo do mandatário.
O grande esforço de Caçador de Marajás é em reconstruir e investigar o rompimento dos irmãos Fernando e Pedro, que foi o que colocou o governo abaixo no fim das contas e segue com áreas nebulosas. Muitas versões são ouvidas, incluindo a da viúva de Pedro, Tereza Collor. Fica faltando uma entrevista com o próprio Collor, que no momento está em prisão domiciliar. A impressão que fica é que os dois eram playboys mulherengos (eventualmente estimulados por drogas ilícitas) que num dado momento mobilizaram o país com suas picuinhas. O tom de chanchada é reforçado na série pelo ótimo uso de esquetes da TV Pirata e do Casseta & Planeta fazendo comentários sobre as notícias de ocasião. Dar risada era o que restava aos brasileiros.
- Caçador de Marajás
- 2025
- 7 episódios
- Indicado para maiores de 12 anos
- Disponível no Globoplay
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