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“Casa de Davi” e a difícil tarefa de adaptar histórias bíblicas para a TV

A série "Casa de Davi" (House of David) é um drama histórico cristão, concebido, co-dirigido e co-escrito pelo cineasta Jon Erwin
"Casa de Davi" (House of David) é uma série de drama histórico cristão produzida pelo Prime Video (Foto: Divulgação/Amazon MGM Studios Lionsgate)

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Desde o seu anúncio pelo Amazon Prime Video, Casa de Davi despertou grande expectativa entre os admiradores de narrativas bíblicas e produções históricas. Com cinco episódios já lançados, a proposta de retratar a ascensão de Davi — de humilde pastor a rei de Israel — parecia promissora. Contudo, a série apresenta inconsistências que comprometem sua fidelidade à fonte original.

O drama tem início com a icônica batalha entre Davi e Golias, antecipando ao público a centralidade do protagonista na narrativa. Mesmo aqueles que nunca tiveram contato direto com o texto religioso reconhecem a expressão “Davi contra Golias”, associada à vitória improvável de um jovem sobre um gigante aparentemente invencível.

Na sequência, a série contrasta as realidades de Davi e Saul. O jovem pastor, submisso ao pai e dedicado ao rebanho, entoa salmos que a tradição lhe atribui. Enquanto isso, Saul, o rei em exercício, governa com opulência e superficialidade, atitudes que desagradam a Deus. Diante disso, o profeta Samuel recebe uma revelação divina determinando a substituição do rei por alguém que lhe seja mais fiel. Assim, Davi é ungido como o escolhido do Altíssimo.

Adaptação ou reinterpretação?

Logo de início, questiona-se a abordagem teológica. Apesar de se apresentar como uma produção cristã e contar com a consultoria de Dallas Jenkins (The Chosen), a série insere mensagens que podem ser interpretadas como relativistas. Em determinada cena, a rainha afirma que "a verdade pode ser encontrada em vários lugares", sugerindo um sincretismo que contraria a perspectiva bíblica.

Porém, a principal controvérsia da produção reside no excesso de liberdades criativas, que não apenas extrapolam o texto bíblico, mas também distorcem sua essência. O Davi descrito nas Escrituras é ruivo, enquanto a série o retrata como moreno. Além disso, não há qualquer indício de que ele tenha sido um filho bastardo, mas essa narrativa é insistentemente reforçada. Como figura religiosa e prefiguração de Cristo, sua trajetória deveria conter referências mais evidentes a essa simbologia — algo que a adaptação ignora por completo. Davi discute com seu pai e denota uma desobediência pouco verossímil para o período histórico.

Personagens secundários também são prejudicados por um desenvolvimento superficial. Jônatas, cuja amizade com Davi é um dos elementos mais marcantes do relato bíblico, tem suas interações reduzidas a momentos rasos, diluindo o impacto emocional de sua morte. A série também sofre com problemas de ritmo: os episódios iniciais, focados na juventude de Davi, se arrastam desnecessariamente, com cenas contemplativas prolongadas que poderiam ser mais dinâmicas. A transição para sua ascensão na corte de Saul é igualmente morosa, marcada por diálogos frívolos e até mesmo inadequados para uma proposta cristã.

Direção de arte primorosa

Apesar das falhas, a série se destaca pela qualidade técnica. A direção de arte, os figurinos e a cenografia recriam com esmero a ambientação da antiga Israel. A fidelidade ao período histórico se reflete nas vestimentas, que variam das túnicas simples dos pastores aos trajes suntuosos da corte de Saul. As locações também contribuem para a imersão, com cenários que transitam entre vastas paisagens e os corredores sombrios dos palácios.

As sequências de batalha merecem destaque, especialmente o confronto entre Davi e Golias. Diferente de outras adaptações que minimizam a tensão do embate, a produção opta por um duelo prolongado e realista, evidenciando tanto a força de Golias quanto a astúcia de Davi.

O compromisso com a verossimilhança também se reflete nas atuações. Michael Iskander interpreta um Davi multifacetado, que evolui de um jovem idealista e até ingênuo para um líder ambicioso por sua missão divina. Sua transformação é gradativa e bem construída.

Já Ali Suliman interpreta Saul com intensidade, mostrando um monarca consumido pela paranoia, pelo orgulho e pela perda do favor divino, sem se limitar a um mero tirano invejoso. Sua cena consultando a feiticeira é um perfeito exemplo de sua decadência.

série "Casa de Davi" (House of David) é um drama histórico cristão, concebido, co-dirigido e co-escrito pelo cineasta Jon Erwin para o Amazon Prime Video.Davi (Michael Iskander) ungido por Samuel (Stephen Lang) na série "Casa de Davi" (Foto: Divulgação/ The WONDER Project Nomadic Pictures Argonauts Kingdom Story Company Amazon MGM Studios Lionsgate Television)

Em conclusão, Casa de Davi é uma produção visualmente grandiosa, com atuações consistentes e muitos momentos de suspense. No entanto, suas liberdades criativas comprometem tanto a fidelidade histórica quanto a bíblica, e a narrativa sofre com problemas de ritmo e diálogos pouco edificantes. Para quem busca uma abordagem mais moderna e dramatizada da história de Davi, a série promete ser envolvente. Porém, aqueles que esperam uma representação mais fiel às Escrituras têm razões para se frustrar.

Até o quinto episódio, a obra apresenta momentos marcantes, sobretudo ao retratar a ascensão e queda do primeiro rei de Israel. Saul, dominado pelo orgulho e pela desobediência, perde o trono para Davi, um líder humilde e fiel a Deus. No entanto, à medida que o novo monarca consolida seu reinado e acumula esposas, a adaptação enfrentará um grande desafio: como retratar essa realidade histórica sem fazer referência ao Evangelho e, ao mesmo tempo, preservar a coerência com os valores cristãos? Resta acompanhar se os próximos episódios conseguirão encontrar esse equilíbrio.

  • Casa de Davi
  • 2025
  • 8 episódios
  • Indicado para maiores de 16 anos
  • Disponível no Prime Video

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