O novo filme do diretor Jeff Nichols, Clube dos Vândalos, que acaba de chegar aos cinemas brasileiros, vai além do que seria apenas mais uma investida no subgênero “amigos dando rolê”, que tem suas raízes em clássicos como Onde Começa o Inferno. Com um elenco poderoso, atenção meticulosa aos detalhes e uma cinematografia impressionante, o filme captura e revitaliza a iconografia de uma época passada sem menosprezar os homens que a definiram.
Baseado no livro The Bikeriders, publicado em 1968 pelo fotojornalista Danny Lyon, a produção narra a história dos Vândalos, um clube de motociclistas do meio-oeste dos Estados Unidos liderado por Johnny (Tom Hardy, lembrando-nos por que ele é um dos melhores atores de sua geração) e Benny (Austin Butler, exalando o carisma dos deuses do cinema).
Esta história sobre homens é contada sob o olhar da esposa de Benny, Kathy (Jodie Comer, apresentando um dos melhores trabalhos com sotaque britânico dos últimos tempos), por meio de uma série de entrevistas concedidas ao próprio Lyon (no filme, representado por Mike Faist). A escolha narrativa intrigante enriquece Clube dos Vândalos por meio de sua honestidade. Kathy ama o marido, mas também consegue enxergar as bravatas dele e dos amigos.
Outros filmes contemporâneos podem aproveitar dessa oportunidade para examinar as personalidades dos Vândalos através das rudes lentes modernas, mas o diretor prefere retratá-los sob a ótica de personagens mais moderados. A escolha de Hardy para o elenco é um golpe de mestre. Esperamos que o ator que interpretou Bane em Batman - O Cavaleiro das Trevas Ressurge seja um homem endurecido pelas batalhas, mas é a representação das vulnerabilidades do personagem que eleva seu desempenho.
Um momento revelador ocorre quando descobrimos que Johnny foi inspirado a iniciar o clube de motociclistas depois de assistir ao filme O Selvagem em sua casa no subúrbio norte-americano, onde mora com a esposa e filhos. No entanto, Clube dos Vândalos não o retrata como uma fraude; Johnny frequentemente exibe verdadeira fortaleza física e moral. O filme é franco ao dizer que ninguém é perpetuamente tão durão ou legal como Johnny Strabler, vivido por Marlon Brando no longa-metragem de 1953. Essa franqueza é uma prova do roteiro de Nichols.
A presença musculosa de Hardy é justaposta à do enigmático Benny, interpretado por Butler, cuja aparência saudável desmente sua resistência. Talvez o membro mais admirável do clube, Benny não transmite sua coragem por meio do diálogo, mas pelas ações – Butler, como o ator Steve McQueen em seu auge, tem poucas falas no filme.
Códigos de honra
Alguns críticos argumentam que o longa-metragem tem um roteiro fraco e pouco a dizer. Embora seja verdade que o filme prioriza o estilo e evita palestras tediosas sobre masculinidade e o declínio do capital social e da América do século passado, Clube dos Vândalos não é superficial.
Sim, a cena em que Benny foge da polícia em uma perseguição de motocicleta é emocionante, mas descobrimos mesmo que ele é um “bambambã” quando, apesar de estar sozinho e não ter nada a provar, se recusa a tirar a jaqueta de motociclista depois que alguns caras o confrontam em um bar local. Sua revolta silenciosa fala por si, destacando um tema-chave. Como os filmes elegantes de Jean-Pierre Melville, Clube dos Vândalos está interessado nos códigos de honra entre homens aparentemente desonrosos.
O filme explora como essas regras tácitas evoluem. À medida que os tempos mudam, Johnny quer que Benny o suceda, valorizando a integridade de um jovem com uma alma velha. O problema é que Benny não se considera um líder. Essa tensão configura um dos conflitos centrais do filme, deixando-nos mais perguntas instigantes do que respostas fáceis.
Ciclo sem fim
Aqueles que procuram mais profundidade podem descobrir que o filme incita uma análise fascinante do poder do cinema para projetar, criar e reforçar a cultura através do simbolismo e de ciclos de feedback. Como Clube dos Vândalos deixa claro, a cultura da motocicleta é tanto uma criação de Hollywood quanto algo orgânico nos Estados Unidos. Após a Segunda Guerra Mundial, clubes de motociclistas surgiram nos subúrbios de todo o país, inspirando uma onda de imagens que deram vida a esses grupos na tela grande.
Os membros desses clubes, assim como os jovens que cresceram assistindo a esses filmes, começaram a imitar o que viam, da mesma forma que os mafiosos admiravam os Corleones do O Poderoso Chefão. Filmes ainda mais antigos, como Os Anjos Selvagens, de Roger Corman, já refletiam essa imitação, enquanto a cultura mais ampla mudava. O público internalizaria então essas novas representações, criando um ciclo de reforço cultural que se perpetuou. Claro, há uma diferença entre caras como Benny, que se juntaram a esses clubes pela camaradagem, e aqueles que foram atraídos pela representação hollywoodiana do submundo com jaquetas de couro pretas.
O Clube dos Vândalos encapsula esse fenômeno. Não apenas cria seu próprio ciclo de feedback ao apresentar as entrevistas de Kathy, que resultaram no livro que inspirou o filme, mas também ao trazer as inspirações de O Selvagem e Sem Destino (1969), com o topete de Butler que encarnou Elvis, a quem ele interpretou em 2022 – uma homenagem cultural completa preparada durante décadas.
Contudo, o longa não é apenas um observador passivo. Demonstra claramente que, quando associados à ausência de virtude, tais ciclos midiáticos podem corroer os valores culturais – tal como as fotocópias das fotocópias distorcem as imagens originais. O filme ilustra isso por meio de contrastes, em vez de pedantismo, como o tratamento diferenciado dispensado às mulheres pelos vândalos originais e mais recentes.
Além dessas entrelinhas, Clube dos Vândalos se destaca por oferecer puro entretenimento. Inspirado em Os Bons Companheiros e tendo o fotojornalismo como base, sua estética tem vida própria, como se fosse um personagem tão importante quantos os outros na trama, alimentada pelo tipo de cinematografia arrebatadora que transforma jovens atores em lendas do cinema.
As imagens poderosas são complementadas pelo que pode-se considerar, de longe, a melhor trilha sonora do ano, apresentando uma coleção notável de sucessos de jukebox e uma deliciosa escolha musical de Muddy Waters. O resultado é um filme atemporal que, assim como as estradas que captura tão lindamente, concede ao público a liberdade de refletir sobre temas mais profundos - ou simplesmente saborear duas horas de imersão em uma cápsula do tempo cinematográfica.
E talvez o mais importante seja que, em vez de detonar a imagem do que nossos avôs e seus companheiros faziam, o filme dá graça a ela, poupando-nos do mais superficial propulsor de autoestima dos dias de hoje: o senso de superioridade em relação às gerações sobre cujos ombros estamos. Clube dos Vândalos apresenta uma cultura americana pura e sem remorso. Acelere os motores e aproveite o passeio.
© 2024 National Review. Publicado com permissão. Original em inglês.
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