Quem já teve o mínimo de contato com a culinária coreana certamente sabe o que é kimchi. Os vegetais em salmoura fermentados e apimentados são a porta de entrada de uma gastronomia que, assim como o k-pop, o cinema, a telefonia e os automóveis do Tigre Asiático, espalhou-se como febre pelos quatro cantos do planeta nos últimos anos. Não por acaso, na última quarta-feira (22), várias capitais do mundo celebraram o Dia do Kimchi. São Paulo, que todo ano participa da data com suas dezenas de restaurantes coreanos, está citada no documentário da Netflix que destrincha a conserva picante.
Dividido em duas partes, Coreia: o País do Kimchi reúne um cartunista (Huh Young-man), um ator (Ryu Soo-young) e uma cantora (Mimi) numa jornada por vários rincões da Coreia do Sul. Eles não apenas consomem como aprendem a produzir o kimchi em sua forma tradicional, a partir da acelga chinesa. As explorações do trio de artistas locais chegam a vilarejos que produzem tipos menos conhecidos desse superalimento, feitos com pepino, rabanete e até uma versão sem pimenta, capaz de causar surpresa em experientes apreciadores da boa mesa coreana.
As imagens em zoom das folhas de acelga e as panorâmicas dos povoados são deslumbrantes, com uma edição de imagens que foge da linguagem convencional de documentários focados em comida. Chamam a atenção as cenas de monges budistas preparando kimchi com hortaliças colhidas nas montanhas onde residem. Em dado momento, a conserva de acelga é misturada a frutas maduras, numa combinação inovadora até para quem vive na Coreia do Sul. Em outra passagem, o trio devora um mix de kimchi com um peixe chamado sável de moela, passado cru por uma máquina que se assemelha a um triturador de papel. É fascinante.
Por se tratar de um alimento suculento e potente em sabor, o kimchi preenche a tela causando farta salivação no espectador familiarizado com suas características. O documentário também aborda suas propriedades alimentícias, hoje reconhecidas e exaltadas amplamente. Com seus probióticos advindos da fermentação, o kimchi é um bálsamo para o sistema digestivo e ainda conta com a pimenta para acelerar o metabolismo. Os anfitriões do documentário são superlativos ao enfatizar a relação da Coreia com esse estandarte da culinária local, numa devoção tão imensa que Ryu Soo-young chega a relacionar kimchi com a palavra “mãe”.
Companhia dos fermentados
O desfecho se dá num rebuscado bar de vinhos de Seul, em que o trio é convidado a harmonizar as conservas com variações da bebida. Inicialmente, eles duvidam que haverá conversa entre algo tão basilar quanto o kimchi e uma bebida que sugere refinamento (o mais comum é parear kimchi com o makgeolli, bebida leitosa de arroz). Mas a fermentação de ambos os produtos faz a mágica acontecer e sugere que, num futuro próximo, empreendimentos com essa pegada podem se tornar mais comuns.
No Brasil, além de consumirmos tudo que a Coreia do Sul tem de pop, seguindo a tendência dos demais países do mundo livre, ainda vemos fenômenos forjados na comunidade de imigrantes furando a bolha e ampliando o culto às “coreanices”. Uma das personalidades da internet que mais se destacou em 2023 foi Priscila Ju, influenciadora digital que fez fama provando alimentos em Seul e também no bairro paulistano do Bom Retiro, onde mora. O streamer Casimiro Miguel, da CazéTV, assiste e comenta todos os vídeos de Priscila, que aparece degustando kimchi recorrentemente. Mesmo sem nunca ter provado, Casimiro já está familiarizado com aquela verdura avermelhada que a influencer mastiga a toda hora.
Coreia: o País do Kimchi tem a função de dar mais contexto para um alimento que, cedo ou tarde, impactará sua vida, caso já não tenha impactado. Se o seu celular é da Samsung, o carro de aplicativo que te busca é da Hyundai, o som na academia de ginástica é BTS e a sessão de cinema em sua casa pode ser com O Parasita ou um “dorama” da Netflix, nada mais natural do que o kimchi virar seu petisco de preferência em algum momento.
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