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A indicada ao Oscar Danielle Brooks vive Sofia, papel que foi de Oprah Winfrey no “A Cor Púrpura” original
A indicada ao Oscar Danielle Brooks vive Sofia, papel que foi de Oprah Winfrey no “A Cor Púrpura” original| Foto: Warner Bros./Divulgação

A canção das mulheres furiosas, Hell, No!, na nova adaptação cinematográfica-musical de A Cor Púrpura, em cartaz nos cinemas brasileiros desde a semana passada, busca uma resposta hostil dos espectadores, algo diferente de qualquer coisa do romance epistolar original de Alice Walker ou do maravilhoso filme clássico de 1985, de Steven Spielberg. Esta nova versão de A Cor Púrpura foi produzida por Oprah Winfrey de acordo com o oportunismo do Black Lives Matter e do feminismo vingativo do #MeToo.

Oprah fugiu completamente do conto popular de Celie, da irmandade de Walker. Uma pobre adolescente negra na Geórgia de 1909, Celie é estuprada por seu pai e depois dá à luz a dois filhos que são tirados dela, o mesmo tempo em que é contratada por um homem abusivo. Ela então é separada de sua querida irmã, Nettie. Spielberg trouxe à tona as qualidades Dickensianas da história desta sobrevivente, preservando sutilmente a afirmação de Walker sobre o empoderamento feminino: a subtrama lésbica na qual Celie encontra confiança por meio das atenções amorosas de uma cantora de blues, Shug Avery. Foi um avanço tão grande que o filme conquistou o público fora de Hollywood e da academia feminista, apesar de sua rejeição por parte dos críticos mais entendidos.

Resenhas extremamente positivas desta nova versão, baseada na recauchutagem musical de Oprah na Broadway em 2004, enfatizam os créditos raciais e de gênero de seu elenco e equipe. Essa é a divisão implícita em Hell, No! – a música mais empolgante do show mediano. Cantada pela corpulenta personagem Sofia (papel de Oprah em 1985, agora encarnado pela Taystee de Orange Is the New Black, Danielle Brooks, que recebeu indicação ao Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante), a canção não apenas confronta a autoridade masculina e a violência doméstica, mas seu refrão repetitivo rejeita o tradicional companheirismo homem-mulher.

Esse foco narrativo grosseiro viola o perdão e a união familiar que deram calor ao filme de Spielberg – e o tornaram popular. A reformulação musical de A Cor Púrpura de Oprah é essencialmente desafinada e desagradável. Foi dirigida pelo inexperiente cineasta nigeriano Blitz Bazawule, escrito grosseiramente por Marcus Gardley e interpretado por um elenco de atores de segunda categoria, como se em desconfiança consciente e em desafio ao filme de Spielberg que agrada ao público, como se fosse um monumento às conquistas dos brancos que precisava ser demolido. Bazawule e Gardley favorecem a misandria punitiva que atinge os homens negros e que recentemente livrou a América de proeminentes figuras culturais negras de outrora, como Bill Cosby e R. Kelly, tornando o matriarcado negro dominante, como nos filmes Pantera Negra: Wakanda Para Sempre e A Mulher ReiHell, No! afirma a amargura que sempre esteve logo abaixo da superfície do feminismo despótico e da astuta perseguição racial de Oprah.

Exageros históricos

Este remake desnecessário de A Cor Púrpura parece adicionalmente motivado pelo ímpeto do Black Lives Matter de desmantelar a unidade familiar e desintegrar a cultura. (As cenas que se passam em juke joints, pequenos estabelecimentos com música, coloca homens negros irresponsáveis contra mulheres negras trabalhadoras.) Visualmente inexpressiva, essa versão carece do potencial musical de aprimoramento emocional (em oposição ao impacto no filme de Spielberg das imagens exuberantes de Allen Daviau, que os racistas dos anos 80 chamaram de “Disneyficado”). Na versão de Bazawule, todos os pontos sobre a subjugação negra e feminina tornam-se demasiado óbvios, ao estilo dos lamentos dos millennials.

Esses menestréis cantores e dançarinos não são mais realistas do que os personagens de Spielberg. São exageros históricos. Meninas negras são apresentadas descansando em galhos de árvores, como as feministas simbólicas em Retrato de uma Mulher, dirigido por Jane Campion. Elas usam longos vestidos brancos como as mulheres Gullah em Filhas do Pó. Os negros rurais vivem em casas gigantescas, frequentam enormes edifícios de igrejas onde celebrações gospel excessivamente coreografadas rivalizam com os bacanais cartunescos dos Os Irmãos Cara-de-Pau. Prisioneiros listrados cantam uma canção de gangue, batendo marretas na terra sem trilhos de trem. E a saída bissexual de Celie e Shug (vivdas pelas atrizes Fantasia Barrino e Taraji P. Henson) é flagrante, em vez de convincente e compassiva.

A ofensa final vem da aparente ignorância de Bazawule e Gardley sobre a cultura negra americana na era pós-Guerra Civil. Eles substituem a discreta sensibilidade sexual de Spielberg pela escandalosa. Um ridículo número de dança em preto e branco mostra as mulheres indo a um encontro no cinema, onde elas se fantasiam como figuras de Fred Astaire-Ginger Rogers girando em cima de um disco de gramofone gigante, no estilo Busby Berkeley – corrigindo a negligência da Velha Hollywood, mas ignorando a infatigável energia bruta dos filmes raciais da época. Mais grosseiramente, Push the Button, interpretada por Taraji P. Henson, bate e mói a relação sáfica sem intimidade emocional, apoiada por um coral em câmera lenta roubado de Air Erotica, de Bob Fosse, em All That Jazz.

Oprah, a charlatã cultural

Os truques iconoclastas de Bazawule, Gardley e Oprah os impedem de apreciar como Spielberg reaproveitou os tropos de Hollywood para atualizar e iluminar uma história negra épica como parte da saga americana. Eu poderia preencher um segundo volume de “Make Spielberg Great Again”, detalhando como Oprah não consegue justificar A Cor Púrpura como cinema negro. Esse filme insulta a ideia da cultura americana ao prescrever a incompetência cinematográfica segregada e baseada na raça. A participação de Spielberg neste estratagema sugere a tentativa de um liberal branco cheio de culpa de se apagar “para um bem maior”, mas isso exigiria que Oprah e o seu exército negro igualassem ou melhorassem a visão imaginativa e comovente de Spielberg. (Perdeu o Oscar em 1986 para o agora esquecido romance colonialista Entre Dois Amores.)

Em 1985, quando o filme de Spielberg gerou polêmica por causa de sua ousadia radical, o grande dissidente Melvin Van Peebles defendeu o talento artístico de Spielberg, dizendo: “Eu só queria ter dirigido o filme tão bem quanto ele”. Agora, essa pálida A Cor Púrpura resume a escassez artística de uma época em que uma charlatã cultural como Oprah usa a raça e a astúcia feminista para nos enganar nas realizações mais criativas da América.

© 2024 National Review. Publicado com permissão. Original em inglês.

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