O filósofo Friedrich Nietzsche afirmou em Sobre a Verdade e a Mentira no sentido Extra-Moral que a verdade como ideia nada mais é do que um “batalhão móvel de metáforas, metonímias, antropomorfismos, enfim, uma soma de relações humanas”. Essa teoria do alemão é contestável, mas reforça como a busca por uma única visão de mundo para todos oferece um problema filosófico que persegue o homem desde que aprendeu a pensar. Por isso, recomenda-se cuidado ao assistir à nova temporada de Face Oculta, série da Brasil Paralelo que promete trazer informações bombásticas sobre personalidades da história.
Não que o lançamento seja ruim. Pelo contrário, o produto é muito bem realizado. Com brevidade, seus episódios referenciam jornais, livros e influenciadores sérios para oferecer um resumo bastante completo de quem está sendo analisado. O apresentador, César Almir, faz uma narração estilosa, quase como um radialista das antigas, e é muito bem apoiado por material audiovisual rico e cuidadosamente selecionado. A grande questão é que nenhuma das verdades propostas são totalmente inéditas (ou até, em casos mais extremos, comprováveis).
Basta dar uma olhada nos capítulos sobre personagens que ainda estão na ativa, como Joe Biden, Donald Trump, Hillary e Bill Clinton. Na oferta sobre o atual presidente dos Estados Unidos, Face Oculta usa de suposições do jornalista Bill O'Reilly para apontar quem verdadeiramente chefia a Casa Branca – apesar de o comentarista político ser uma referência no conservadorismo, O'Reilly não traz comprovação alguma do que levanta nesse caso.
O episódio também traz à tona a história de Hunter Biden, filho do presidente Joe que é viciado em crack e vendeu um notebook com informações que levaram o pai a ser acusado de tráfico de influência. Isso é grande, porém nenhuma novidade para quem acompanha o noticiário internacional com afinco, possível ponto de decepção para os que esperam algo realmente “oculto”, como vende o nome da série.
O elixir do chinês
No caso de personagens que já morreram, como Mao Tsé-Tung, Chico Mendes, Oscar Niemeyer e até o pensador Jean-Jacques Rousseau, os episódios são mais fortes e oferecem detalhes que nem sempre são abordados em trabalhos documentais modernos. Sobre Mao, por exemplo, Almir apresenta (baseado em um livro) como o revolucionário chinês gostava de manter relações sexuais com mulheres jovens e fragilizadas para sentir-se mais novo.
Já quando fala de Niemeyer, revela como o projeto de Brasília pode ter sido inspirado em modelos soviéticos (algo que não seria difícil de imaginar já que o arquiteto brasileiro era orgulhosamente comunista). Vale notar que, mesmo assim, o capítulo dá uma pequena derrapada, pintando o movimento artístico modernista como algo necessariamente ruim. É esse tipo de passagem que comprova como Face Oculta não evita declarações ousadas, por vezes explorando ideias que são muito mais representações de gosto e opinião do que de “verdade”.
De toda forma, o produto vale a pena para interessados na história da humanidade em busca de novos pontos de vista sobre personalidades que são vendidas positivamente a torto e a direito. Ver esse outro lado, mesmo que não totalmente secreto ou certeiro, fomenta a importância de se debater o conhecimento pré-concebido, especialmente sobre figuras mais ligadas à política.
E claro que assistir a um episódio de meia hora sobre Mao ou Biden não tornará ninguém um especialista no assunto. O jeito é seguir o caminho das pedras indicado como referência em Face Oculta e se aprofundar mais nos fatos para tentar montar seu próprio “batalhão móvel”, como Nietzsche carinhosamente apelidou a verdade.
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