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No especial de stand-up da Netflix, intitulado “Armageddon”, Gervais caçoa da militância mala
No especial de stand-up da Netflix, intitulado “Armageddon”, Gervais caçoa da militância mala| Foto: Divulgação Netflix

Ricky Gervais completará 62 anos em junho. A idade costuma chocar uns e outros, que pensam “mas eu só fui ouvir falar dele outro dia...”. Isso se dá porque, até os 40, esse inglês podia andar pelas ruas completamente anônimo. O reconhecimento só veio de 2001 em diante, quando a sua série The Office virou um fenômeno no Reino Unido, depois foi refilmada nos Estados Unidos e Gervais engatou outras séries, filmes e especiais de humor, como esse que estreou no Natal na Netflix, intitulado Armageddon.

Ter estourado depois de bem maduro parece ter criado uma casca mais grossa no comediante. Seja nas históricas vezes em que apresentou o Globo de Ouro, seja nas piadas do novo especial, Gervais sempre se ancora nos anos em que comeu o pão que o diabo amassou e no fato de ter feito muito dinheiro após The Office para mandar as observações mais ferinas. Se alguém reage como se o inglês tivesse ido longe demais, ele solta uma expressão de “não estou nem aí” ou vai até um canto, beberica sua cervejinha, e retorna para o centro das atenções como se nada tivesse acontecido. Gervais se permite até gargalhar histericamente de chistes que inventa na hora, algo que poucos humoristas ousam fazer. Mas é como se a longa espera por esse momento permitisse a ele tudo, inclusive rir dos próprios gracejos.

Em Armageddon, ele aborda o fim dos tempos, que seria basicamente o tempo presente. O homem evoluiu, conquistou o planeta, dominou os outros animais... E agora se ofende com palavras! Gervais já chega em cena anunciando que virou woke, justamente para caçoar de tudo de estúpido que estamos vivenciando a partir desses patrulheiros mirins que possuem muita voz nas redes sociais. Há farpas para meninos que alegam confusão sexual só para chamar atenção, para quem reclama que personagens com alguma deficiência física só podem ser interpretados por atores com a mesma deficiência, para quem acredita no delírio da tal “apropriação cultural”, e para Greta Thunberg. Ele zoa que gosta de apertar as descargas dos nove banheiros de sua mansão em sequência só para garantir que o mundo sofra as consequências e obrigue a ambientalista juvenil sueca a defecar por uma janela futuramente.

Fora do script

Mesmo quando sai do tema principal, Gervais entrega histórias alucinantemente engraçadas. Um exemplo é quando recorda de sua mãe o alertando sobre um pedófilo que andava atacando em seu bairro. Para impressionar o menino de 7 anos, a senhora Gervais criou que o pervertido cortava o pipi dos garotinhos. O pequeno Ricky ficou uma semana sem dormir depois dessa, mas acabou entendendo que a mãe fez bem em inventar tal versão. Se ela tivesse dito que pedófilo era alguém que oferecia doces e bichinhos de estimação em troca de sexo, ele faria o necessário para conseguir as recompensas, confessa. Sua encenação da hipotética interação com o pedo é um dos momentos mais hilários do especial.

Abrir esses parênteses em Armageddon faz Gervais puxar novos fios, que redundam em provocações ainda mais pesadas. A porta da pedofilia abre para falar de Michael Jackson e de como sua aparência desfez o padrão estético que tínhamos de abusadores do tipo. Mais tarde, a China entra na equação. Ele garante ter pensado numa piada na hora, fora do roteiro, mas afirma estar sem coragem de conta-la. Após pressão da plateia, ele solta que um pedófilo chinês chegou para uma possível vítima oferecendo um bichinho de estimação e ouviu: “não estou com fome”.

Quando entra nesses territórios mais "sensíveis", Gervais costuma evocar sua fiel esposa. “Prometi para a Jane que não ia fazer voz de criança”, diz, em certa passagem. A tia, o primo, a avó, e os inúmeros sobrinhos também são citados no stand-up, quase como uma forma de trazer o espectador para o berço no qual aquele senso de humor nasceu. Uma esquete-chave para entender o piadista e seu comprometimento com o riso é também familiar. Parte de um relato de quando Gervais foi morar fora e, ao receber uma ligação da mãe, inventou que estava ficando cego. Assim que sacou a zoeira, a mãe bradou que podia ter tido um ataque cardíaco ouvindo aquilo. “Isso é para vocês verem até onde consigo ir por uma piada. De nada!”. Realmente, só nos resta agradecer, Ricky. Podemos até submergir no pântano woke, mas vamos de mãos dadas com um gênio do humor.

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