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Em apenas 11 dias, mais de um milhão de argentinos foram aos cinemas para conferir Homo Argentum, comédia estrelada por Guillermo Francella, hoje o rosto mais celebrado do audiovisual do país. Isso significa que o filme bancado pela Disney, sem usar recursos públicos ou leis de incentivo, pagou seus 5,5 milhões de dólares de investimento e passou a dar lucro em menos de duas semanas. Mais: Homo Argentum se tornou a maior bilheteria do cinema argentino pós-pandemia e fez o presidente argentino Javier Milei encher o X de postagens celebrando a obra dirigida por Mariano Cohn e Gastón Duprat.
Para quem acompanha o trabalho dos cineastas e a ascensão recente de Francella, o sucesso nem surpreende tanto. Afinal, a série cômica Meu Querido Zelador levou os nomes dos três para os quatro cantos do mundo. Cohn e Duprat já tinham dirigido filmes cultuadíssimos como O Homem ao Lado (2009), O Cidadão Ilustre (2016) e Concorrência Oficial (2021), bem como as deliciosas séries O Faz Nada e O Museu. Francella sedimentou sua carreira como humorista localmente nos anos 90 e passou a chamar a atenção em nível internacional a partir de seu papel em O Segredo dos Seus Olhos (2009). Com as três temporadas de Meu Querido Zelador, eles explodiram.
Em Homo Argentum, os dois diretores e roteiristas, com auxílio de Horacio Convertini e de Andrés Duprat, irmão mais velho de Gastón e colaborador regular do time, contam 16 histórias de personagens que representam bem o modo de viver e pensar do argentino moderno. É uma coleção de curtas-metragens que não chega a inteirar duas horas, em que Francella usa seu talento para encarnar 16 tipos, sempre buscando o riso e a provocação. O filme entrou em cartaz no país em 14 de agosto, está previsto para estrear nas salas do Brasil em 20 de novembro, e em 19 de dezembro já deverá constar no catálogo do Disney+, serviço que concentra quase a totalidade da obra de Cohn e Duprat.
Vitória na guerra cultural
Diferentemente da avassaladora maioria da classe artística argentina, Cohn, Duprat e Francella não se alinham a pensamentos típicos do campo progressista, especialmente do campo kirshnerista. Quando Javier Milei estava em campanha presidencial, ameaçando cortar as verbas de cultura do país, os cineastas e o ator deram declarações indicando que um possível sacode do político nesse setor poderia fazer bem às artes argentinas. Claro que imediatamente eles viraram alvos de quem preferia o modelo que seria derrotado nas eleições.
O lançamento de Homo Argentum reascendeu essa divergência de visões, com Francella afirmando que preferia não assistir a filmes custeados com dinheiro público. Ao mesmo tempo, Milei vibrou com o conteúdo do filme, identificando que várias das histórias ali batiam de frente com a cultura woke. O sucesso de Homo Argentum, para o presidente, significa que o campo da direita começou a vencer a guerra cultural. Por isso ele ficou tão empolgado e fez discurso recomendando a obra, além de repostar inúmeras notícias sobre o êxito nas bilheterias.
Já muitos jornalistas especializados e influenciadores preferiram espezinhar Homo Argentum. A criação de Cohn e Duprat foi criticada por parecer mais com vídeos de TikTok do que com um longa-metragem de verdade, por não trazer retratos fiéis do argentino médio e, sim, do portenho de classe média (portenho é usado para se referir apenas a quem reside ou é natural de Buenos Aires) e até por passar mensagens antipatrióticas, reduzindo o argentino a um ser mais desprezível do que agradável (ué...).

No entanto, os recordes de bilheteria indicam que público e crítica não falaram a mesma língua nesse caso. Ou, no mínimo, que o argentino que lotou os cinemas gostou de rir de si mesmo. Ou, provavelmente, que o tom de algumas análises profissionais sobre o longa foi bastante enviesado. “O público se diverte e se emociona com o filme. Ele gera debates e estamos felizes que isso esteja acontecendo. Somos um país de contradições, de luzes e sombras, e Homo Argentum celebra isso”, resumiu Francella.
O fato é que está cada vez mais difícil antipatizar com o ator e com Mariano Cohn e Gastón Duprat. Eles estão produzindo a diversão que a massa quer, e uma diversão nada rasteira, com observações acuradas sobre a sociedade atual e seus vícios e modismos. Oxalá o Brasil tivesse gente tão talentosa na mesma trincheira. Aqui é melhor esperar pelo próximo filme sobre “os anos de chumbo”.
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