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Seja fazendo matérias sobre música, grandes eventos ou explorando tradições brasileiras, Maurício Kubrusly foi uma referência pelos jornais, revistas e rádios por onde passou, e mais ainda pela sua atuação de décadas na televisão. O repórter unia carisma e um bom texto quando saía a campo para buscar o que havia de mais novo e interessante no meio cultural. Em 2019, ele se afastou da profissão e, na sequência, passou por problemas gravíssimos de saúde. Um deles foi o diagnóstico de demência frontotemporal, em 2023, questão explorada no emocionante documentário do Globoplay Kubrusly – Mistério Sempre Há de Pintar por aí.
O longa-metragem é uma história de amor, assim como a de A Memória Infinita (disponível no Paramount+), filme chileno que foi indicado ao Oscar de Melhor Documentário no ano passado e acompanha um jornalista referencial daquele país que também sofre com demência. Nos dois trabalhos, a imagem da esposa fica em destaque, especialmente pelo esforço de ambas para trazer conforto a duas figuras tão queridas pelo público.
No caso da “versão brasileira”, é a arquiteta Beatriz Goulart, esposa de Kubrusly, quem ajuda o marido e o espectador a entenderem o atual estado das coisas. Sem desgrudar dele, Beatriz mostra um pouco da rotina de Mauri, como é carinhosamente chamado. O jornalista passa seus dias caminhando e ouvindo algumas de suas músicas favoritas. É por meio dessa arte que ele faz muitas conexões com sua vida pregressa, diversas vezes fuçando sua coleção com mais de dez mil CDs.
O documentário é surpreendentemente leve, destacando o amor do casal e até momentos divertidos de Kubrusly, como quando ele se encontra com um “flanelinha” que pede por uma foto. Há cenas em que o bom humor presente em suas reportagens parece retornar, dando um vislumbre de quem ele foi no passado. Mas o olhar abatido de quem sofre com esse tipo de doença não alimenta esperanças.
Não adianta nem me abandonar
O nome do documentário é tirado da música Esotérico, lançada por Gilberto Gil em 1976. Esse dado é importante, pois a participação do músico gera uma das passagens mais reveladoras da produção. Após tocar uma versão da canção, Gil lê um texto publicado por Kubrusly no começo da carreira. O antigo repórter fica impressionado com a qualidade do escrito: “Que lindo, hein? Quem fez isso?”
O compositor baiano o responde à sua boa e velha maneira hermética-gilbertiana: “Foi você, mas não foi você”. E é essa impressão que o longa-metragem passa a quem o assiste. Com a alternância entre sequências atuais de Kubrusly e gravações de quando estava no auge de sua lucidez, fica nítido que ele não é mais o mesmo. Ainda assim, não falta delicadeza ao documentário. Sua mensagem para o espectador parece ser a de se valorizar o presente e cada etapa da vida.
O filme também é uma ode ao amor verdadeiro e ressalta a importância de se encontrar uma pessoa parceira para a vida. Esse é um grande trunfo de Kubrusly – Mistério Sempre Há de Pintar por aí. Ao fugir de uma abordagem tristonha, ele oferece ao jornalista uma homenagem à altura, celebrando seu trabalho e jeito único de ser, mesmo que tenha sido vitimado por uma doença tão dilacerante, que o levou embora ainda em vida.
- Kubrusly – Mistério Sempre Há de Pintar por aí
- 2024
- 97 minutos
- Classificação indicativa livre
- Disponível no Globoplay