Quando alguém pensa numa memória engraçada da infância, é grande a chance de vir na mente um amigo inseparável daquela fase da vida. Nem sempre essas amizades florescem em algo mais duradouro, seja por diferenças naturais do crescimento ou pela distância entre as pessoas. Mas há casos em que a relação, além de mantida, revela-se transformadora na trajetória dos envolvidos. Esse é o caso da dupla Claudinho & Buchecha, cuja carreira de sucesso é relembrada no filme Nosso Sonho, que estreia hoje (21) nos cinemas.
De origens humildes, os dois garotos se conheceram ainda muito jovens no município de São Gonçalo, no Rio de Janeiro. No longa-metragem, o primeiro encontro não poderia ser mais marcante: Buchecha é resgatado de um afogamento por seu futuro parceiro musical. Como se isso não bastasse, eles se aproximam por conta de atividades infantis, como empinar pipa, mas acabam se afastando quando Claudinho se muda da região.
A partir daí, entendemos mais sobre a infância de Buchecha, utilizado como narrador-personagem de Nosso Sonho. O cantor é retratado como um apaixonado por música, com uma mãe humilde, porém justa. Isso fica nítido em uma cena em que ela repreende o jovem por furtar uma caneta, dando um bom exemplo para que o filho não se rendesse ao crime futuramente.
Passagens bacanas como essa dão o tom do filme, que claramente busca inspirar quem vive a mesma realidade difícil nos dias de hoje. Isso se mantém quando a história engrena no reencontro deles na adolescência. Claudinho (interpretado por Lucas Penteado) tenta convencer Buchecha (vivido por Juan Paiva) a fazerem músicas para cantarem nas festas da comunidade em que vivem. Há uma resistência inicial, mas a dupla é formada e logo se dá bem, muito por contra de seu carisma, o que os atores escolhidos para o filme conseguem traduzir.
Amor e elegância
Nosso Sonho avança mostrando a evolução de Claudinho & Buchecha, que redundou em seis discos de estúdio e incontáveis shows e aparições em programas televisivos. Além do bom humor e da forte amizade dos dois, a aclamação veio pela total adesão do grande público aos seus funks de letras românticas e divertidas.
Hoje, a ideia de famílias inteiras ouvindo funks soa estranha, principalmente considerando o teor indecente de muitas das músicas desse gênero que dominam as paradas. Já as canções do duo carioca eram recheadas de elegância e expressões sinceras de amor. “Se o destino adjudicar, esse amor poderá ser capaz”, diz a composição de Buchecha que dá nome ao filme. Como é mostrado, o jovem buscava palavras, como “adjudicar’, no dicionário para poder enriquecer o seu trabalho.
Do lado do agito, estava Claudinho, que muitas vezes ajudou seu amigo a se soltar para conseguir fazer os shows. Em uma das cenas, ele dá suporte a Buchecha, que está passando mal antes da primeira apresentação deles, confirmando seus papéis complementares. Enquanto Buchecha era a alma musical, Claudinho era quem sabia entregar o que o público queria de uma maneira animada, como as dancinhas ingênuas que a criançada adorava repetir.
Infelizmente, a trajetória foi interrompida em julho de 2002, quando Claudinho não resistiu a um acidente de carro. Esse drama é central para o filme e é abordado tanto em seu começo quanto em seufinal. Mas Nosso Sonho não foca nessa tristeza e prefere reforçar o valor que uma amizade fraternal pode ter na vida de uma pessoa.
Com sua qualidade no roteiro e nas interpretações, além da boa campanha de divulgação, o longa tem potencial para fazer bilheteria significativa. Deve agradar muito aos fãs de cinebiografias como as de Cazuza e Tim Maia, por exemplo, que resultaram no aumento do consumo das músicas desses artistas. Para Buchecha, é uma oportunidade de ouro para retomar seu prestígio – vale lembrar que, após declarar seu apoio ao ex-presidente Jair Bolsonaro, ele foi “cancelado” e chegou a ter um show interrompido durante o Rock in Rio, em 2019.
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