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Se existe hoje um diretor de cinema realmente comprometido com o papel social e político da sétima arte, esse diretor é o iraniano Jafar Panahi. Como podemos ver, mais uma vez na filmografia de Panahi, com o lançamento de “Foi Apenas Um Acidente” nos cinemas brasileiros.
É comum ver cineastas usando lenços, broches, tuitando, concedendo coletivas de imprensa ou até mesmo participando de manifestações em defesa de diversas causas. O que não é comum é ver cineastas encarcerados pelo próprio governo, diretores que burlam a censura filmando na clandestinidade — em uma aldeia fronteiriça (Sem Ursos), dentro de casa com um celular (Isto Não É um Filme), em um táxi (Táxi Teerã), ou em um carro (Três Faces). E que, depois de saírem da prisão, continuam insistindo em fazer cinema, porque, para eles, a liberdade de expressão vale mais do que a liberdade física.
Em outras palavras: uma coisa é usar uma pulseira nos Estados Unidos; outra, bem diferente, é fazer cinema contra o regime na República Islâmica do Irã. Panahi joga em outro campeonato.
Mas não se trata aqui de falar sobre Panahi em si (embora isso rendesse um excelente artigo), e sim sobre sua obra mais recente. Um filme que conquistou a Palma de Ouro em Cannes e que narra, como anuncia seu título, um simples acidente — o atropelamento de um cachorro — que desencadeia a perseguição de um grupo de vítimas em busca de vingança contra seu torturador.
Com esse ponto de partida, seria possível realizar um drama político denso, um filme de arte e reflexão ou uma obra trágica de grande impacto. Panahi, porém, entrega um thriller de ação, uma mescla de cinema noir com comédia surreal e tresloucada, um drama e, sim, também uma reflexão sobre o poder corruptor da política.
Uma radiografia de como os totalitarismos desumanizam o indivíduo. E, ao mesmo tempo, uma defesa inabalável do valor e da dignidade humana. Porque o mais surpreendente no cinema de Panahi é justamente sua fé obstinada no ser humano, sua confiança radical no indivíduo, sua defesa intransigente da consciência, da verdade e, claro, da liberdade.
Embora seus filmes anteriores não sejam particularmente complexos, Foi Apenas Um Acidente não é apenas o melhor longa de Panahi, como também o mais acessível para o grande público. Tem ritmo, uma magnífica galeria de personagens, humor e um clímax soberbo. É uma obra-prima.
© 2025 Aceprensa. Publicado com permissão. Original em espanhol.
- Foi apenas um acidente
- 2025
- 105 minutos
- Indicado para maiores de 14 anos
- Em cartaz nos cinemas
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