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Com o anúncio da partida do cartunista Jaguar no último domingo (24), alguns fãs de Wilson Simonal (1938-2000) lembraram na internet o feio papel do fundador do jornal O Pasquim em disseminar a informação de que o cantor era um informante do regime militar. A pecha interrompeu a extraordinária ascensão de Simonal, algo que está bem documentado em Ninguém Sabe o Duro que Dei, com depoimentos (sem remorsos) do próprio Jaguar e de seu companheiro de Pasquim Ziraldo. Disponível no Globoplay, o filme de 2008 dirigido por Claudio Manoel, Micael Langer e Calvito Leal vai muito além dessa polêmica, mas já que ela retornou, nada melhor do que aproveitar para fazer uma nova apreciação do documentário.
Ninguém Sabe o Duro que Dei fez grande sucesso no ano em que foi lançado, com procura acima da média especialmente nos cinemas do Rio de Janeiro. Foi responsável por apresentar Simonal para toda uma geração que só ouvia falar de seu talento por relato de pais e avós, além de esclarecer como alguém com tanta fama e reconhecimento até internacional pôde ter sucumbido a uma história mal contada que o tirou dos grandes palcos, dos programas de tevê e das campanhas publicitárias. O fato de um integrante do Casseta & Planeta dividir a direção do filme (Claudio Manoel) talvez tenha chamado a atenção de comediantes mais jovens, tanto que Danilo Gentili, Oscar Filho e outros da patota sempre citam a obra como reveladora do que o Brasil foi capaz de fazer com um de seus maiores astros.
Na primeira metade do documentário, toda a qualidade musical de Simonal é evidenciada por registros televisivos e falas de especialistas, até mesmo dos que não eram muito chegados no estilo sonoro defendido por ele – a tal da “pilantragem” –, caso do jornalista Sérgio Cabral, que também era coligado com o Pasquim. O apelidado Simona era hábil em interpretar canções populares com um suingue sofisticadíssimo, oferecendo para a massa algo de fácil absorção, mas com grande valor artístico. Seu domínio de cena era formidável, com muita interação com a plateia, o que lhe garantia escalação nos principais eventos do Brasil na segunda metade dos anos 1960.
O documentário ganhou muito por usar trechos de É Simonal, filme que o cineasta Domingos de Oliveira rodou no auge da fama do cantor. Apesar da história ficcional, o longa-metragem continha cenas reais da lendária apresentação de Simona no Maracanãzinho, quando foi chamado para abrir um concerto de Sergio Mendes e acabou virando o assunto da noite. Em Ninguém Sabe o Duro que Dei, o show é lembrado por alguns dos entrevistados com cada um chutando o tamanho da multidão presente. 30 mil pessoas? 40 mil? 50 mil? Nunca saberemos, mas era gente para dedéu no coro regido pelo fenômeno.
Craque da amarelinha
A melhor anedota do filme é contada com auxílio de Pelé e de Chico Anysio. Refere-se à ida de Simonal como acompanhante da seleção brasileira para animar a concentração durante a disputa da Copa do Mundo de 1970 no México – onde o cantor tinha enorme popularidade, diga-se. Em dado momento, os selecionados por Zagallo começaram um lobby – de brincadeira, claro – para que Simonal fizesse parte do escrete canarinho oficialmente na condição de atleta. Tantas coisas fora do comum estavam acontecendo na vida do artista que ele acreditou que essa seria só mais uma e ele poderia, sim, entrar em campo, tabelar e depois erguer a taça ao lado de Carlos Alberto, Rivelino, Tostão, Jairzinho e grande elenco.

O tom de Ninguém Sabe o Duro que Dei muda no terço final, quando os diretores localizam o contador com quem Simonal se desentendeu e mandou surrar. Para justificar o infeliz episódio, o cantor foi convencido a dizer que seu ex-funcionário era um inimigo da ditadura, ao contrário dele, um simpatizante do regime. A politização do caso foi a desculpa perfeita para quem não suportava mais a onipresença de Simonal no imaginário nacional iniciar um boicote – e aí o Pasquim foi fundamental para rotular o cantor como dedo-duro.
Também não pode ser ignorado o elemento racial da equação. Simonal foi o primeiro popstar negro do Brasil, algo que causava espécie em muita gente, inclusive por ele não ter uma postura subserviente, muito pelo contrário. Ouvir hoje a primeira estrofe da canção Tributo a Martin Luther King, que ele compôs e dedicou ao seu primogênito, traz um gosto amargo. “Sim, sou um negro de cor/ Meu irmão de minha cor/ O que te peço é luta, sim, luta mais/ Que a luta está no fim.” Quase 60 anos depois, a luta segue longe do fim.
- Simonal: Ninguém Sabe o Duro que Dei
- 2008
- 86 minutos
- Classificação indicativa livre
- Disponível no Globoplay
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