Um casal de americanos que acabou de se mudar para Londres com a filha pequena tira uns dias de férias na Itália para aliviar suas agruras cotidianas. Ele, Ben, está desempregado e sofrendo com a descoberta de que sua esposa, Louise, andou flertando com outro homem. A filha, Agnes, é introvertida demais e não abandona um coelhinho de pelúcia, mascote que nem combina mais com sua faixa etária.
Essa família em crise é o alvo perfeito para a trama de Não Fale o Mal, terror psicológico dirigido pelo britânico James Watkins que está em cartaz nos cinemas brasileiros há uma semana. Na Itália, Ben e Louise fazem amizade com Paddy e Ciara, um casal animado que leva uma vida alternativa numa chácara no interior da Inglaterra. A identificação é imediata. Primeiramente porque os ingleses exibem uma conexão harmoniosa que os americanos gostariam de ter. E também porque Paddy e Ciara têm um filho, Ant, com dificuldade de se expressar (supostamente por ter nascido com uma língua muito pequena), que se dá muito bem com Agnes.
Antes do período de férias chegar ao fim, Paddy e Ciara chamam Ben e Louise para conhecerem sua morada no campo. O convite parece para valer quando, meses depois, já em Londres, a família americana recebe uma carta dos novos amigos reforçando que querem receber o trio em sua chácara. Ant estava com saudade de Agnes. A cortesia é tão bonita que Ben e Louise pegam a filha e partem de carro rumo ao interior da Inglaterra.
Premissa real
Agora é a hora de contar que Não Fale o Mal é a refilmagem de um longa dinamarquês de mesmo nome (Speak No Evil) lançado em 2022, com roteiro e direção de Christian Tafdrup. No original, uma família dinamarquesa conhece uma família holandesa nas férias pela Toscana. A amizade leva os nórdicos a aceitarem o convite para conhecer a habitação rústica dos novos amigos no interior da Holanda. Tafdrup viveu essa situação com seus pais. A única diferença é que eles não aceitaram o convite do casal que conheceram nas férias. Mas o menino ficou com aquilo na cabeça: e se a gente tivesse topado? O que poderia ter acontecido com a nossa família na casa daqueles estranhos?
O garoto cresceu com essas indagações e usou o mote para escrever o filme que foi a sensação do universo do terror em 2022 – tanto que foi adquirido pela produtora Blumhouse (de Corra!, O Telefone Preto, M3GAN e muitos outros êxitos do gênero) assim que começou a circular pelos festivais. Em comparação com o remake, o original dinamarquês é muito mais sombrio e chocante. Tafdrup faz uma crítica arguta à passividade e à polidez extremada do povo de seu país, num filme que exibe o casal visitante sendo apedrejado e a filha tendo a língua cortada com uma tesoura.
O novo Não Fale o Mal tem desfecho completamente distinto. E as diferenças não param aí. Graças à condução primorosa de James Watkins (A Mulher de Preto, Sem Saída) e ao desempenho monumental do ator escocês James McAvoy (a versão novinha do Professor Charles Xavier na franquia X-Men), escalado para viver o anfitrião inglês, a nova versão consegue ser superior à primeira em vários aspectos – ainda que cinéfilos chatonildos sejam incapazes de reconhecer tal fato.
Chama eterna
O Não Fale o Mal refilmado conta com alívios cômicos que contribuem para que a tensão criada na casa seja melhor tolerada pela plateia. Assim como no original, o filme deixa o espectador agoniado com o destino que vai sendo desenhado para a família visitante. A tensão é daquelas que a gente consegue cortar no ar. Mas aí McAvoy, com seu olhar de psicopata e sorriso perverso, apronta alguma presepada disparadora de gargalhadas.
Merece destaque a cena em que seu personagem simula sexo oral em Ciara dentro de um restaurante. Melhor ainda é o uso dado para a singela balada do grupo The Bangles ao longo da película. Eternal Flame, que varreu as paradas de 1989 com os versos “Feche os olhos/ Me dê sua mão, querido/ Você sente o meu coração batendo?/ Você compreende?/ Você sente o mesmo?/ Estou apenas sonhando/ Ou isso queimando é uma chama eterna?” é cantada a plenos pulmões por McAvoy antes de um passeio para atirar em animais e retorna com intensidade em outro momento do filme.
Na sessão em que eu estava, a sala lotada explodiu em aplausos em quatro passagens de Não Fale o Mal. Nunca havia presenciado algo do tipo. A única explicação que encontrei é que a construção aflitiva dos dois terços iniciais do filme é tão bem amarrada que, quando o ápice chega, a audiência se entrega por completo, vibrando com cenas que o original dinamarquês não possui – mas vale dizer que Tafdrup adorou as adaptações feitas e até deu entrevistas para divulgar a nova versão de sua obra (tomem essa, cinéfilos chatonildos!).
Se puder, não deixe para ver esse filme somente quando ele chegar ao streaming. Não garanto que a plateia em sua exibição será tão entusiasmada quanto essa da qual fiz parte. Mas as qualidades de Não Fale o Mal são tão nítidas que, se você mergulhar de cabeça na história, talvez seja o primeiro a puxar as palmas.
- Não Fale o Mal
- 2024
- 110 minutos
- Indicado para maiores de 18 anos
- Em cartaz nos cinemas
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