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Nenhuma lista de maiores filmes de guerra de todos os tempos estaria completa sem A Ponte do Rio Kwai, que David Lean dirigiu em 1957. Quase sete décadas depois do lançamento, permanece como uma das obras mais comoventes do cinema, um épico que funciona como filme de ação e um drama humano dos mais pungentes. Mas poucos sabem as inúmeras histórias de bastidor que fizeram da filmagem de Kwai um pesadelo logístico, com direito a brigas entre o cineasta e o astro principal, um roteiro creditado falsamente e um acidente que quase matou o diretor, entre vários outros percalços.
A Ponte do Rio Kwai é um drama fictício inspirado num fato histórico: a construção da Ferrovia de Burma, também conhecida como “Ferrovia da Morte”, uma linha de trem de mais de 400 km de extensão que ligava Ban Pong, na Tailândia, a Thanbyuzhayat, em Burma (hoje Myanmar). A ferrovia foi construída por civis asiáticos e prisioneiros de guerra ocidentais capturados pelas forças japonesas. Calcula-se que pelo menos 250 mil civis e 12 mil soldados Aliados morreram durante a obra, que durou de 1940 a 1943.
Em 1952, o escritor francês Pierre Boulle escreveu o romance A Ponte do Rio Kwai, que usava como pano de fundo a construção da Ferrovia de Burma para contar a história de soldados ingleses forçados pelo exército japonês a construir uma ponte sobre um rio no oeste da Tailândia. O livro fez grande sucesso e logo foi comprado para ser adaptado em um filme, mas as condições de produção – era um épico com milhares de figurantes e que precisava ser filmado num cenário tropical - atrasaram a filmagem por um bom tempo.
Depois que John Ford, Howard Hawks e até Orson Welles foram cogitados para dirigir, a produção acabou nas mãos de David Lean, um cineasta genial e que já tinha cinco indicações a Oscars por filmes como Desencanto, Grandes Esperanças e Quando o Coração Floresce, mas que não havia dirigido um épico (Lean gostou da experiência e, depois de Kwai, emendaria quatro épicos nos 37 anos seguintes: Lawrence da Arábia, Doutor Jivago, A Filha de Ryan e Passagem para a Índia).
Confusões sem fim e quase morte
A megaprodução foi rodada no Ceilão (atual Sri Lanka). Para o papel do Coronel Nicholson, comandante das tropas britânicas, Lean queria o grande ator Charles Laughton, com quem havia trabalhado em 1954 em Hobson’s Choice (Papai é do Contra), mas Laughton estava muito acima do peso e disse que nem morto iria se despencar para um lugar tropical e cheio de mosquitos. O papel foi oferecido a Cary Grant, que recusou, e Alec Guiness acabou contratado, apesar das objeções de David Lean que, por alguma razão, não se dava bem com o ator inglês, apesar de já ter filmado com ele duas adaptações de Charles Dickens, Grandes Esperanças e Oliver Twist.
Segundo relatos, Lean e Guinness brigaram durante toda a filmagem por causa de diferenças criativas. A discussão chegou a tal ponto que Lean teria perdido a compostura: “Não aguento mais vocês atores ingleses, ainda bem que amanhã eu começo a filmar com um ator americano!” [William Holden]. Curiosamente, Lean e Guinness trabalhariam juntos em outros três filmaços, Lawrence da Arábia, Doutor Jivago e Passagem para a Índia.
Mas as brigas com Guinness não foram nem de longe o momento mais tenso para Lean: durante um intervalo das filmagens, ele foi tomar um banho de rio e foi tragado pela correnteza. O ator Geoffrey Horne – americano! – o salvou de morrer afogado.
Roteiristas na "lista negra" do governo
Nos bastidores da produção o clima também era tenso: o produtor Sam Spiegel havia contratado o roteirista Carl Foreman (Matar ou Morrer, de Fred Zinnemann), mas Lean odiou o roteiro e exigiu a contratação de Michael Wilson (Um Lugar ao Sol, de George Stevens). O problema é que tanto Foreman quanto Wilson estavam na “Lista Negra” do governo americano por suspeita de serem comunistas, e não puderam assinar o roteiro, que acabou creditado ao autor do livro, Pierre Boulle.
A situação ficou ainda mais estranha quando Boulle ganhou um Oscar pelo filme (de um total de sete vencidos por A Ponte do Rio Kwai) e levou uma estatueta sem ter escrito o roteiro. A injustiça só foi remediada em 1984, quando a Academia deu Oscars – infelizmente, póstumos – a Foreman e Wilson. Em 1968, outro romance de Pierre Boulle seria adaptado num filme de sucesso, O Planeta dos Macacos.
Outra curiosidade sobre Kwai envolve a antológica música assobiada pelos prisioneiros de guerra e que virou marca registrada do filme. David Lean estava filmando uma cena em que soldados marchavam, e se irritou com a falta de sincronia entre os figurantes. “Por Deus, alguém assobie uma marcha pra manter esses homens no ritmo!”, gritou o diretor. Um dos figurantes começou a assobiar a “Marcha do Coronel Bogey”, uma música militar inglesa composta em 1914, e o resultado foi tão bom que Lean decidiu manter a música no filme. Era uma melodia conhecida, que na Segunda Guerra era cantada por soldados britânicos com uma letra curiosa: “Hitler... ele só tem uma bola!”.
- A Ponte do Rio Kwai
- 1957
- 181 minutos
- Indicado para maiores de 12 anos
- Disponível no Telecine e para locação no Google Play, Apple TV, Prime Video e Claro Video.
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