Quando o sueco Tobias Forge subir ao palco do Espaço Unimed (SP), nos dias 20 e 21 deste mês, encontrará uma plateia de 16 mil fãs sedentos pela música que a banda Ghost produziu ao longo dos últimos 15 anos. Mas nem sempre foi assim. Nas primeiras aparições do grupo no país, como atração de festivais e abrindo para artistas maiores, as opiniões se dividiam. Isso porque o Ghost não é uma formação convencional nem tem a proposta musical mais palatável do universo.
O primeiro elemento a despertar curiosidade (ou repulsa) é o próprio Tobias Forge, que hoje se apresenta como Papa Emeritus IV, em trajes que remetem ao líder da Igreja Católica. No entanto, não se trata de uma homenagem, mas sim de uma forma de questionar as autoridades dentro do catolicismo, algo que o Sumo Pontífice representa. As letras do Ghost, que versam sobre o oculto, completam um pacote bastante controverso, que só pode ser entendido por completo avaliando a trajetória pessoal do cantor e compositor de todas as músicas da banda.
Filho de uma mãe bastante liberal e que trabalhava com arte, o jovem Tobias frequentava as igrejas europeias como se fossem museus, para admirar vitrais, esculturas, e aprender sobre os artistas e a história da nossa civilização. Com o lado espiritual ele teve contato no cotidiano, visto que a Suécia é um país em que o catolicismo é bastante presente. Só que aos 12 anos sua percepção dessa religião era bem negativa, muito pelo contato com cristãos que exibiam comportamentos duvidosos segundo seu prisma, casos de uma professora do primário e da segunda esposa de seu pai. Isso, aliado à sua paixão pelo rock e pelos filmes de terror, além da vontade de se destacar entre os coleguinhas da escola, fez o garoto se assumir satanista.
As referências ao tinhoso no repertório do Ghost poderiam indicar que o vocalista seguiu por esse caminho de idolatria. Mas não é bem assim. Ele já declarou não ser uma pessoa contra as religiões muito menos ateu. Além de ser um entusiasta de que as pessoas encontrem e exerçam sua fé, Forge tem uma visão muito positiva de Jesus Cristo, que de certa forma até se assemelha àquela do rapaz gente fina que tem encantado plateias ao redor do mundo no seriado The Chosen: Os Escolhidos. “Eu acredito na ideia de houve, sim, uma pessoa chamada Jesus na história e que ele foi um cara bem tranquilo, que pedia para as pessoas manterem a calma e praticarem o bem com seus semelhantes. Mas ele foi penalizado justamente por fazer isso”, elaborou o músico numa entrevista para o Psychology Today.
Melodia e delicadeza
A tal entrevista foi em 2018, ano em que finalmente um integrante do Ghost revelou sua identidade. Até então, havia um mistério sobre quem seria o Papa Emeritus – que depois virou Papa Emeritus II, Papa Emeritus III, Papa Nihil, Caridinal Copia e, agora, Papa Emeritus IV (todos disponíveis para serem colecionados como bonecos Funko Pop, diga-se de passagem). Forge revelou seu rosto após mais de uma década na ribalta, ganhando Grammy de melhor canção heavy metal (por Cirice) e admiração de estrelas como Dave Grohl (Foo Fighters) e Phil Anselmo (Pantera). Mas os demais integrantes da formação, identificados apenas como Nameless Ghouls (carniceiros sem nome), seguem aparecendo em público somente de máscara. Quando um esquece o passe de backstage e está “sem a fantasia”, corre o risco de ser barrado pela segurança, como já aconteceu diversas vezes.
Sonoramente, o Ghost não faz a música mais pesada de que se tem notícia. Ao contrário. O rock do grupo pode ser bastante melódico, cantado com muita delicadeza por Forge, que nunca berra ou usa distorção na voz. Entre um disco de inéditas e outro (já lançaram cinco), eles soltam EPs com versões inusitadas, que podem ser do conterrâneo quarteto pop ABBA ou da diva Tina Turner (coincidentemente, no dia de sua morte foi lançada a cover de “We Don’t Need Another Hero”).
Por essa postura afrontosa e gozadora, não é todo simpatizante de rock pesado que embarca na brincadeira do Ghost. Mas vale apontar que os ingressos para a inicialmente única apresentação paulistana se esgotaram tão rápido que uma data extra foi adicionada às pressas. O setlist deve ser dominado por temas de Impera (2022), o mais recente álbum, cujo primeiro single pegou os fãs brasileiros de surpresa. É que Forge revelou que Twenties foi composta após ele ser impactado por um artista brasileiro (provavelmente de funk carioca!) enquanto assistia a um documentário. A base rústica grudou em seu cérebro e, anos depois, o pancadão virou música de trabalho do Ghost. Portanto, quando é dito que esses suecos não são convencionais, nem Deus duvida.
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