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Jô Soares se despedindo em seu programa de entrevistas
Jô Soares se despedindo em seu programa de entrevistas na Globo| Foto: Reprodução Globoplay

Na semana em que se completou dois anos da partida de Jô Soares, é tentador avançar na série documental em quatro episódios que acaba de ser lançada pelo Globoplay. Um Beijo do Gordo rememora a jornada de um dos maiores humoristas do Brasil, o que é muito salutar. Pena que o produto seja irregular, podendo desapontar quem tem mais interesse nos personagens inesquecíveis e nas entrevistas conduzidas por Jô do que em sua vida íntima e nos coadjuvantes (até mesmo figurantes, caso da apresentadora Angélica) de sua trajetória estrelar.

O experiente documentarista Renato Terra conduz a minissérie que começa prometendo muito, com os primórdios do artista e sua explosão como comediante. Há pinceladas de Capitão Gay, Norminha, Vovó Naná, Ciça, Reizinho, Zezinho, Coronel Pantoja... E quem é fã de algum desses em especial já começa a olhar no relógio e achar que não haverá tempo para dar a atenção devida a cada um deles no espaço de uma hora do primeiro episódio. É o que frustrantemente acontece. Essa faceta da vida artística do Gordo merecia algo mais caprichado.

O capítulo inaugural ainda descortina algumas intimidades, como sua relação com a atriz iniciante Claudia Raia nos anos 80. É deveras constrangedor ouvi-la mencionar “o shape” de Jô ao narrar aspectos da relação, ainda que sua fala sobre o ex-namorado seja repleta de carinho. A famosa Flavinha, com quem Jô viveu seu terceiro casamento e nunca mais parou de reverenciar (“foi uma separação que não deu certo”, ele dizia), também é introduzida nesse começo de série, mas ganha destaque de fato no último episódio.

Onze e Meia

A segunda parte de Um Beijo do Gordo aborda sua chegada ao SBT na virada dos 80 para os 90, com o intuito de comandar um talk show na faixa noturna. Mesmo que o documentário não reforce isso, Jô esculpiu a machadadas o horário das 23h30, mudando o hábito de brasileiros que passaram a dormir mais tarde para poder acompanhar aqueles bate-papos inusitados com personalidades da política, do entretenimento e com anônimos, bem à moda do que se via na TV americana.

Inexplicavelmente, esse episódio dedicado à reinvenção do artista em seu Jô Onze e Meia tem meros 36 minutos. Muitos entrevistados que foram praticamente inventados pelo Gordo não ganham a devida atenção. É o caso do cantor Rogerio Skylab, representado na série somente por um número musical, sem qualquer contexto. Além de voltar ao programa quase que anualmente, Skylab segue viralizando em podcasts e dando audiência para filhotes de Jô, caso de Danilo Gentili, que sempre o recebe em seu The Noite. Mas Um Beijo do Gordo prefere não contar essa história.

Já no terceiro capítulo, que foca o retorno de Jô para a Rede Globo, aí o documentário é generoso. Comediantes de pouca relevância como Marcos Veras são levados ao antigo estúdio do Programa do Jô para reviver suas participações e tecer loas ao saudoso ídolo. Trechos de entrevistas desimportantes, como a de Luciano Huck e Angélica após sofrerem acidente de avião, são recuperados e o tom emotivo toma conta do produto. Tatá Werneck chora, Fabio Porchat embarga a voz, as lágrimas da última conversa entre Jô e Roberto Carlos se esparramam pela tela...

Deixa eu ver sua alma

Para completar a guinada deprimente, o quarto episódio trata do fim da vida de Jô, com cenas de pessoas que foram até sua casa entrevista-lo, caso de Angélica. Também é a hora em que Flavinha fala mais, revelando a espécie de trisal que formou com o ex e a cantora Zélia Duncan no ocaso do gênio. Funcionários da casa se encarregam de relatar o quanto Jô era um chefe “humano”, enquanto amigos próximos como o médico Drauzio Varella esmiúçam seus últimos dias entre hospital e sua sala particular de cinema.

É muita intimidade na tela, mas mesmo assim ninguém adentra nas suspeitas de “camuflagem”, conforme provocavam pichações pela cidade de São Paulo. Havia muito mais para ser dito, especialmente por parceiros da velha guarda que seguem entre nós, casos de Carlos Alberto de Nóbrega e Renato Aragão. Eles até estão no documentário, mas aparecem menos do que Angélica (citada pela quarta vez neste texto de propósito). Pelo menos na metade inicial de Um Beijo do Gordo é possível vê-lo em cena com Ronald Golias, Paulo Silvino e Eliezer Motta (que também passa como um relâmpago em seu depoimento). Esse era o Jô que merecia mais espaço no doc e que deixou uma saudade que não cabe em poucas horas.

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