Os atores Ricky Gervais e Steve Carell são inegáveis referências do humor britânico e americano, respectivamente. Em comum, eles devem suas carreiras aos personagens que viveram nas duas versões de The Office, uma das principais comédias do século XXI, segundo o jornal The New York Times. Não é à toa que muitos fãs da série ficaram receosos quando descobriram que o Prime Video lançaria uma releitura australiana do sucesso. Cabem ao menos duas perguntas. Vale a pena ver? Será que um novo talento do humor será revelado?
Todos os elementos do seriado estão lá: desde o estilo de falso documentário, passando pelos momentos que fazem o espectador sentir vergonha alheia, até as piadas sobre o ambiente de trabalho. Nesse último quesito, a versão australiana se destaca por oferecer muitos trocadilhos sobre novidades desse universo, como o home-office. Mas falta um ingrediente-chave para que o novo The Office funcione para valer: atores carismáticos.
No caso da versão original, lançada em 2001, Gervais foi quem segurou a comédia por duas temporadas. Além de ser o criador, ele interpretava David Brent, um personagem equilibradamente divertido e arrogante, honrando as tradições do humor tipicamente britânico. A presença do ator Martin Freeman, que mais tarde seria estrela em O Hobbit, ajudava a trazer o contraponto perfeito para a personalidade escrachada de Brent.
Com essa dupla e outros personagens caricatos, o seriado rapidamente se tornou fenômeno naquelas bandas e abriu muitas portas para os envolvidos. Gervais se consagrou como um grande nome do mundo do stand-up e colaborou com artistas tão diferentes quanto Robert De Niro e David Bowie em sua série seguinte, Extras. Além disso, apresentou o Globo de Ouro por cinco vezes, sempre caçoando dos astros de Hollywood de maneira impiedosa, para deleite dos pobres mortais.
Escritório americano
De olho no hit do Reino Unido, o roteirista Greg Daniels, que tinha passagens por programas como Os Simpsons e o Saturday Night Live, decidiu produzir uma edição americana do falso documentário. Fez uma primeira temporada de The Office nos Estados Unidos em 2005, mas não encontrou sucesso imediato. Em parte porque o personagem do chefe, dessa vez chamado Michael Scott, não havia sido “americanizado” o suficiente. Mesmo com Carell arrasando nas caras e bocas, sua arrogância não tinha colado com os espectadores dos EUA.
A partir da segunda temporada, a história deslanchou. Michael Scott apareceu muito mais afável e inconveniente, distanciando-se de Brent e evidenciando o carisma do próprio Carell, que voltava confiante após o sucesso em O Virgem de 40 Anos. A mistura de piadas sem noção com uma certa inocência do personagem transformou-o num “malvado favorito”, cujas piadas ofensivas com os funcionários eram perdoadas por seu suposto bom coração.
Bem-sucedida, a adaptação americana alcançou a marca de 201 episódios espalhados em nove temporadas, ultrapassando com folga a versão que deu início ao formato. Quando o assunto é The Office, um número muito maior de pessoas se lembra de Michael Scott. Já os fãs raízes de David Brent têm certeza de que nada superará o original inglês.
Xerox e fotocópia
A aclamação da transposição americana também foi combustível para que muitos outros países tentassem sua sorte com um derivado. Ao todo, são 15 as versões produzidas ou anunciadas em países como França, Chile, Índia, República Tcheca, Arábia Saudita e Israel. No Brasil, Alexandre Machado e a finada Fernanda Young soltaram um produto bastante similar, chamado Os Aspones, na esteira de outras criações da dupla livremente inspiradas (para não dizer plagiadas) de sucessos lá de fora.
Com tantas versões oficiais ou aproximadas, a chegada do The Office australiano acaba não sendo lá grandes coisas. Basta assistir ao primeiro episódio para reduzir ainda mais as expectativas por uma revelação do tamanho de Steve Carell ou Ricky Gervais. As produtoras Julie De Fina e Jackie van Beek apostaram que a atriz Felicity Ward seria uma chefe à altura de Scott e Brent. Mas a personagem Hannah Howard é infinitas vezes mais insuportável do que qualquer um dos outros protagonistas – inclusive por ser mais lacradora e menos ofensiva que seus antecessores.
Felicity também entrega uma performance muito exagerada, algo que tira pontos da produção australiana. Já outros personagens apresentados parecem uma versão pirata de Jim, Pam e Dwight, trio que é destaque na adaptação americana desde a primeira temporada.
Caso Julie e Jackie queiram salvar sua releitura do completo fiasco, elas precisam fugir da fórmula do The Office americano, que não deixa de ser uma “imitação” do britânico. Existe potencial, e o roteirista Greg Daniels já provou ser possível salvar o seriado numa segunda temporada. Basta que as criadoras reconheçam que a cópia da cópia sempre perde a qualidade.
- The Office (Austrália)
- 2024
- Oito episódios
- Indicado para maiores de 16 anos
- Disponível no Prime Video
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