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Caso Master

Acareação sobre banco Master coloca BC sob pressão e acende alerta de interferência do STF

Acareação com envolvidos no caso do Master pode gerar insegurança jurídica no mercado
Acareação com envolvidos no caso do Master pode gerar insegurança jurídica no mercado (Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil)

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O Banco Central (BC) está sob forte pressão institucional. Uma possível acareação entre o diretor de Fiscalização da autarquia e investigados no caso do Banco Master acendeu o alerta vermelho no mercado financeiro. A convocação determinada pelo ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), marcada para esta terça-feira (30), às 14h, é classificada por especialistas como uma ameaça direta à autonomia técnica da autoridade monetária. Antes, a Polícia Federal ouvirá os depoimentos dos envolvidos, o que pode alterar a agenda.

O procedimento, se confirmado, coloca frente a frente Ailton de Aquino Santos, diretor do BC, e os investigados Daniel Vorcaro e Paulo Henrique Costa. A medida gerou reação imediata: entidades que representam 244 instituições financeiras manifestaram profunda preocupação com o que consideram um risco de interferência do Judiciário em decisões técnicas do regulador, abrindo um precedente perigoso para a segurança jurídica do setor.

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O caso ganhou repercussão não apenas pela decisão incomum de Toffoli, mas pelo denso contexto político que envolve a liquidação do Banco Master.

Quando aceitou relatar o inquérito, Toffoli havia pegado carona no avião de um empresário para assistir à final da Copa Libertadores da América, em Lima, no Peru. O advogado de defesa de um dos diretores do banco também estava presente na aeronave.

Outro ponto nevrálgico é a possível pressão exercida pelo também ministro do STF, Alexandre de Moraes, contrária à liquidação. O Banco Master contratou o escritório de advocacia da esposa do ministro, Viviane Moraes, para representá-lo em Brasília, inclusive em atuações junto ao BC. O valor do contrato chama a atenção: R$ 129 milhões.

A estratégia da defesa

Mesmo diante da resposta de Toffoli à autoridade monetária, análises de bastidores indicam que a acareação pode servir aos interesses da defesa de Daniel Vorcaro. Conforme reportado pelo jornal O Globo, o procedimento seria um instrumento para tentar desacreditar as decisões técnicas do Banco Central e fundamentar um pedido de reversão da liquidação da instituição.

Dados publicados pela Revista Oeste reforçam a tese de que a acareação integra a estratégia de defesa. Segundo a publicação, o diretor do BC que participará da sessão, Ailton de Aquino, teria demonstrado resistência interna à liquidação do Banco Master antes de a medida ser formalizada.

Esse contexto motivou reações de diversas instituições, que questionaram a convocação da acareação.

PGR tenta barrar: "Momento processual inadequado"

Diante desse cenário, autoridades tentaram intervir. A advogada Marília Milani, head de contencioso no CBA Advogados e especialista em mercado financeiro, explica que a acareação ocorre quando há divergência entre depoimentos e inexiste prova documental, visando a verdade dos fatos.

"Contudo, para que ela não cause insegurança jurídica, deve ser realizada na forma e no momento processual adequados", pontua a especialista.

Na semana passada, tanto a Procuradoria-Geral da República (PGR) quanto o Banco Central tentaram evitar a sessão. O procurador-geral, Paulo Gonet, solicitou a suspensão, considerando prematuro realizar a acareação antes dos interrogatórios dos réus e oitivas das testemunhas.

Toffoli negou a solicitação da PGR. No entanto, a pressão surtiu algum efeito: Daniel Vorcaro, Paulo Henrique Costa e Ailton de Aquino devem prestar depoimento à Polícia Federal também na terça-feira (30), antes da acareação.

BC reage e denuncia "armadilha processual"

O departamento jurídico do Banco Central apresentou embargos de declaração, classificando a sessão como uma possível "armadilha processual". Para a autarquia, o ato pode causar "constrangimento de entidades públicas" e o "alijamento da perspectiva de manifestação institucional regular".

O BC alegou ainda falta de clareza sobre a condição de participação de Aquino (testemunha, investigado ou ofendido). Ao convocar a sessão na véspera de Natal, Toffoli não apresentou justificativa detalhada.

Assim como fez com a PGR, Toffoli negou o recurso do BC, alegando que o objetivo é esclarecer divergências sobre a emissão de títulos de crédito falsos que levaram à liquidação do Banco Master em novembro.

Setor financeiro defende independência do regulador

Em nota conjunta, a Febraban, ABBC, Zetta e Acrefi — representando 244 instituições — saíram em defesa da autonomia técnica do BC. As entidades destacaram o "mandato legal" e o "dever inafastável" do órgão em atuar contra problemas de solvência.

"A presença de um regulador técnico e, sobretudo, independente do ponto de vista institucional e operacional, é um dos pilares mais importantes na construção de um sistema financeiro sólido e resiliente", afirmaram as entidades.

O grupo alertou que questionar decisões técnicas do BC gera insegurança jurídica e afeta a confiança de investidores no Brasil.

Risco de precedente perigoso

Para Jorge Ferreira dos Santos, professor de economia da ESPM, a convocação representa um risco à credibilidade institucional do Banco Central. Segundo o professor, tanto a acareação como hipóteses de reversão da liquidação do Master reforçam a ideia de que o caso ainda está em aberto.

Teoricamente, quando o BC opta por fazer uma intervenção e liquidação, não haveria mais possibilidade de reconstituição financeira daquela instituição.

Ele afirma que, para o sistema como um todo, essa situação gera a percepção de fragilidade institucional. "O rito utilizado pelo Banco Central em todo o processo de liquidação é muito claro. Então, quando o diretor de fiscalização do Banco Central é confrontado com os investigados em um ambiente como o nosso, que é extremamente politizado, os investidores, tanto nacionais quanto estrangeiros, podem ler isso como potencial interferência na atuação da autoridade reguladora", avalia.

"Quando você coloca o diretor de fiscalização do Banco Central para ser confrontado com os investigados, você está, de certa forma, colocando em xeque a decisão técnica da autarquia. Isso pode abrir precedente para que outras decisões do BC sejam questionadas judicialmente, o que fragiliza a credibilidade da instituição", afirma.

Ele também destaca que a situação pode ser interpretada como uma tentativa de interferência política em decisões que deveriam ser exclusivamente técnicas.

Para o professor, o episódio reforça a necessidade de blindar instituições reguladoras de pressões externas, sejam elas políticas ou judiciais.

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