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O apoio do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à Venezuela ameaça as relações comerciais do Brasil com outros países, especialmente com os Estados Unidos e os membros da União Europeia (UE). Estes aplicaram sanções contra o regime do ditador Nicolás Maduro, que alega ter vencido as eleições presidenciais realizadas no último domingo (28).
Nesta quinta (1.°), o governo dos Estados Unidos reconheceu a vitória do candidato da oposição, Edmundo González. Nota assinada pelo secretário de Estado americano, Antony Blinken, enfatizou que o resultado avalizado pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE), controlado pelo chavismo, dando a vitória a Maduro “não representa a vontade do povo venezuelano.”
Lula tem adotado uma postura dúbia em relação ao resultado das eleições na Venezuela: ao mesmo tempo que diz que ainda não reconhece a eleição, afirmando aguardar a divulgação da votação desagregada por urna, evita fazer críticas aos abusos cometidos pelo governo venezuelano antes, durante e após a eleição.
O presidente brasileiro chegou a afirmar que não havia "nada de anormal" com a vitória de Maduro nas eleições, o que rendeu críticas da oposição.
“As amizades internacionais do presidente Lula com ditadores são preocupantes. Recebeu o ditador Maduro com tapete vermelho”, diz o jurista Ives Gandra da Silva Martins, professor emérito da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
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Decisão de Lula pode ser encarada como afronta a direitos humanos e democracia
O CEO da gestora Multiplike, Volnei Eyng, avalia que o apoio de Lula ao ditador venezuelano pode ser visto pelos Estados Unidos e por países europeus como uma afronta a questões relacionadas a direitos humanos e democracia, podendo gerar tensões comerciais e políticas.
As exportações para ambas as regiões, que respondem por um quarto das vendas brasileiras, cresceram no primeiro semestre comparativamente ao mesmo período de 2023, apontam dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex). Para a maior economia global, a alta foi de 12%, atingindo US$ 19,2 bilhões. Para a UE, o incremento foi menor, 2,1%, chegando a US$ 23,3 bilhões. As importações, entretanto, caíram.
Eyng avalia que as relações do Brasil com países latino-americanos que se opõem a Maduro também podem ser afetadas. Na segunda-feira, o ditador anunciou que expulsaria o pessoal diplomático da Argentina, Chile, Costa Rica, Peru, Panamá, República Dominicana e Uruguai.
“O suporte a regimes autoritários pode prejudicar a imagem internacional do Brasil, afetando investidores e parceiros comerciais que valorizam a governança democrática e os direitos humanos. Manter um equilíbrio diplomático que enfoque tanto interesses econômicos quanto humanitários será crucial para que o Brasil maximize seus benefícios comerciais e mantenha boas relações internacionais", disse Eyng.
Indústria do petróleo pode ter impactos em casos de saída de Maduro
Uma das empresas brasileiras que mais pode ser afetada pelas turbulências é a Petrobras. A companhia pode enfrentar desafios ao operar em um ambiente volátil e sujeito a sanções internacionais, avaliam analistas. Além disso, a crise venezuelana pode impactar os preços do petróleo, aponta Ariosi.
Relatório da Genial Investimentos divulgado a clientes na semana passada, antes das eleições, destacava que uma eventual saída do chavismo do poder teria fortes reflexos na indústria do petróleo. “A recuperação econômica do país deverá ser necessariamente suportada pela indústria do petróleo, tendo em vista as suas vastas reservas e a possível recuperação da produção perdida na última década”, disse Vitor Sousa, analista da corretora.
A produção da Venezuela em 2005 era de 3,3 milhões de barris ao dia. Em 2020, caiu para 600 mil. Segundo a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep), o país produziu 874 mil barris diários em março, mesmo tendo as maiores reservas do mundo. As jazidas venezuelanas são de aproximadamente 300 bilhões de barris, de acordo com estimativas da petrolífera britânica BP.
O Brasil, com reservas provadas de 15,9 bilhões de barris, produz pouco mais de 3,4 milhões de barris diários de petróleo, segundo os dados mais recentes da Agência Nacional do Petróleo (ANP), de junho.
Outro impacto de uma mudança política na Venezuela para o Brasil seria uma pressão menor na inflação vinda dos preços do petróleo. A corretora destaca que a Venezuela teria o poder de, pelo menos, amenizar o problema de oferta enfrentado pelo planeta, tendo em vista o subinvestimento realizado pela indústria de exploração e produção nos últimos anos, e retomar seu posicionamento como centro produtivo.
Venezuela perdeu relevância como parceiro comercial do Brasil
A Venezuela é um parceiro menor nas relações comerciais brasileiras. A corrente de comércio (a soma de exportações com importações) foi de US$ 752,5 milhões no primeiro semestre, de acordo com a Secretaria de Comércio Exterior (Secex). Os números permaneceram estáveis em relação ao mesmo período de 2023.
Entre janeiro e junho, a Venezuela foi apenas o 46.° maior destino das vendas de produtos brasileiros para o exterior, atrás de países como Bangladesh, Omã e Argélia. Os principais itens vendidos para lá são preparações alimentícias, óleo de soja e açúcares de cana.
Como fornecedor de itens para o Brasil, a posição é pior: 61.ª, atrás de Uzbequistão, Gana e Porto Rico. Os principais produtos comprados são ureia, alumínio em forma bruta e metanol.
Os negócios entre os dois países já foram mais relevantes. Dados da Secex mostram que o pico das relações comerciais entre os dois países aconteceu em 2013, quando o ditador Hugo Chávez morreu e Maduro subiu ao poder. Naquele ano, a corrente de comércio chegou a US$ 6 bilhões.
A Venezuela era então o sétimo principal destino das exportações brasileiras. Os produtos mais vendidos foram carne bovina, bovinos vivos e aviões. No sentido contrário, em 2013, era o 35.° maior fornecedor brasileiro. Os itens mais comprados eram óleos leves de petróleo, coque de petróleo e óleos brutos de petróleo.
A corrente de comércio entre os dois países foi afetada pela forte deterioração das condições da economia venezuelana. Segundo dados do Fundo Monetário Internacional (FMI), desde 2013, o PIB do país despencou 70,5%, com sete anos consecutivos (2014 a 2020) de queda na atividade econômica.
Hiperinflação sob Maduro ampliou a pobreza na Venezuela
Outro problema foi a hiperinflação, que reduziu o poder de compra dos venezuelanos e ampliou a pobreza. Foram cinco anos seguidos, de 2017 a 2021, com o índice de preços ao consumidor aumentando mais de 500% ao ano. O pico ocorreu em 2018, quando chegou a 130 mil por cento. Para este ano, as projeções do FMI indicam uma alta média de 160% nos preços ao consumidor.
Uma pesquisa sobre as condições de vida dos venezuelanos, divulgada em março pela Universidade Católica Andrés Bello (Ucab), mostra que sete em cada dez domicílios no país apresentavam algum tipo de vulnerabilidade. As mais comuns são em serviços prestados à população, como saúde, educação e proteção social.
A Pesquisa Nacional sobre Condições de Vida (Encovi, na sigla em espanhol) mostra que o nível de pobreza parou de diminuir no ano passado. Entre 2014 e 2019, a hiperinflação e o desabastecimento tiveram profundos impactos na sociedade. O pico foi registrado em 2020, com 92,9% dos domicílios nessa situação.
Uma frágil liberalização econômica ocorreu entre 2021 e 2022, melhorando timidamente os números. Segundo a Ucab, no ano passado, 82,8% das residências estavam em situação de pobreza. Os protestos contra o regime de Maduro são liderados pelos mais pobres, que durante muito tempo foram um reduto do chavismo e do ditador.
“Desde 2013, Maduro lidera o país enquanto este enfrenta uma grave crise econômica, resultante de uma combinação de queda nos preços do petróleo, corrupção, má gestão e sanções internacionais. A crise resultou em inflação maciça e escassez de alimentos, com a maioria da população enfrentando a opção de viver na pobreza ou deixar o país”, escreveram Rebeca Hanson, professora assistente de estudos latino-americanos, sociologia e criminologia da Universidade da Flórida (EUA), e Verónica Zubilaga, professora associada de sociologia da Universidade Simon Bolívar (Venezuela) no site “The Conversation”.
A estrategista-chefe da Swiss Capital Investment, Graziela Ariosi, aponta que os erros econômicos cometidos pela Venezuela servem como lições importantes para o Brasil, ressaltando a necessidade de políticas econômicas prudentes, diversificação econômica e um ambiente de negócios estável.
“A situação na Venezuela também destaca a importância de posicionamentos diplomáticos cuidadosos e estratégicos para evitar impactos negativos nas relações comerciais e econômicas”, enfatiza Ariosi.