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O governo federal lançou, nesta quarta-feira (24), a primeira fase do programa Voa Brasil, voltado para aposentados pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Os beneficiários terão direito a passagens aéreas com valor de até R$ 200 por trecho. Para ter acesso ao Voa Brasil, é necessário que o beneficiário não tenha viajado de avião nos últimos 12 meses. No entanto, a medida é vista como insuficiente para resolver os problemas da aviação brasileira, que enfrenta prejuízos constantes e dificuldades financeiras.
De acordo com o Ministério dos Portos e Aeroportos (MPor), as empresas aéreas já teriam disponibilizado 3 milhões de passagens domésticas. No primeiro semestre deste ano, 56,2 milhões de passageiros passaram pelos aeroportos brasileiros.
“O governo interfere mal em setores privados”, afirma o economista Bruno Corano, da Corano Capital. Ele considera o programa Voa Brasil supérfluo e irrelevante para um país sem superávit primário e com problemas fiscais, que ainda enfrenta deficiências em áreas essenciais como segurança, educação, saúde e saneamento.
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Por outro lado, a Genial Investimentos acredita que, apesar das incertezas sobre a antecedência das reservas e o impacto real, o Voa Brasil pode ajudar a aumentar a ocupação dos voos e trazer um "aumento endereçável" de passageiros no Brasil, melhorando a eficiência operacional das companhias aéreas. Segundo a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), a taxa de ocupação dos voos domésticos foi de 82,3% no mês passado.
A Associação Brasileira das Empresas Aéreas (Abear) vê o programa como um esforço positivo do governo federal para democratizar o acesso ao transporte aéreo. “A iniciativa [do Voa Brasil] está alinhada com o compromisso das empresas de incluir mais brasileiros no transporte aéreo e reflete a importância do setor para o desenvolvimento do país”, afirma a entidade em nota.
Principal desafio da aviação brasileira: a situação financeira das empresas
Um dos principais desafios para a aviação comercial brasileira é a situação financeira das empresas. A Gol, a segunda maior no segmento doméstico, está em recuperação judicial nos Estados Unidos e registrou uma perda de R$ 2,3 bilhões no primeiro trimestre, impactada pela desvalorização do real frente ao dólar.
A Latam Airlines teve seus papéis novamente negociados na Bolsa de Valores de Nova York (NYSE) nesta quinta-feira (25), após passar por um processo de reestruturação nos Estados Unidos entre 2020 e 2022. A Azul, por sua vez, registrou um prejuízo líquido de R$ 1,1 bilhão no primeiro trimestre, um aumento de 247,11% em relação ao mesmo período do ano passado.
Governo quer condicionar ajuda à compra de aviões da Embraer
O governo federal está discutindo a criação de uma linha de crédito pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para as companhias aéreas, com a condição de que adquiram aviões da Embraer. Desde o início do ano, o governo articula a criação de um fundo especial de financiamento para as companhias aéreas que operam no Brasil, com a demanda liderada pelo Ministério dos Portos e Aeroportos e já analisada pelo Ministério da Fazenda e pelo BNDES.
Segundo Aloizio Mercadante, presidente do BNDES, apoiar as aéreas é necessário, mas é fundamental que elas adquiram aviões da fabricante brasileira. “Essa é uma condição essencial para todo o esforço fiscal do governo, que visa financiar, mas também gerar empregos, impostos e fortalecer as finanças públicas”, explica. Ele destaca que apenas 12% da frota dessas empresas é composta por aviões da Embraer, que é a terceira maior fabricante mundial de aeronaves.
Atualmente, apenas a Azul opera com equipamentos da Embraer, especializada em jatos de menor porte com capacidade para até 136 passageiros. A Gol utiliza aviões da norte-americana Boeing, com capacidade entre 138 e 186 passageiros, enquanto a Latam opera com um mix de aeronaves Airbus e Boeing para diferentes tipos de rotas.
A Embraer está em negociações com a Latam e a Gol para a venda de jatos regionais, como parte de seu esforço para quase dobrar sua receita anual para US$ 10 bilhões até 2030, segundo a Bloomberg.
Crescimento é maior nos voos internacionais
A Genial Investimentos observa que, apesar de um crescimento de 4,4% no movimento de passageiros nos aeroportos brasileiros no primeiro semestre em comparação ao mesmo período de 2023, ainda é cedo para comemorar. O crescimento foi impulsionado principalmente por passageiros de voos internacionais, que aumentaram em 20% e representam um quinto da movimentação total.
Dados da Anac indicam que o setor ainda não se recuperou totalmente dos efeitos da pandemia. A demanda por voos domésticos nos 12 meses encerrados em junho ainda é 0,2% inferior à registrada no mesmo período que terminou em fevereiro de 2020, antes da pandemia.
Em maio, o preço médio da tarifa aérea doméstica estava em R$ 534,17, uma queda de 30,9% em relação ao pico dos últimos cinco anos, registrado em setembro de 2023. No entanto, o valor ainda é superior ao registrado antes da pandemia, quando estava em R$ 488,99 em valores corrigidos.
Aviação brasileira não cresce como na América Latina e Caribe
O tráfego doméstico no Brasil não acompanhou o crescimento dos países da América Latina e do Caribe. Dados da Associação Latino-Americana e do Caribe de Transporte Aéreo (Alta) mostram que, entre maio de 2023 e 2024, houve uma queda de 1,6% no número de passageiros transportados no Brasil e de 6% no número de voos. Na região, o volume de passageiros transportados cresceu 2,2%.
O mercado doméstico mais dinâmico na região foi o colombiano, com crescimento de 20% no período, apesar de ter uma população quatro vezes menor, correspondendo a 40% da movimentação brasileira.
“Em alguns mercados domésticos, vemos como o clima político, as decisões unilaterais e as tensões econômicas e sociais afetam o crescimento e o desempenho de indústrias como a aviação, que são sensíveis às variações no preço dos combustíveis e aos ajustes cambiais”, afirma José Ricardo Botelho, presidente da Alta.