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Em reunião encerrada nesta quarta (20), o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) decidiu manter a taxa básica de juros (Selic) em seu menor patamar histórico, de 2% ao ano. No comunicado divulgado na quarta-feira (20), porém, o Copom anunciou a retirada do "forward guidance" (prescrição futura, em português) – uma espécie de compromisso que o BC havia firmado com os juros baixos.
José Guilherme Vieira, professor de Economia da Universidade Federal do Paraná (UFPR), explica que a prescrição futura é um instrumento moderno de política monetária, que funciona de maneira complementar às ferramentas tradicionais (aumento dos juros, compulsórios e emissão de moeda). "Esse instrumento permite que os investidores se posicionem melhor. É uma ferramenta importante de tomada de decisão", diz o professor. Instituições como o Federal Reserve, o banco central americano, já utilizam esse recurso há mais tempo.
No caso brasileiro, a prescrição futura, que estava em vigor até a reunião desta semana, foi instituída pelo BC em agosto do ano passado. A sinalização do Copom era de que, diante das condições, o BC "não elevaria a taxa de juros, mas poderia reduzi-la".
"Para maximizar sua efetividade, o Comitê decidiu que essa prescrição futura deveria ser condicional às expectativas de inflação, assim como às projeções de inflação de seu cenário básico para o horizonte relevante de política monetária", diz a ata da reunião do Copom realizada em agosto de 2020. Na mesma reunião, a Selic foi reduzida a 2%.
Ao retirar essa previsão, na reunião desta semana, por outro lado, o Copom considerou que "as expectativas de inflação, assim como as projeções de inflação de seu cenário básico, estão suficientemente próximas da meta de inflação para o horizonte relevante de política monetária". "Como consequência, o forward guidance deixa de existir e a condução da política monetária seguirá, doravante, a análise usual do balanço de riscos para a inflação prospectiva", diz o comunicado do BC.
A inflação, componente principal nesse cálculo, está avançando desde os últimos meses do ano passado. Em 2020, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) fechou em alta de 4,52% – a maior desde 2016. A tendência é de que o índice continue subindo ao menos no início de 2021, por conta do dólar alto e da aplicação de reajustes em preços administrados, que foram represados em decorrência da pandemia.
"A retirada do forward guidance não foi uma surpresa, ainda mais considerando as pressões inflacionárias. O aumento não foi só pontual, está sendo persistente, em preços de commodities, na questão dos alimentos – que já vinha incomodando há algum tempo –, na energia, nos combustíveis", diz Patrícia Krause, economista da Coface para América Latina.
Apesar de ter retirado a prescrição, o BC ressaltou que a medida não implica elevação da taxa de juros imediatamente, "pois a conjuntura econômica continua a prescrever, neste momento, estímulo extraordinariamente elevado frente às incertezas quanto à evolução da atividade".
Quando o mercado espera que os juros subam
Justamente por conta da conjuntura relacionada à pandemia, que parece estar longe de apresentar melhoras, analistas do mercado têm leituras distintas a respeito de quando os juros devem subir e em qual patamar devem estar ao fim de 2021.
"Não acreditamos que a taxa vá subir logo na próxima reunião. Fatores de incerteza da economia ainda estão muito elevados. A política deve continuar expansiva, por enquanto", avalia Krause. A projeção da Coface é de que a Selic comece a subir em agosto, fechando o ano em 3,5%.
Caio Megale, economista-chefe da XP Investimentos, por sua vez, prevê a alta nos juros em maio – antes, a previsão também era agosto. "Projetamos agora a taxa Selic em 3,5% no final de 2021 (antes 3%) e 4,5% em 2022 (antes 4%)", escreveu Megale em sua análise.
Boletim assinado por Mario Mesquita, economista-chefe do Itaú, aponta que as decisões do Copom devem ser determinadas pelo comportamento da inflação. "Por enquanto, ainda esperamos que a taxa básica de juros comece a ser elevada a partir da reunião de maio, com alta de 0,25 p.p., mas aguardaremos a divulgação do IPCA-15 na próxima semana e, mais importante, a publicação da ata da reunião, na terça-feira, 26 de janeiro, antes de reavaliar nossas projeções", disse Mesquita. A projeção do Itaú é de que a Selic fique em 3,5% em 2021, se mantendo no mesmo patamar em 2022.
A avaliação dos economistas do Bradesco é de que a taxa básica de juros continuará em 2% na próxima reunião do Copom, "iniciando um ciclo de normalização nos próximos meses, levando a Selic a 4% no final deste ano".
Em relatório publicado no último dia 12 – antes do anúncio do Copom, portanto – o Banco Fibra afirma esperar que a Selic permaneça em 2% até o final do ano, já que "a recuperação da economia brasileira será mais lenta do que a do restante das economias do G20".
"Avaliamos que o cenário mais provável é a taxa Selic permanecer no atual patamar até o final do ano e o risco de a taxa subir é bastante atrelado à recuperação mais acelerada da economia", conclui o documento, assinado pelos economistas Cristiano Oliveira e Ágila Cunha.
BC já havia sinalizado fim do forward guidance no ano passado
Apesar das divergências nas previsões, representantes do mercado já esperavam a retirada do forward guidance, considerando que, no fim do ano passado, o BC havia sinalizado que a prescrição seria alterada "em breve".
"O Copom avalia que, desde a adoção do forward guidance, observou-se uma reversão da tendência de queda das expectativas de inflação em relação às metas para o horizonte relevante. Além disso, ao longo dos próximos meses, o ano-calendário de 2021 perderá relevância em detrimento ao de 2022, que está com projeções e expectativas de inflação em torno da meta", dizia comunicado publicado em dezembro.
"A manutenção desse cenário de convergência da inflação sugere que, em breve, as condições para a manutenção do forward guidance podem não mais ser satisfeitas, o que não implica mecanicamente uma elevação da taxa de juros pois a conjuntura econômica continua a prescrever estímulo extraordinariamente elevado frente às incertezas quanto à evolução da atividade", prosseguia o texto.
À época, Gustavo Arruda, economista-chefe do BNP Paribas no Brasil, afirmou que a própria sinalização de alteração já constituiu uma mudança de direcionamento. "Na minha avaliação, o compromisso do BC já foi desfeito. Quando ele vai tirar acaba sendo menos relevante, porque ele já sinalizou como está pensando", disse o economista na ocasião.