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O governo federal está em negociação para bancar por ao menos um ano uma bolsa de R$ 300, chamada de Bônus de Inclusão Produtiva (BIP), para os chamados jovens 'nem-nem' – que não trabalham nem estudam.
Inicialmente, a ideia da equipe econômica era que o programa tivesse um contrato de apenas seis meses. A União tem falado em um potencial de criação de 2 milhões de empregos "rapidamente" com a iniciativa, que é alinhada à qualificação profissional, num modelo de estágio técnico.
Mas a declaração surpreendeu interlocutores, já que um dos maiores entraves para o avanço do programa é a escassez de recursos no Orçamento e inviabilidade de obter o fundo por meio de crédito extraordinário.
Apesar de ainda não oficializado, o programa tem outros pontos que preocupam especialistas. O governo não apresentou, ainda, que estratégias vai adotar para evitar que a iniciativa seja apenas um estímulo à contratação de mão de obra barata e para impedir que empresas embolsem o incentivo na forma de lucro.
A bolsa sustentada pela União será complementada, em igual valor, pela empresa que contratar o jovem, também responsável por qualificá-lo por meio de cursos, no que está sendo chamado de Bolsa de Incentivo à Qualificação (BIQ). A remuneração mensal fecharia em R$ 600.
Sabe-se, pelos dados da última Pnad Contínua, do IBGE, que ao menos 22,1% dos jovens brasileiros entre 15 e 29 anos fazem parte do grupo "nem-nem". Muitos desses jovens se encontram sob o dilema de não conseguir emprego porque não têm qualificação, e não se qualificar porque não têm emprego.
Os recursos para bancar o programa ao longo de 2021 já estariam garantidos, segundo o governo, mas faltam, ainda, fundos para sustentá-lo pelo período de um ano. Nos bastidores, interlocutores falam em um custo de até R$ 6 bilhões aos cofres públicos. O recurso da União não será repassado às empresas.
O governo garante que o BIP não deve ser financiado por crédito extraordinário – obtido por meio de endividamento público. A verba pode vir de um remanejamento de recursos na pasta, já que, após uma revisão para baixo da projeção de gastos obrigatórios, a União anunciou um espaço no teto de gastos que possibilitará um desbloqueio de R$ 4,8 bilhões do Orçamento.
"Não há problemas no financiamento. Pelo contrário: este ano, já há fonte, um desenho bastante pronto sobre isso. Mas a ideia do ministro é que façamos contrato de um ano, e para isso estamos buscando fontes para o próximo ano, para que o jovem que está fora do mercado de trabalho tenha um ciclo completo de qualificação no trabalho. Que receba tanto bônus do governo quanto do empregador. Achamos oportuno esse período um pouco majorado, que perpassa 2021, e é nesse ponto que nos encontramos nesse momento", disse Bruno Bianco Leal, secretário especial de Previdência e Emprego do Ministério, em entrevista coletiva na semana passada.
Questionada por jornalistas sobre o valor da bolsa, a equipe econômica ressalta que está "tratando de um público informal, que sequer consegue ter acesso ao mercado formal". "O BIP é um degrau, uma renda, não é emprego. É uma ponte para o emprego", disse Leal na apresentação dos dados do Caged.
"Quando se questiona o baixo salário desses jovens, você está olhando por um viés de seleção, esquecendo dos que não conseguiram chegar lá ou não tiveram oportunidade de entrar, por vários motivos estruturais. Queremos olhar a todos, também guarnecendo os que estão no mercado de trabalho, mas o olhar específico é para os que ainda precisam chegar", afirmou.
O secretário também ressaltou que o governo não vai transferir dinheiro para empresas. "Não é o dinheiro público indo pra fomentar a atividade econômica. Ele fomenta a oportunidade do trabalhador brasileiro", disse.
Empresas têm procurado o governo, diz Guedes
Sem entrar em maiores detalhes, Guedes adiantou, na mesma entrevista coletiva, que empresas como o McDonald's têm conversado com o governo a respeito da proposta.
"Algumas empresas já estão conversando conosco e uma já pediu 20 mil e outra 30 mil. Muita gente querendo. É um sistema de treinamento e qualificação durante o trabalho. Isso dando certo, vamos para a Carteira Verde e Amarela, para atacar o problema do desemprego informal", afirmou o ministro em um evento online do BTG Pactual. "O jovem será treinado para performar, para desempenhar o papel que depois será seu emprego."
O modelo proposto é conhecido como "on job training", em que o funcionário adquire conhecimento prático dentro do próprio ambiente de trabalho. Empresas que já têm sistemas de qualificação internos teriam procurado o governo para participar do BIP.
Governo quer evitar "efeito cicatriz"
Com o BIP, o governo quer evitar o que no mercado de trabalho é chamado de "efeito cicatriz". Isto é, os reflexos que o cenário atual, período crítico sob a ótica trabalhista e estudantil, deixará nesta geração de jovens ao longo de toda a sua trajetória. Apesar de atingirem praticamente todo o espectro etário, os efeitos são maiores sobre jovens.
"Há jovens que estão chegando no mercado de trabalho, que terminaram o ciclo básico ou superior, alguns até se endividaram, com o Fies, por exemplo, e não há empregos, porque a economia não está se movimentando", diz Guedes.
A equipe econômica tem focado em três problemas considerados principais do mercado de trabalho: 1) o alto custo do emprego; 2) a falta de segurança jurídica; e 3) a necessidade de desburocratização.
Reduzindo os encargos e aumentando a qualificação dos jovens, seria possível, segundo prevê o governo, melhorar o custo "final" do emprego. Aliado a isso, a União busca aumentar a segurança para o mercado contratar, com fiscalização "construtiva, pedagógica e legislações mais claras".
Bruno Bianco Leal afirma que a falta de qualificação de jovens pode fazer com que o salário e os encargos sejam maiores do que o próprio valor gerado pelo empregado. "Temos que buscar a redução do custo do emprego, mas com incremento da qualificação", disse, durante a coletiva do Caged. A qualificação fará, portanto, com que o empregado tenha valor agregado.
Na ocasião, a equipe destacou que o desemprego de jovens entre 18 e 24 anos fica em torno de 25%. Já a taxa de jovens ocupados informais é de cerca de 48%.
A equipe econômica também rebateu críticas quanto à possibilidade de que o programa se torne um canal para exploração de mão de obra barata, e não explicou se há estratégias para impedir isso.
"O que se busca, sem críticas ou tom pejorativo, é criar um degrau, fazer com que ele possa subir na rampa de ascensão social. Isso é uma ponte para o emprego. Ele não tem capital humano pra chegar ao emprego formal", afirmou Leal na apresentação do Caged de abril.