O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) quer deixar claro: está fora do negócio com o Carrefour se não houver acordo entre os sócios Pão de Açúcar e Casino. É uma estratégia de saída do BNDES, que vem sendo duramente criticado por ter se comprometido a analisar um aporte de até R$ 4,5 bilhões na fusão entre a rede do empresário Abilio Diniz e os ativos do Carrefour no Brasil.
O banco divulgou duas notas seguidas à imprensa, informando que "o apoio ao projeto se baseia na premissa do entendimento amigável entre os atores privados". Uma fonte do banco confirmou à reportagem que, se a premissa não for atendida, a operação não terá prosseguimento. Segundo essa fonte, desde o início o banco já impunha a condição de uma "oferta não hostil" e um "entendimento entre os sócios".
Reuniões
Os dois lados envolvidos na disputa estão fazendo pressão no banco. Ontem, em São Paulo, o presidente do BNDES, Luciano Coutinho, reuniu-se com Diniz, que preside o conselho de administração do Pão de Açúcar. Na segunda-feira, será a vez de Coutinho receber o presidente do Casino, Jean-Charles Naouri, que vem de Paris especialmente para o encontro. Coutinho vai ouvir os argumentos dos executivos e expor a posição do banco, mas não atuará como facilitador.
Diniz pediu a reunião de ontem porque ficou preocupado com o recuo do BNDES expresso na nota divulgada na quinta-feira. O empresário está assustado com a repercussão negativa do caso. "Estou sendo muito criticado, mas acredito que a fusão do Pão de Açúcar com o Carrefour será boa para o país e para os brasileiros", escreveu no Twitter.
Ao aceitar avaliar a fusão entre o Pão de Açúcar e os ativos do Carrefour no Brasil, o BNDES foi envolvido em uma disputa societária. Pelos contratos em vigor, o Casino tem o direito de assumir o controle do Pão de Açúcar em 2012 por causa de um negócio fechado por Diniz em 2005. A operação com o Carrefour, no entanto, dilui a participação do grupo francês.
Lucros
O BNDES mantém sua posição de que o negócio pode ser lucrativo para o BNDESPar, braço do banco de participação em empresas, que atua apenas com recursos captados no mercado. Também acredita que a operação vai ajudar a evitar a "desnacionalização" do varejo no país. Mas não está disposto a arbitrar uma briga entre sócios.
O banco estatal também tem sido pressionado pelo governo federal a deixar mais claro que condiciona sua participação na fusão a um acordo entre os acionistas. Conforme uma fonte, a própria presidente Dilma Rousseff manifestou preocupação com o fato de que a repercussão negativa da operação ter exposto o BNDES à desconfiança estaria ajudando Diniz a vencer o Casino na disputa pelo controle da maior varejista do país.
Os termos de análise do negócio no banco abrem uma porta de saída para o BNDES. Pelo documento de "enquadramento" da operação, feito a pedido do BTG Pactual (um dos sócios), o aval da direção do banco só acontecerá depois de um acordo definitivo entre os acionistas. "Se houver litígio, a aprovação só sai depois de tudo superado, inclusive uma eventual disputa na Justiça. Se a Justiça der razão ao Diniz e isso for incontestável, então o BNDES poderá aprovar", explica uma fonte do BNDES.
Imagem arranhada
Os diretores do BNDES ficaram preocupados após uma reunião que tiveram com executivos do Casino nesta semana. De acordo com uma fonte que participou do encontro, os franceses explicaram que Diniz não cumpriu suas obrigações contratuais de informar o sócio sobre as negociações com o Carrefour. Os executivos disseram ainda que o Brasil pode sair do episódio com a imagem de um país que não respeita contratos, como a Venezuela ou a Rússia.
Ainda conforme essa fonte, os diretores do banco demonstraram surpresa na reunião, porque o Pão de Açúcar teria dito que a operação era praticamente consenso. A reportagem apurou com executivos do BNDES que Diniz estimulou o otimismo do banco de que conseguiria um acordo, inclusive costurando compensações que o Carrefour ofereceria ao Casino. E que a entrada do BNDES (leia-se o governo) no negócio seria uma forma de influenciar o Casino.
Só que até agora não funcionou. O Casino teve uma reação enfurecida ao perceber que sua participação estava sendo diluída. A empresa publicou um comunicado na imprensa acusando Abilio Diniz de agir ilegalmente e se armou para a briga, com a compra de ações preferenciais do Pão de Açúcar no mercado e até levantando dinheiro na Colômbia para eventualmente adquirir a parte de Diniz no negócio.