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Além do financiamento

Bolsa Família turbinado ou Renda Cidadã: o que o governo não esclarece sobre o programa social

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Desde que o governo federal anunciou a intenção de ampliar o Bolsa Família, toda a discussão está muito centrada em como financiar o Renda Cidadã – último nome escolhido para a repaginação do programa. A preocupação é legítima: com problemas fiscais graves, o Brasil precisa ter um plano condizente com a realidade das contas públicas. Mas, para receber mais famílias, pagar um benefício médio mais alto e acomodar remanescentes do auxílio emergencial, é preciso discutir os critérios para a transferência de renda – e, sobre isso, pouco se falou até agora.

Do pouco que se sabe até o momento, suas principais questões são o aumento do valor médio do benefício, que pularia dos atuais R$ 190 para um patamar de R$ 300, e a ampliação do número de famílias.

O Bolsa Família atende a 14,2 milhões de famílias atualmente. A projeção que consta do Orçamento para 2021 é de atendimento a 15,2 milhões de famílias. Além disso, um empréstimo obtido junto ao Banco Mundial, de US$ 1 bilhão, permitirá a inclusão de mais 1,2 milhão de famílias por até 23 meses.

Esse número, no entanto, pode crescer bastante a depender dos rumos que a economia e o mercado de trabalho tomarem no pró-pandemia. O governo já falou em atender até 20 milhões de famílias, cerca de 6 milhões a mais que hoje, mas depois reduziu a ampliação para 3 milhões.

Um dos maiores defensores do aumento do valor do benefício é o presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Ele gostaria que o pagamento médio do benefício ficasse na casa dos R$ 300, que é o valor da prorrogação de quatro parcelas do auxílio emergencial. Outras projeções feitas pela equipe econômica apontavam a possibilidade de alcançar R$ 240 mensais médios, mas o presidente não aceitou.

A agenda social nunca foi prioridade para a gestão Bolsonaro nem para o ministro da Economia, Paulo Guedes, mas a alta aceitação do auxílio emergencial – e seus reflexos na atividade econômica e na popularidade de Bolsonaro – acabou impulsionando a proposta de reformulação do Bolsa Família.

Mas, com a proximidade do fim do auxílio emergencial e sem chegar a uma solução sobre como financiar o novo programa sem violar o teto de gastos, o governo estaria agora inclinado a fazer, primeiro, uma "ampliação" do Bolsa Família – e só depois lançar o Renda Cidadã, segundo relatos de bastidores divulgados nesta quinta (12).

No fundo, dá quase na mesma. "Turbinar" o Bolsa Família envolve as mesmas dificuldades de financiamento e respeito ao teto de gastos que criar um sucessor nos mesmos moldes mas com nome diferente. E, independentemente do nome da iniciativa, os pontos que o governo não esclarece continuam obscuros.

Desenho do Renda Cidadã não é comentado

Em tese, o redesenho do Renda Cidadã ficaria a cargo do Ministério da Cidadania. Quando a pasta era comandada por Osmar Terra, o então ministro criticou mais de uma vez o Bolsa Família, alegando que o programa estava desvirtuado e afirmando que passaria por mudanças.

Terra sinalizou, em entrevista à Gazeta do Povo antes de deixar o cargo, que essa reformulação privilegiaria a primeira infância e ofereceria mais oportunidades de emprego e renda, para formalizar a “porta de saída” do programa.

Atual titular da pasta, o ministro Onyx Lorenzoni anda um pouco sumido. Embora as principais ações sociais estejam sob o seu guarda-chuva, ele pouco participa dos anúncios sobre qualquer mudança do Bolsa Família. A Gazeta do Povo entrou em contato com a pasta, questionando sobre estudos de reformulação do programa, e não obteve resposta até a publicação deste texto.

Embora esteja em segundo plano, a discussão sobre o desenho do programa é tão ou mais importante que o debate sobre o financiamento.

O Bolsa Família é considerado referência mundial na transferência de renda porque é barato para o governo – custa em média R$ 30 bilhões anuais, ou 0,5% do PIB – e bem focalizado – atende a uma parcela pobre ou extremamente pobre e tem um poder de multiplicação na economia superior à de benefícios como a aposentadoria ou o BPC. Falar em ampliar o valor do benefício médio e a quantidade de famílias sem especificar as condicionalidades a que estarão sujeitas essas famílias pode prejudicar a focalização do programa nos mais pobres e elevar o custo para o país sem promover a redução da pobreza com a mesma eficiência.

Hoje, o Bolsa Família é pago para famílias com renda per capita mensal de até R$ 178 e há um benefício calculado individualmente para as consideradas extremamente pobres (com renda per capita mensal inferior a R$ 89).

Além disso, são pagos adicionais de R$ 41 ou R$ 48 para quem tem filhos em idade escolar (com contrapartida de desempenho e vacinação em dia) e de R$ 41 para mulheres gestantes ou lactantes. Os benefícios variáveis são limitados a cinco por família e mais dois para aquelas que têm adolescentes que frequentam a escola.

Esses auxílios permitem que cada família receba uma bolsa desenhada para as suas necessidades. Por exemplo, uma família que tem renda per capita de até R$ 178, com três filhos com idades de 3 meses, 9 anos e 16 anos, poderá receber R$ 260 mensais – R$ 89 do benefício básico, duas variáveis de R$ 41 pelas crianças até 15 anos, R$ 41 pela nutriz (para compensar a alimentação do bebê até 6 meses) e R$ 48 pelo adolescente.

No caso de uma família que tenha a mesma renda per capita, mas apenas dois filhos, de 5 e 16 anos, o valor do benefício cai para R$ 178 – são R$ 89 do benefício básico, uma variável de R$ 41 pela criança de 5 anos e R$ 48 pelo adolescente.

Quando o governo fala em elevar o valor do benefício médio para o Renda Cidadã, mas não menciona alteração nos valores do benefício básico e nos variáveis, ele abre um espaço de dúvida sobre a capacidade de manter o programa bem focalizado e com gastos contidos. O mérito do Bolsa Família é justamente essa customização, que permite que cada família receba um pagamento que vai impulsioná-la a superar a linha de pobreza.

O Bolsa Família não tem uma política de reajuste de valores de benefícios definida: isso é feito quando há vontade política e dinheiro disponível. Não há indexação com o salário mínimo, como ocorre com o BPC.

O último aumento, que elevou os valores dos benefícios e a régua da definição de pobreza e extrema pobreza, foi feito na gestão de Michel Temer. O presidente Bolsonaro cumpriu promessa de campanha e, em 2019, pagou o 13.º benefício para as famílias que participam do programa. Mas a medida só teve validade naquele ano.

De acordo com o "Valor Econômico", há estudos que propõem, para o Renda Cidadã, a substituição dos auxílios por apenas três, dos quais um seria voltado para a primeira infância. Também há sugestões para a adoção de prêmios para mérito esportivo, em ciência e tecnologia (como olimpíadas de matemática ou física) e para educação.

Para esportes e ciência e tecnologia, haveria um benefício extra de R$ 1 mil anuais para as famílias dos jovens bem classificados, e possibilidade de um extra mensal de R$ 100. A premiação para desempenho na educação em geral ainda não tem uma discussão fechada, mas fala-se em R$ 200 anuais.

O que priorizar no Renda Cidadã

Reformular o Bolsa Família não é tarefa simples, mas muitos especialistas sugerem que o programa pode ser mais direcionado para a primeira infância. Os pesquisadores Naercio Menezes Filho e Bruno Komatsu, professores do Insper, defendem a distribuição de um valor maior, priorizando as famílias pobres com crianças, em vez de repartir pequenos valores para um público mais amplo, por exemplo. A sugestão deles já virou um projeto de lei no Senado.

O Ipea tem um estudo que sugere criar uma transferência universal para criança, acoplada a um programa bem focalizado, voltado a famílias extremamente pobres. A avaliação de técnicos do instituto é de que, embora existam alguns benefícios voltados especificamente para crianças de todas as faixas de renda (Bolsa Família, salário-família e desconto do IR), os programas são descoordenados, o que gera sobreposições e hiatos de cobertura.

Na Câmara dos Deputados, um pacote de projetos que compunham a agenda social, proposta por Rodrigo Maia, também previam mudanças importantes no Bolsa Família, como criação de referencial de pobreza com atualização monetária e correção dos valores dos benefícios. A primeira infância também seria privilegiada e famílias com crianças pequenas receberiam um benefício maior.

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