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A expansão do mercado de trabalho não impediu o aumento da participação de programas sociais – como o Bolsa Família e o Benefício de Prestação Continuada (BPC) – na renda dos domicílios brasileiros. A conclusão é de estudo realizado pelo Centro de Estudos para o Desenvolvimento do Nordeste, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre).
Segundo o levantamento, a participação do trabalho na renda domiciliar dos brasileiros recuou de 75,3% em 2021 para 74,2% em 2023. Em contrapartida, a proporção da renda proveniente de benefícios sociais subiu de 2,6% para 3,7% da renda domiciliar.Esse aumento da fatia das transferências de renda ocorreu em meio à queda do desemprego – que, segundo o IBGE, terminou 2023 em 7,8%, a menor desde 2014. O índice seguiu em queda e fechou o primeiro semestre de 2024 em 6,9%. Enquanto isso, o emprego com carteira assinada alcançou no fim de 2023 o maior nível desde o início da série histórica do IBGE.
Fatia de Bolsa Família e BPC aumentou mais no Nordeste
Flávio Ataliba, coordenador do Centro de Estudos, e outros pesquisadores destacam que, no Nordeste, o peso dos benefícios sociais cresceu de forma mais acentuada, sendo o mais significativo entre as grandes regiões brasileiras. A participação de programas como Bolsa Família e BPC na renda familiar subiu de 6,1% em 2021 para 9,7% em 2023.
Entre os moradores extremamente pobres da região, há uma alta dependência dos programas sociais. Eles representaram, no ano passado, 78,8% da renda domiciliar per capita desse grupo.
Levantamento anterior da FGV mostrou que, com o aumento no valor do principal programa de transferência de renda do país – o Auxílio Brasil, que foi elevado para R$ 600 no período pré-eleitoral de 2022, formalizado com o retorno do Bolsa Família e a criação de outros dois benefícios sociais – a extrema pobreza no Brasil caiu de 19,2 milhões de pessoas em 2021 para 9,5 milhões em 2023. A maior redução ocorreu no Nordeste, onde 4,8 milhões de pessoas estão em extrema pobreza, metade do total nacional.
Ataliba destaca, em artigo publicado no blog do FGV Ibre, que aspectos demográficos, educacionais e regionais influenciam o perfil da população em extrema pobreza.“A análise evidencia a persistência de desigualdades estruturais que afetam desproporcionalmente mulheres, pessoas pretas ou pardas e residentes em áreas rurais, especialmente no Nordeste”, afirma Ataliba, que também é professor titular na Universidade Federal do Ceará (UFC).
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Extremamente pobres no Nordeste têm dificuldade de inserção no mercado de trabalho
O estudo liderado por Ataliba também evidencia as dificuldades de inserção da população extremamente pobre no mercado de trabalho.
Além de apresentar a menor participação do trabalho (18,1%) na renda domiciliar, a taxa de participação (população em idade de trabalhar que está ativa no mercado) desse grupo foi de 29,5% no ano passado, abaixo dos 38,2% observados em 2021.Entre os que estavam em idade ativa (entre 14 e 65 anos), 57,6% estavam desocupados em 2023. E, entre os que trabalhavam, 96,3% eram informais.Os pesquisadores apontam que esses resultados destacam as dificuldades de inserção dos extremamente pobres no mercado de trabalho. Duas razões principais são citadas:
- a dificuldade do mercado em absorver essas pessoas, que têm menor capital humano.
- a ausência de incentivos para a participação no mercado de trabalho, já que muitos estão em situação de desalento.
Nordeste tem o pior índice de capital humano do Brasil
Um estudo sobre competitividade dos estados, realizado pelo Centro de Liderança Pública (CLP) em parceria com a Tendências Consultoria, mostra que os nove estados do Nordeste ocupam as últimas posições no ranking de capital humano. Alagoas, o mais bem posicionado dentre os nordestinos, está na 19.ª posição.
Os pesquisadores do Centro de Estudos para o Desenvolvimento do Nordeste defendem a necessidade de políticas públicas específicas e mais eficazes para promover a inclusão econômica e reduzir a pobreza. Eles sugerem o desenvolvimento de um mercado de trabalho mais dinâmico e o fortalecimento do acesso a bens e serviços essenciais para a formação de capital humano, como educação e saúde, fundamentais para que esse grupo tenha oportunidades no mercado de trabalho.
“O papel da educação na mitigação da pobreza se mostrou central, e políticas públicas focadas na melhoria do acesso à educação de qualidade, bem como intervenções específicas para os grupos mais vulneráveis, são essenciais para avançar na redução da pobreza extrema no Brasil, em especial na região Nordeste”, destaca o professor da UFC e pesquisador da FGV.Uma consequência esperada da adoção dessas dessas medidas seria o aumento dos salários na região. No segundo trimestre, os empregados no setor privado com carteira assinada no Nordeste recebiam, em média, R$ 2.171, um ganho real (descontada a inflação) de 4,7% em relação ao mesmo período de 2023. No Brasil, a média desse rendimento é 35,5% maior: R$ 2.941.O reajuste real mediano nas convenções coletivas realizadas entre janeiro e julho, de acordo com o projeto Salariômetro, da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), foi menor no Nordeste: 1,1%. Três das cinco unidades da federação com os menores aumentos estão nessa região. Alagoas ocupa a última posição (27.ª) com 0,6%; Bahia é a 25.ª, com 0,9%; e Pernambuco, a 23.ª, com 1%. O ponto médio dos reajustes no Brasil foi de 1,3%, enquanto no Sudeste ele chegou a 1,6%.
Baixa qualidade do capital humano afeta competitividade e produtividade
A baixa qualidade do capital humano contribui para uma menor competitividade e produtividade no Nordeste, mas reflete uma realidade presente em outras regiões do país.
Dados do IBGE indicam que o número médio de anos de estudo dos brasileiros com mais de 15 anos era de 10,1 em 2023. Há uma disparidade regional significativa: no Nordeste, a média era de 9,1 anos, enquanto no Sudeste era de 10,7.
O Banco Mundial destaca que o Brasil não acompanhou a tendência global de aumento na produtividade do trabalho, com países de renda média registrando um crescimento quase quatro vezes maior do que o país entre 1995 e 2019.
Apesar da recente melhora nos números, há dúvidas sobre a continuidade desse progresso no Brasil. Dados da FGV mostram um crescimento de 0,7% na produtividade no ano passado, enquanto a média mundial permaneceu estagnada.
O pesquisador Fernando Veloso, do Observatório de Produtividade Régis Bonelli, do FGV Ibre, aponta que grande parte do aumento da produtividade nos últimos anos decorre das reformas implementadas desde 2017, especialmente a trabalhista.
"O grande questionamento é se a melhora na produtividade será sustentada, considerando o aumento da incerteza em relação à trajetória da dívida pública, o que pode comprometer a recuperação do investimento e o processo de formalização que estava em curso", afirma.