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Caminhoneiros começaram a se articular para garantir a aprovação, pelo Congresso, das medidas provisórias (MPs) do programa Gigantes do Asfalto, lançado pelo governo federal há uma semana. Transportadores autônomos abriram diálogo com parlamentares para a apresentação de emendas que beneficiem a categoria.
São duas as MPs: a 1.050, que amplia a tolerância para pesagem da carga de caminhões em rodovias; e a 1.051, que cria e regulamenta o Documento Eletrônico de Transporte (DT-e), que vai unificar cerca de 20 documentos exigidos para operações de transporte de carga.
O prazo para a apresentação de emendas às MPs começou na quarta-feira (19) e terminou na sexta (21). Para a 1050/21 foram protocoladas 52 propostas de modificação. Para a 1051/21, foram sugeridas 128 alterações.
A Gazeta do Povo ouviu de lideranças dos caminhoneiros que pelo menos 25 emendas foram sugeridas pela categoria a cinco deputados federais e protocoladas por esses parlamentares à MP 1051/21. Para evitar a identificação de suas "digitais" nas propostas de modificações, as fontes evitaram informar o conteúdo do que foi apresentado.
Caminhoneiros abrem articulação com entidades do setor produtivo
A articulação com os parlamentares não é a única. Além da sugestão de emendas, caminhoneiros se mobilizam para intensificar a interlocução com entidades do agronegócio e da indústria, atentos ao apoio do setor produtivo na aprovação das MPs.
O discurso é de que os textos são benéficos não apenas para os transportadores autônomos, mas para todo o transporte rodoviário de carga, uma vez que o DT-e possibilita a contratação direta entre o caminhoneiro e o embarcador.
A avaliação é de que, à medida que o DT-e automatiza o contato entre as indústrias e grandes empresas do agronegócio, o setor produtivo terá menos custos com o frete, ao mesmo tempo em que o caminhoneiro vai receber proporcionalmente mais. Enquanto isso, as transportadoras, os chamados "intermediários", tendem a perder espaço no mercado.
Ainda na solenidade de quarta-feira (19), líderes caminhoneiros como Janderson Maçaneiro, o Patrola, e representantes como Júnior Almeida, diretor do Sindicato dos Caminhoneiros Autônomos (Sindicam) de Ourinhos (SP), conversaram com pessoas ligadas a entidades da indústria e da agropecuária.
"Definimos que estaremos juntos nessa interlocução", diz Júnior de Ourinhos, como é conhecido o diretor do Sindicam. "Há algum tempo trabalhamos em conjunto a fim de desburocratizar o mercado. O frete é muito para quem paga e pouco para quem recebe. O DT-e põe fim nisso. É uma união sem precedentes", complementa.
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Caminhoneiros dialogam com representantes do agronegócio
Com o diálogo aberto por Júnior de Ourinhos, a aposta dele é que os caminhoneiros poderão contar com o apoio de pelo menos três entidades do agronegócio: a Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja); a Associação das Empresas Cerealistas do Brasil (Acebra); e a Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove).
O caminhoneiro Patrola reconhece que o diálogo ainda não é tão estreito, mas ressalta que as entidades se mostram dispostas a trabalhar com os transportadores. "Não é um contato particular ou próximo, mas elas são favoráveis à interlocução", afirma.
Caminhoneiros e o setor produtivo travam uma "guerra" há muito tempo, até dentro do Supremo Tribunal Federal (STF), na discussão do piso de frete, por exemplo. As conversas decorrem de um apoio de Júnior de Ourinhos ao movimento ruralista, explica Patrola.
"O embarcador não tem mais medo de conversar com o caminhoneiro. Percebeu que nós não somos o problema, mas, sim, o subcontratado", diz Patrola. "Estamos construindo uma plataforma sóbria com a condição de contratação direta que vai reduzir o custo do embarcador e melhorar a vida do autônomo", acrescenta.
O presidente da Associação Brasileira de Condutores de Veículos Automotores (Abrava), Wallace Landim, o Chorão, é outro a celebrar o entendimento com o agronegócio. "Eu faço muitas conversas com o setor produtivo e vou acelerar. O que vi há muito tempo é que a gente estava se digladiando e isso mudou", diz Chorão, um dos líderes da greve de 2018.
Chorão promete não concentrar esforços apenas na aprovação da MP que institui o DT-e. Segundo ele, as concessionárias de rodovias se articulam para para mudar o texto, por discordância do aumento da tolerância do peso bruto total de 10% para 12,5% por eixo nas cargas acima de 50 toneladas, o que ajuda a evitar multas aos autônomos. "As empresas vão perder receita e falam em reequilibrar os contratos", diz.
Como os caminhoneiros vão atuar com o fim do prazo para emendas às MPs
Com o fim do prazo para a apresentação de emendas, os caminhoneiros vão começar a traçar o planejamento de articulação dentro do Congresso. Na terça-feira (25), a Confederação Nacional dos Transportadores Autônomos (CNTA) vai traçar as estratégias de atuação em relação à MP 1.051.
A entidade, que fechou um acordo de cooperação técnica (ACT) com o Ministério da Infraestrutura na última semana, vai fazer um pente-fino sobre as emendas apresentadas às MPs – sobretudo à do DT-e – e planejar as duas frentes de interlocução, com os setores produtivos e com os parlamentares.
A CNTA tem um contato institucional com a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) e a Confederação Nacional da Indústria (CNI), e vai usar dessa relação para ampliar o alcance da articulação pelas MPs.
Em outra ponta, a CNTA vai dialogar com deputados federais ligados aos transportadores autônomos. Vão procurar o líder da Maioria, Diego Andrade (PSD-MG), e o deputado Jerônimo Goergen (PP-RS). Segundo apurou a Gazeta do Povo, eles podem assumir, respectivamente, as relatorias das MPs 1.050 e 1.051.
Além deles, a CNTA vai procurar o presidente da Frente Parlamentar Mista em Defesa do Caminhoneiro Autônomo e Celetista, Nereu Crispim (PSL-RS), e outros deputados influentes dentro da bancada temática. Entre eles, Jaqueline Cassol (PP-RO), Celso Maldaner (MDB-SC), Coronel Tadeu (PSL-SP), José Nelto (Podemos-GO), Bosco Costa (PL-SE) e Christiane Yared (PL-PR).
Possível relator promete texto em linha com o enviado pelo governo
Autor do projeto de lei que originou a chamada Lei do Caminhoneiro, a 13.103/15, Jerônimo Goergen disse à Gazeta do Povo que articula para assumir a relatoria da MP 1.051. Conversou duas vezes com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), o líder do governo, Ricardo Barros (PP-PR) e afirma ter o apoio do ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas. "Mas não tem nada definido", diz.
Caso seja o relator, ele promete uma redação final alinhada com a que o governo encaminhou ao Congresso. "Se eu assumir [a relatoria], vou ouvir muito o governo. O texto não é do relator, é do Executivo", afirma. A estratégia dele seria conversar com o governo antecipadamente para saber quais emendas devem ser aceitas, quais não e quais seriam admitidas com alterações.
Foi assim que ele trabalhou quando relatou a MP 881, que deu origem à chamada Lei da Liberdade Econômica, a nº 13.874/2019. Além do governo, Goergen também se compromete a ouvir os caminhoneiros. Ele elogia a articulação da categoria.
"O papel do relator é sempre melhorar, nunca retroceder, então, não vejo problema na mobilização dos caminhoneiros. É até importante, concordo com eles que não pode ficar menos do que veio", avalia. Tendo como bandeira o agronegócio, Goergen afirma que o setor está "completamente alinhado" aos transportadores autônomos.
Autor do projeto de lei (PL) n.º 6093/2019, que propõe a criação do DT-e, Goergen tem familiaridade com a pauta. A diferença entre a MP e seu projeto é que o texto proposto por ele apenas criava o DT-e. A redação do governo institui e regulamenta. Se escolhido relator, Goergen deixa claro, contudo, que ouvirá as transportadoras.
O deputado se reuniu com a Confederação Nacional do Transporte (CNT) e atuou para explicar e mitigar as resistências da entidade. Segundo ele, a resistência diminuiu. "O setor de transportadoras tinha uma visão que era mais na estrutura, mais um custo, então, não tinha uma reação positiva, mas, da forma como o texto veio, a CNT avaliou já mais positivamente", diz . "Apenas não acham que é exequível, mas não têm mais contrariedade", acrescenta.