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A reforma administrativa está na lista de prioridades do governo federal e do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), que defendeu a matéria em sua campanha ao comando da Casa e nos primeiros dias após a eleição se comprometeu a pautar a votação ainda no primeiro semestre deste ano. Mas líderes aliados do presidente Jair Bolsonaro não compartilham desse entusiasmo.
Para esses deputados, a proposta de emenda à Constituição (PEC) 32/2020, encaminhada pelo governo à Câmara em setembro com a meta de modernizar o Estado, dificilmente será aprovada neste ano – e tem menos chances ainda em 2022, quando haverá eleições.
A Gazeta do Povo conversou com diferentes lideranças partidárias aliadas de Bolsonaro e com um membro da liderança do Executivo na Câmara. Todos disseram não ver perspectivas de aprovação das novas regras para carreira e remuneração de servidores públicos.
Deputados de oposição sempre foram contrários à reforma. Ainda que a maioria das mudanças previstas na PEC só possa afetar futuros servidores, representantes do funcionalismo prometem bloquear o avanço do texto.
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Deputados governistas querem evitar desgaste e pedem agenda positiva
Na semana passada, Lira definiu presidente e relator da comissão especial que vai analisar a proposta, que antes precisa ter a admissibilidade aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara.
Mesmo assim, o bloco governista não se mostra disposto a acelerar os trabalhos. O motivo principal é o desgaste político provocado por uma matéria considerada impopular por parte dos parlamentares. Fazer isso às vésperas do processo eleitoral, com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em posição de elegibilidade, é visto como um “tiro no pé”.
Em fevereiro, deputados do Centrão já se queixavam do desgaste sofrido com as votações do mês. Alguns chegaram a calcular perda de 10% do eleitorado e passaram a clamar por uma agenda positiva. A situação não melhorou de lá para cá, ainda mais com o governo sob intensa crítica no combate à pandemia.
“Como aliados, nós ficamos com os bônus e ônus do governo. Com esse aumento significativo de mortes e a má gestão na aquisição de vacinas e erros construídos lá atrás, não tenho dúvida nenhuma que uma matéria tão complexa quanto essa [PEC 32] não vai ser aprovada”, sustenta um deputado da centro-direita.
Parlamentares dizem que PEC Emergencial foi "microrreforma administrativa"
Até mesmo a aprovação da PEC Emergencial (186/19), que possibilita o pagamento do auxílio emergencial – a maior das pautas positivas do momento – teve um custo político, segundo lideranças. “Nos desgastamos até para entregar o auxílio, porque foi uma espécie de microrreforma administrativa, uma vez que botou freios no serviço público”, reconhece um vice-líder do governo.
A nova rodada do auxílio emergencial, que vai pagar quatro parcelas de R$ 150 a R$ 375 a cerca de 46 milhões de brasileiros, foi viabilizada por condicionantes fiscais. O texto permite promoção e progressão de servidores nos próximos anos, mas, por outro lado, prevê o congelamento dos salários do funcionalismo e a suspensão de concursos públicos em situações de crise fiscal ou calamidade.
Por todos esses motivos, muitos dos 341 deputados que votaram a favor da PEC Emergencial no primeiro turno não querem o desgaste de aprovar a reforma administrativa. “Tive um desgaste gigante. Por outro lado, deputados de oposição que votaram contra ficaram ‘grandões’. Como vou votar agora a reforma administrativa sem estabilidade para os policiais?”, diz um deputado da bancada da segurança pública.
Segundo um vice-líder do governo, a PEC Emergencial só foi aprovada por pressão do ministro da Economia, Paulo Guedes. Para a votação da reforma administrativa, a análise é de que a força de Guedes será verdadeiramente testada.
“O presidente ficou resistente a essa questão da PEC Emergencial contra os servidores, e o Guedes que bancou. Na administrativa, eu aposto que vai prevalecer a vontade do Bolsonaro”, sustenta o parlamentar.
Bancada "bolsonarista" não quer mudar regras para servidores
A categoria dos policiais foi uma das que mais se mobilizou contra a PEC Emergencial. Apesar de ter conseguido preservar a possibilidade de promoção ou progressão, também foram impactados pela possibilidade de congelamento dos salários e vedações a novas vagas. No Rio de Janeiro, delegados da Polícia Federal (PF) ameaçam até entregar cargos de chefia como protesto.
Tamanho é o desconforto na Câmara que, até dentro do PSL, o partido que reúne a maior quantidade de “bolsonaristas”, a resistência em votar a reforma administrativa é grande. “Nem na nossa bancada você vai achar um cara corajoso para pegar essa pauta [e defendê-la]”, afirma, reservadamente, um parlamentar.
O discurso de parlamentares é de que, mesmo aqueles que não tenham seu eleitorado composto majoritariamente por servidores públicos, pode ser impactado com a aprovação da reforma. “O servidor pode até não ajuda a eleger, mas ajuda a deseleger”, diz o deputado federal Coronel Tadeu (PSL-SP), que admite a resistência da votação da matéria dentro de seu partido.
Policial militar de carreira, Tadeu é a favor de debater a reforma administrativa, embora defenda que sua categoria não precisa ser reformada.
“Em São Paulo, por ano, mais de 80% dos processos [contra policiais] terminam com demissão ou expulsão”, justifica. “A aprovação ou não do texto depende da redação final que vamos votar. Concordo que o Estado é inchado e precisamos enxugar, mas não é satanizando o funcionário público que vamos consertar isso”, diz.
Lideranças criticam articulação do governo e dizem que aval de Lira não garante aprovação
A leitura de Tadeu, do vice-líder do governo da Câmara e de outras três lideranças do Centrão ouvidas pela Gazeta do Povo é de que governo e Congresso erraram no timing político de discutir a reforma administrativa.
“A reforma administrativa era para ter vindo antes da Previdência, ou tramitado simultaneamente”, resume Coronel Tadeu. “Esse tema é muito difícil de digerir agora, às vésperas da eleição. Passou o momento de a gente discutir isso, politicamente falando”, acrescenta o deputado.
Além da questão da reeleição, há um outro fator político que compromete a aprovação da reforma administrativa. “A base está muito insatisfeita”, afirma um deputado. “Essa nomeação do ministro [da Saúde, Marcelo Queiroga] não agradou boa parte. E o governo não tem sido muito coerente com a base nesta questão de pautas. Tem tido pouco diálogo e estamos na porta da eleição”, adverte outro.
Por esse motivo de insatisfação com a articulação política do governo, esses dois parlamentares afirmam que, quando o presidente da Câmara, Arthur Lira, deu aval para que a reforma tramite na Casa, isso não necessariamente garante a aprovação do texto. “Vamos correr [tramitar] com a administrativa e tributária juntas. Mas só a tributária passa”, sustenta um dos congressistas.
Diferentemente da administrativa, a tributária é vista como uma reforma positiva. “A população não sofre nada com ela. Não piora, nem melhora, mas facilita para o empregador, porque retira uma série de entraves burocráticos que podem induzir a geração de empregos”, sustenta um terceiro deputado do Centrão. “Agora, matérias azedas e amargas, como a administrativa, não passam, ainda mais com o governo tendo dificuldades de articular suas pautas”, acrescenta.
Frente parlamentar da reforma administrativa mantém articulação
Presidente da Frente Parlamentar Mista da Reforma Administrativa, o deputado Tiago Mitraud (Novo-MG) não se deixa abalar com os movimentos dissonantes e garante que vai manter o foco na aprovação do texto. Para ele, independentemente das manifestações contrárias, a Câmara já faz o que deve ser feito para viabilizar a aprovação.
“Tivemos essa semana a indicação do relator na CCJ, que é o Darci de Matos (PSD-SC). E na comissão especial já temos a definição do presidente, o Fernando Monteiro (PP-PE) e o relator será o Arthur Maia (DEM-BA)”, sustenta. Além desses sinais, Mitraud destaca ter se reunido com Lira na semana passada para apresentar o trabalho da frente e garante que manterá a articulação.
O presidente da frente parlamentar vai procurar líderes partidários para pedir apoio para a aprovação do texto e manter viva a pauta. “O Arthur Lira disse que gostou e daria celeridade, como o fez, com a definição dos relatores. Cabe a nós [da bancada temática] acelerarmos juntos com os líderes. Vamos fortalecer o trabalho de articulação”, explica.
O deputado Darci de Matos pretende apresentar seu relatório sobre a admissibilidade da proposta até a primeira semana de abril. Ele se reuniu na manhã de terça-feira (16) com a equipe econômica para tratar de detalhes. Mitraud, que participará da articulação do texto, reconhece as oposições à matéria, mas ressalta que a reforma administrativa nunca foi uma matéria de fácil aprovação.
“Essas pautas que são mais polêmicas nunca são tranquilas, né. Mas acho que o momento chegou, é esse. Sabemos que vai ter resistência, como teve a reforma da Previdência, a trabalhista”, pondera Mitraud, que não alivia críticas a Bolsonaro. “O governo nunca nos convenceu de que tinha convicção de votar essas propostas. O próprio presidente, nas vezes em que atuou para falar sobre as reformas, normalmente foi para atrasar, não acelerar”, acusa.
Elegibilidade de Lula afetou disposição de parlamentares
A articulação de Mitraud terá que ser redobrada para convencer uma Câmara a votar a matéria, sobretudo em meio à movimentação do PT para lançar Lula candidato às eleições de 2022. Se até aliados do governo calculam que a elegibilidade do petista joga contra a tramitação de uma matéria que afeta os servidores públicos, parlamentares da esquerda não têm a menor dúvida disso.
O senador Paulo Paim (PT-RS), coordenador da Frente Parlamentar Mista do Serviço Público, não tem dúvidas de que poucas matérias seriam tão impopulares no atual ambiente político, com Lula podendo se eleger, do que a reforma administrativa. “Lula volta com possibilidades reais de ser eleito presidente e isso tem impacto em todos os setores, até na vacinação”, sustenta.
O parlamentar promete mobilizar a frente parlamentar com os partidos de oposição para travar a matéria ainda na Câmara. “Não bastasse a minirreforma administrativa que foi essa PEC Emergencial, com a desculpa de dar um auxílio abaixo até dos R$ 600, ainda querem discutir essa malfadada PEC que retira condições básicas [do serviço público], abre caminho para a terceirização, ampliação do contrato temporário e fere a estabilidade, retrocedendo a Constituição”, critica.
A oposição sustenta que até aposentados seriam impactados pelo texto, à medida em que acaba com uma série de carreiras. “Como é que ficam os aposentados daquela carreira no princípio da paridade?”, questiona Paim.
A deputada Alice Portugal (PCdoB-BA), também coordenadora da Frente Parlamentar Mista do Serviço Público, ainda não se convence da possibilidade de a reforma administrativa não ser votada e aprovada e também promete oposição. “Me parece que está em marcha a agenda ultraliberal com a expectativa de passar a boiada, independentemente das vozes dissonantes”, analisa.
A deputada se diz ainda mais contrária à reforma pela discussão em um período de pandemia. “Tínhamos que focar nessa situação de crise sanitária da verdadeira desorganização do tecido social brasileiro, com desemprego e inflação, e não uma reforma que provoca um desmonte do Estado e do regime jurídico único dos servidores e carreiras”, sustenta Alice.