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O principal parceiro comercial do Brasil, a China, vai crescer menos neste ano. Depois de uma expansão de 8,1% em 2021, as projeções do Fundo Monetário Internacional (FMI) e da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) sinalizam uma expansão de 4,4%. Já o Itaú projeta um crescimento de 4,2% na segunda maior economia global.
Reflexos já estão sendo sentidos pela economia brasileira. Segundo a Secretaria de Comércio Exterior (Secex), as exportações para lá tiveram um ligeiro crescimento de 0,3% em valores, no comparativo entre os primeiros semestres de 2021 e 2022, atingindo US$ 47,1 bilhões. Mas, em volume, houve uma queda de 11,5%.
Lia Valls, pesquisadora do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), credita o ganho financeiro à valorização dos preços das commodities, como a soja. “A alta nos preços compensou a queda no volume, que foi puxado pelo minério de ferro.”
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Lia não acredita que haja implicações mais profundas para o Brasil com a desaceleração no ritmo de crescimento do gigante asiático. O que pode acontecer, segundo a pesquisadora, é um ajuste na participação da China na pauta de exportações brasileira que, na primeira metade do ano, foi de 28,72%. No mesmo período de 2021, foi de 34,5%.
“Vai ser um impacto pontual. É que o PIB chinês é muito grande e, mesmo assim, haverá muitas necessidades a serem atendidas”, cita. Dados do FMI mostram que a economia chinesa é 10,85 vezes maior do que a brasileira.
Impactos setoriais no Brasil
Um dos segmentos que mais pode ser afetado com essa desaceleração é o de minerais ferrosos. No primeiro semestre, as exportações brasileiras atingiram US$ 9,02 bilhões, 33% a menos em valores, comparativamente aos mesmos meses de 2021, e 7,3% a menos em volume.
Segundo a analista de mineração e siderurgia do Inter, Gabriela Joubert, os receios quanto a uma desaceleração econômica mais forte do que o esperado na maior economia asiática (e maior mercado consumidor de commodities metálica) têm afetado negativamente o setor de siderurgia e mineração.
“O setor de real estate (imobiliário), importante representante da economia local, enfrenta seus próprios desafios, com incorporadoras mostrando dificuldades em cumprir prazos e consumidores ameaçando boicotes nos pagamentos de obras em atraso, o que poderia escalar ainda mais a situação já deteriorada do setor”, escreve ela em relatório. E outro setor da economia chinesa cujo desempenho está aquém do potencial é o automobilístico.
Um produto que pode reservar boas surpresas é a carne bovina. Segundo o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea-USP), no primeiro semestre, as exportações foram impulsionadas por negócios com os Estados Unidos e a China. Mais da metade do que foi vendido no exterior foi para lá.
“Considerando o ritmo dos embarques nos últimos anos, quando as exportações para os dois países se intensificaram no segundo semestre, as vendas brasileiras devem continuar firmes nos próximos meses, permitindo um novo recorde anual.”
Por que a China está crescendo menos?
Uma série de fatores explica a desaceleração da economia chinesa:
- A política da Covid zero, que levou a lockdowns importantes polos econômicos, como Xangai e Shenzhen, e metrópoles, como Pequim;
- As maiores pressões regulatórias, particularmente no segmento de tecnologia da informação;
- A crise no setor imobiliário, marcada pelos problemas da megaincorporadora Evergrande; e
- A maior inflação mundial, que impactou negativamente nas exportações chinesas, que correspondem a 18,5% do PIB, segundo a The Economist.
“A China passa por um momento de desaceleração mais acentuada. Isto também é reflexo das incertezas na economia mundial”, diz o economista Francisco Nobre, da XP Investimentos.
Mas ele aponta que o gigante asiático conta com um importante trunfo: a inflação mais baixa em relação ao resto do mundo, que possibilita a concessão de estímulos fiscais e monetários. “Há bastante espaço para isso”, afirma a estrategista Jennie Li, também da XP.
Reorientação do modelo de crescimento
Os analistas Jinyue Dong e Le Xia, do banco espanhol BBVA, apontam que as autoridades chinesas reorientaram a estratégia de crescimento para o “velho modelo”, como forma de estimular a atividade econômica. Esta opção é baseada no setor imobiliário, nas exportações e em investimentos em infraestrutura, que contribuíram para 20% do PIB nas últimas décadas.
Autoridades chinesas vêm dando ênfase a essa necessidade de investimentos desde janeiro. Na reunião executiva do Conselho de Estado, em janeiro, foi dada prioridade a 102 projetos delineados no 14° Plano Quinquenal, nas áreas de infraestrutura, urbanização, transporte, recursos hídricos e instalações de estocagem e para os correios.
Na conferência do Comitê Central Financeiro e Econômico, em 26 de abril, o presidente Xi Jinping reenfatizou a importância dos investimentos em infraestrutura neste ano para dar suporte ao crescimento econômico e sinalizou que a infraestrutura chinesa tem um grande potencial de crescimento.
Esses encontros de alto nível delinearam os princípios dos investimentos em infraestrutura para 2022:
- Construir uma infraestrutura moderna, apoiada no desenvolvimento e na segurança;
- Considerar os benefícios econômicos, sociais, ambientais e de segurança na condução dos projetos,
- Dar igual ênfase aos “velhos” e “novos” investimentos de infraestrutura, e
- Expandir as formas de investimento, incluindo parcerias público-privadas.
Para dar apoio a este programa de investimentos, o governo chinês adotou também mecanismos de estímulo fiscal e monetário, incluindo cortes nos juros. Isto pode ser responsável, em parte, de acordo com analistas do Itaú, pelo forte avanço na economia chinesa no segundo semestre, depois de um primeiro mais fraco. “No contexto global, a China é exceção”, dizem eles.