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De olho nas eleições de 2026 e diante de uma baixa na aprovação, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) está cobrando de seu corpo ministerial ações para driblar um dos aspectos que mais afetam a percepção e o bolso do consumidor de baixa renda: a inflação dos alimentos.
Depois de puxar para cima a inflação geral em 2024, o custo da comida começou 2025 subindo mais de 1% em apenas um mês, segundo a prévia da inflação de janeiro, divulgada nesta sexta-feira (24).
O governo fechou 2024 com queda de 16 pontos percentuais em sua avaliação positiva, e Lula tem pressa. Na manhã de quarta-feira (22), o ministro-chefe da Casa Civil, Rui Costa, anunciou que o governo preparava um "conjunto de intervenções que sinalizem para o barateamento dos alimentos". Horas mais tarde, trocou a palavra "intervenções" por "medidas".
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, se pronunciou apenas na noite desta quinta-feira (23). Não falou em medidas, e disse que a queda do dólar e o aumento da safra vão contribuir para conter a inflação dos alimentos.
O presidente e ministros de várias áreas se reuniram na manhã desta sexta-feira para discutir o assunto. Entre medidas que seriam apresentadas a Lula, estavam mudanças nas taxas cobradas dos vales alimentação e refeição, portabilidade do benefício e a desoneração na folha de pagamentos dos trabalhadores dos supermercados. A amplamente criticada mudança no prazo de validade dos produtos de supermercado foi descartada por Rui Costa na quarta.
Ao deixar a reunião, Costa disse à imprensa que Lula pediu um novo plano Safra para aumentar a oferta de produtos e reduzir a inflação e que não fará congelamento ou tabelamento de preços, "que não haverá fiscal do Lula na feira".
O ministro da Casa Civil também disse que Lula ainda pediu aos ministros da Agricultura, Carlos Fávaro, e do Desenvolvimento Agrário, Paulo Teixeira, para que "deem uma lente de aumento, um foco maior, uma atenção maior na definição de políticas agrícolas já existentes com recursos já existentes para o estímulo da produção. Para que esses estímulos sejam mais concentrados tenham foco maior nos produtos que fazem parte da cesta básica".
Apesar dos esforços de Lula e sua equipe em mostrar serviço, a tarefa de baratear a comida no curto prazo não é simples. A inflação dos alimentos é influenciada por fatores que independem do governo, como o tamanho da produção e as condições climáticas, e outros sobre os quais ele têm pouca influência, como os custos de insumos.
O professor de Economia e Direito Allan Augusto Gallo Antonio, pesquisador do Centro Mackenzie de Liberdade Econômica (MackLiber), questiona quais medidas diretas o governo poderia tomar, senão a “óbvia contenção de gastos e redução de tributos incidentes sobre a cadeia produtiva”.
“O governo pretende, por acaso, controlar fatores climáticos ou reverter a valorização do dólar frente ao real de maneira permanente? Que 'conjunto de intervenções' milagroso seria capaz de conter a inflação sem recorrer às velhas e fracassadas experiências de controles artificiais de preço, cujos resultados historicamente produziram desabastecimento e mercados paralelos?”, questionou o professor em um artigo.
Governo descarta intervenções para baixar inflação dos alimentos
O presidente do Instituto Livre Mercado (ILM), Rodrigo Marinho, afirmou que o governo, mais uma vez, tenta intervir sem considerar as premissas de oferta e procura.
“Por mais que o ministro diga que não haverá ação artificial [tabelamento], qualquer intervenção governamental gera temor. Tentaram fazer isso no caso do arroz [após as enchentes no Rio Grande do Sul], por exemplo. Não deu certo. Eles não aprendem”, disse Marinho em entrevista ao Estadão.
Marinho também relacionou a inflação dos alimentos a fatores econômicos estruturais, como a falta de ajuste fiscal e a desvalorização do real, e não a questões pontuais. “São questões de conjuntura, mas eles acham que há passe de mágica”, afirmou.
O doutor em Economia Cláudio Shikida, especialista do Instituto Millenium, questiona os resultados das “medidas” discutidas pelo governo. “Governos sempre tentam intervir no mercado. A Ciência Econômica nos ensina que essas intervenções nem sempre trazem o resultado desejado, gerando consequências indesejadas por todos”, disse.
Inflação, popularidade em baixa e início da corrida eleitoral para 2026
Durante a primeira reunião do ano, quando proibiu os ministros de lançarem programas e cobrou uma melhor comunicação das entregas do governo, o presidente também falou sobre a inflação. O pano de fundo: as eleições de 2026.
“Todo ministro sabe que o alimento tá caro, é uma tarefa nossa garantir que chegue na mesa do povo trabalhador, da dona de casa, na mesa do povo brasileiro, em condições compatíveis com o salário que ele ganha”, disse. “A eleição do ano que vem já começou”, disse mais adiante o petista, ao reiterar que é preciso “trabalhar e entregar para o povo aquilo que ele precisa”.
Segundo levantamento divulgado pelo Paraná Pesquisa em 18 de janeiro, 65,7% dos brasileiros percebem aumento de preços nos supermercados, enquanto 20,6% acreditam que ficaram como estavam e apenas 11,6% notaram redução.
A inflação tem grande impacto em como a população vê o governo. Outra pesquisa, da Gerp, constatou que a gestão petista é desaprovada por 50% dos entrevistados, contra 38% que aprovam e 12% que não sabem ou não responderam.
A coleta de preços do IPCA, do IBGE, demonstra que o preço médio da alimentação subiu quase 50% nos últimos cinco anos. A inflação da comida superou o índice geral em três deles.
Na gestão Lula, o primeiro ano foi de alívio, com alta de apenas 1% nesse grupo de produtos. Em 2024, porém, eles ficaram quase 8% mais caros, em média.
Clima e safra podem ajudar a conter inflação dos alimentos
Para 2025, as condições do clima e produção são mais animadoras. De acordo com relatório da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), projeta-se desaceleração nos preços de alimentos, com alta de 5,75% em 2025, devido à recuperação da safra.
Matheus Dias, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV Ibre), explica que o clima favorável eleva a oferta de alimentos e pode levar à redução de preços, caso a demanda siga constante. Na safra recorde de 2023, como se viu, o custo médio da alimentação ficou quase estável, conforme a medição do IPCA.
De forma contrária, quando as condições climáticas são adversas e ocorre quebra de safra, como em 2024, a tendência é que os preços subam. Um exemplo claro é o café que, em 2024, subiu mais de 40% ao consumidor em meio problemas de safra nos maiores produtores mundiais, o Vietnã e o Brasil. Sem recuperação de produção à vista no curto prazo, os preços tendem a seguir subindo.
A carne e a tão prometida picanha seguem a mesma tendência. Com aumento significativo no abate de bovinos em 2023 e 2024, que elevou a oferta e reduziu preços principalmente no primeiro ano de mandato de Lula, agora há menos cabeças para abate e bezerros para engorda. Os preços passaram a subir em meados de 2024 e, com a queda da oferta, tendem a seguir elevados.
Dólar alto, exportações e demanda pressionam inflação de alimentos
No entanto, nem todos os fatores que influem na inflação são alheios ao governo. Cristina Helena de Mello, professora de Economia da PUC-SP, destaca o impacto que o câmbio tem na equação. O dólar teve forte alta ao longo de 2024, em parte pela desconfiança do mercado sobre as contas da gestão Lula.
A professora explica que a desvalorização do real eleva o custo das importações, e que a produção de alimentos depende de insumos dolarizados, como fertilizantes, por exemplo.
Ao mesmo tempo, fica mais vantajoso exportar. “Se aumentar a procura pelos nossos alimentos, porque eles estão com preços mais competitivos internacionalmente, e a gente aumentar a exportação desses alimentos, isso diminui a oferta e a disponibilidade desses produtos no mercado local. Então isso também tem um impacto sobre os preços que não é desprezível”, explica.
Lula pretende atuar nas alíquotas de importação de determinados produtos, conforme afirmou Rui Costa após a reunião desta sexta-feira. “Os produtos que estejam com o preço interno maior do que o preço externo, nós atuaremos na redução de alíquota para forçar o preço a vir pelo menos para o patamar internacional. Não justifica nós estarmos com um preço acima do patamar internacional”, afirmou Rui Costa.
Um ponto levantado por Cristina Helena é que a ampliação da demanda também ajuda a justificar a alta dos preços. Boa parte do aumento dos gastos públicos está ligada à ampliação de transferências de renda, como Bolsa Família e Benefício de Prestação Continuada (BPC), além do reajuste do salário mínimo acima da inflação.
“Você aumenta a procura sobre os alimentos e tem uma certa pressão sobre os preços”, avalia. A professora explica que, nesse caso, há um efeito de substituição maior, com as pessoas trocando alguns alimentos por outros.
Ações de longo prazo para estabilização dos preços
Para que a demanda não provoque aumento dos preços, é preciso elevar a oferta. Foi o que ocorreu em 2023, com safra recorde, mas não em 2024. Como mostrado acima, apesar da tendência de alta dos preços da carne e café, uma supersafra de grãos pode ajudar a desacelerar a inflação de outros produtos.
"Vamos ter uma grande safra, e o dólar entrou em trajetória de queda, ainda que possa ser impactado momentaneamente por especulações. Commodities como leite, café, carne e frutas serão diretamente beneficiadas", disse Haddad na quinta.
Cláudio Shikida defende que, da parte do governo, a melhor medida para conter a alta de preços é aumentar a competitividade e melhorar o ambiente de negócios do país, reduzindo os custos para todos os setores da economia. “Um ajuste fiscal baseado em corte de gastos, junto à abertura econômica e esforços para melhorar o ambiente de negócios. Esse é o caminho no longo prazo”, defende.
Ele é reticente em relação a medidas que possam trazer impactos imediatos. “Não existem soluções mágicas. As medidas que mencionei podem ser implementadas aos poucos, com transparência e clareza de objetivos. É assim em uma democracia funcional. Ou deveria ser”, concluiu.
Allan Augusto, da Mackenzie, observa que os jovens estudantes de economia aprendem logo no início o que este governo insiste em ignorar: "As forças de mercado não se dobram ao voluntarismo político. E, como a história já mostrou tantas vezes, desafiar essa realidade não resulta em progresso, mas em retrocesso”.