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O crescimento da economia mundial, principalmente da China e dos Estados Unidos — que devem registrar taxas de crescimento superiores a 6% neste ano, segundo dados do Fundo Monetário Internacional (FMI) —, está abrindo espaço para as commodities brasileiras.
As exportações brasileiras do complexo soja cresceram 25,3% em dólares no comparativo entre os seis primeiros meses de 2020 e 2021; as de carne, 9,2%, segundo dados do Ministério da Agricultura. Já as exportações de minério de ferro tiveram um incremento de 126,4% em valores no primeiro semestre do ano, comparativamente ao mesmo de 2020, conforme a Secretaria de Comércio Exterior (Secex).
Commodities ligadas à soja são impulsionadas pela China
Segundo o Itaú BBA, no caso da soja, a firme demanda pelo grão está a reboque da recomposição do rebanho suíno na China e dos elevados preços dos óleos vegetais. Estes, por sua vez, têm sido estimulados pelo aumento da produção de biodiesel no mundo e pela oferta limitada de outros tipos de óleos.
“A quebra da safra na Argentina, devido ao clima seco e à redução da velocidade das exportações de farelo e de óleo de soja, seja por greves nos portos ou pela redução da capacidade da navegabilidade dos rios, também contribuiu para as altas dos preços do grão, por meio do impulso dado para o valor dos derivados”, informa relatório da instituição financeira distribuído na segunda quinzena de junho.
A perspectiva é de que esse cenário de bons preços para a soja continue no próximo ano, mesmo com as projeções de crescimento de 5% na produção mundial da oleaginosa. O motivo é que os estoques permanecerão baixos, no patamar equivalente a 24% do consumo mundial.
Mas as cotações podem ficar mais voláteis em função do clima não muito confortável nos Estados Unidos, no Brasil e na Argentina. No caso do Brasil, há preocupação com o milho safrinha, que está enfrentando um clima mais seco.
Carnes: uma situação que varia entre os segmentos
No complexo carnes, o cenário é diferente. Quem está em melhor situação são os frigoríficos exportadores ou que tenham unidades principalmente nos Estados Unidos, que tem se favorecido do aumento na demanda internacional.
Um dos motores do consumo tem sido a China, para onde as exportações de carne suína cresceram 32% no primeiro semestre do ano, atingindo US$ 755,5 milhões. “Informações de novas variantes da peste suína africana (PSA) começaram a circular no início do ano, sugerindo uma redução na velocidade da recuperação do rebanho”, aponta o Itaú BBA.
Mesmo assim, apesar da desaceleração na recomposição do rebanho, o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA, na sigla em inglês), estima um crescimento de 11,4% na produção de carne suína no gigante asiático e uma queda de 8,2% nas exportações, que ficariam em 4,85 milhões de toneladas. “Esta ainda é, contudo, uma quantidade substancial, o que tende a manter firme a exportação brasileira”, ressalta o banco.
A perspectiva, de acordo com os analistas da instituição financeira, é que o alto custo deve reduzir as margens do setor, apesar das boas exportações. Dados do Cepea/Esalq-USP mostram que nos últimos 12 meses, o preço do milho aumentou 103% e o da soja, 48,5%.
Os frigoríficos exportadores de carne bovina também estão em um bom momento, apontam os analistas do Itaú BBA, “já que os preços de exportação devem continuar se recuperando em meio à escassez global da proteína bovina e a demanda forte, especialmente da China.” Em 2020 e 2021, as vendas para lá, nos seis primeiros meses do ano, superaram US$ 1,8 bilhão, duas vezes e meia o patamar registrado em 2019.
O cenário também é favorável nos Estados Unidos, onde os frigoríficos brasileiros têm uma participação relevante nos abates. Segundo Leonardo Alencar, analista da XP Investimentos, o cenário por lá é bom, com a injeção de dinheiro por parte do governo americano e a retomada do food service, devido aos avanços na vacinação contra a Covid-19.
Mas os especialistas fazem alguns alertas: “Uma eventual apreciação cambial pode exigir elevações maiores nos preços de exportação, de modo a não prejudicar a receita em moeda nacional”, ressalta o Itaú BBA. E Alencar lembra que os Estados Unidos têm um peso relevante na receita de dois frigoríficos brasileiros: JBS e Marfrig.
Outro risco crescente para os frigoríficos e para os produtores é o aumento da dependência em relação à China e Hong Kong. “É importante estar preparado financeiramente para eventuais rupturas nas exportações para tais mercados, pois, embora pouco provável, seus impactos podem ser significativos sobre as vendas do Brasil”, aponta o Itaú BBA.
Já para os que dependem mais do mercado interno, a situação não é tão favorável, explica Alencar, da XP. “No caso de aves e suínos, eles se ressentem mais por causa dos custos mais elevados, por causa do aumento no preço do milho e da soja, e do fato de a demanda interna não estar tão boa e por causa das pressões inflacionárias. Em relação aos bovinos, o ciclo da atividade não está em um momento favorável.”
Segundo o analista, as operações dos frigoríficos que atuam com mais força no mercado interno estão com as margens mais espremidas. É o caso, principalmente dos que abatem frangos. “O Brasil tem vantagens competitivas neste segmento, mas neste momento, está muito pressionado pelos custos.”
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Cotações recordes para o minério de ferro
Outra commodity que está tendo bom desempenho e tem beneficiado diretamente a economia brasileira é o minério de ferro. O mineral, essencial para a produção de aço, vem atingindo cotações recordes, próximas a US$ 220 por tonelada, mais do que o dobro do registrado há um ano. As exportações para a China, no primeiro semestre, atingiram 107 milhões de toneladas, a maior marca desde 1997, segundo a Secretaria de Comércio Exterior (Secex).
“Tudo indica é que devemos ter um trimestre forte no setor, beneficiado pelos preços elevados do minério de ferro”, escreve a analista Gabriela Cortez Joubert, do banco Inter.
Mas as altas na cotação não estão associadas só à demanda da China, que deve crescer 8,4% neste ano, aponta o Fundo Monetário Internacional (FMI). “Há problemas do lado da oferta. Faltam investimentos em novos projetos para fazer frente ao aumento na procura. E a disponibilidade de navios ficou mais complicada com a pandemia”, diz Yuri Pereira, analista de research da XP Investimentos.
Ele lembra que a Vale está com dificuldades para recuperar o volume produzido após a tragédia de Brumadinho, em janeiro de 2019. Segundo a empresa, um ano antes, no primeiro trimestre de 2018, foram produzidas 82,95 milhões de toneladas métricas. Nos três primeiros meses do ano, esse número caiu para 68,05 milhões.
A tendência é de que o cenário continue “espremido” para os próximos anos. “Se a produção de aço chinesa aumentar apenas 6% (média anual dos últimos 5 anos) entre 2020, isto representará uma demanda extra de minério de ferro de aproximadamente 101 milhões de toneladas, que é igual à oferta de expansão da CSN Mineração para 2025 e recuperação da produção da Vale.”
E mesmo a expectativa de um crescimento menor da China para os próximos anos — o FMI projeta uma expansão média do PIB um pouco superior 5% para o período 2022/26 — não deve afetar a demanda chinesa por aço.
“Há espaço para crescimento, principalmente no segmento de construção”, destaca Pereira. Ele lembra que a taxa de urbanização da China ainda é relativamente baixa, se comparada ao Brasil. Dados da The Economist mostram que no gigante asiático, 59,2% da população mora nas cidades. No Brasil, esse percentual é de 86,6%.
A China também está em um processo de transformação no setor siderúrgico. Usinas menos eficientes, de menor porte, estão cedendo espaço para outras maiores e de maior eficiência.
Esta é a segunda reportagem da série "O Brasil que cresce", que apresenta alguns dos setores que mais avançam no país. Acompanhe a série neste link.