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Contas públicas

Como a alta da inflação pode baixar (de novo) a dívida pública

(Foto: Marcelo Andrade/Arquivo/Gazeta do Povo)

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Um dos principais indicadores das contas públicas pode repetir neste ano um fenômeno observado em 2021. Com a persistência da inflação em níveis elevados, que joga para cima o Produto Interno Bruto (PIB) nominal, o peso da dívida pública pode ficar um pouco mais leve, ao menos em comparação ao tamanho da economia brasileira.

O IPCA acumulado em 12 meses passou de 12% em abril. Segundo o último boletim Focus publicado pelo Banco Central, a mediana das expectativas de bancos, corretoras e consultorias aponta para um índice mais baixo em dezembro, de 7,89% – essa taxa, ainda assim, é resultado de 16 semanas consecutivas de alta nas projeções, e bem superior à tolerância da meta perseguida pelo BC no ano, de 5%.

O ponto médio das projeções do mercado para a dívida bruta do governo geral, por sua vez, indica que ela vai terminar o ano correspondendo a 81% do PIB. Esse nível, se confirmado, ainda seria um pouco superior ao patamar da dívida no fim do ano passado (80,3% do PIB). As projeções do mercado para esse indicador, porém, têm recuado sistematicamente nos últimos meses. E alguns economistas já esperam que o endividamento termine 2022 abaixo dos níveis do ano passado.

No início de 2021, esperava-se que a relação dívida/PIB chegaria a 91% em dezembro de 2022, segundo a mediana das projeções do relatório Focus. No início deste ano, o ponto médio das expectativas já era muito menor, mas ainda sugeria uma dívida de 84% do PIB em 31 de dezembro. A mediana mais recente, conforme já citado, é de 81% – e, entre os economistas que responderam à pesquisa mais recente do BC, há quem espere uma relação dívida/PIB um tanto menor, de 78% ao fim deste ano.

Na última quarta-feira (18), a Instituição Fiscal Independente (IFI), órgão de monitoramento das contas públicas ligado ao Senado, derrubou sua expectativa para a dívida pública ao fim deste ano. Até então, a IFI projetava uma dívida de 84,8% do PIB em dezembro; agora, prevê 78,9% em seu cenário principal.

No fim de março, o economista da XP Investimentos Tiago Sbardelotto publicou um artigo em que mencionava as razões pelas quais a dívida pública pode cair em 2022 – mais precisamente, para 79,9% do PIB, segundo a projeção que ele citou na ocasião. Na avaliação de Sbardelotto, que é auditor de finanças e controle licenciado do Tesouro Nacional, a principal razão para tal recuo da dívida seria o efeito da inflação elevada.

Previsões à parte, o "dado real" recuou significativamente nos primeiros meses deste ano: em março, a dívida bruta do setor público (União, estados e municípios) correspondia a 78,5% do PIB nacional, quase 2 pontos porcentuais abaixo dos níveis de dezembro de 2021.

Alguns fatores explicam esse resultado. De um lado, o aumento da arrecadação federal – que é impulsionada pela maior atividade econômica e pela disparada da inflação – melhora o resultado primário das contas públicas, com efeito positivo sobre a dívida. De outra parte, a retomada da economia e a alta de preços também elevam o PIB nominal. Como esse índice é o denominador da relação dívida/PIB, quanto maior ele for, menor é essa relação.

Embora o crescimento econômico esteja ajudando, seu avanço é bem mais modesto que o da inflação. A expectativa do governo federal, por exemplo, é de um aumento real de 1,5% no PIB neste ano, taxa muito inferior à alta dos índices de preços. Segundo a IFI, a principal razão para a forte redução em sua expectativa para a dívida pública é justamente a persistência da inflação alta e muito disseminada.

Dois outros fatores que podem aliviar as contas públicas e ajudar na contenção da dívida são o efeito do câmbio, já que parte dela é atrelada a ele, e a alta das commodities.

"A valorização do real acaba reduzindo o custo da dívida", explica Josué Pellegrini, doutor em Economia pela USP e ex-diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI), ligada ao Senado Federal.

O real se valorizou em relação ao dólar nos primeiros meses deste ano, com a taxa de câmbio chegando à casa dos R$ 4,60 em abril. Depois, porém, a moeda brasileira perdeu terreno em meio à expectativa de aumento mais forte nos juros dos Estados Unidos e passou a ser negociada mais perto de R$ 5. É menos, de todo modo, que a taxa média de 2021, próxima de R$ 5,40.

"A elevação do preço das commodities tende a favorecer nossos setores exportadores. E há uma parte do crescimento do PIB que vai ser positivamente influenciada por esse aumento", diz Daniel Couri, diretor da IFI. "Vimos, recentemente, o FMI revisar suas projeções, sinalizando uma revisão para baixo do crescimento mundial, mas com o Brasil na contramão. Provavelmente, ele pondera a questão do preço das commodities do Brasil, de forma a favorecer mais do que os prejuízos que a economia brasileira terá."

Medidas fiscais contribuíram menos que a inflação para a contenção da dívida

Ainda na visão de analistas, medidas fiscais por parte do governo contribuíram pouco para a redução da dívida. "A dívida caiu [em 2021] e não foi por razões fiscais, foi por razões circunstanciais e pelo fato de o principal indexador da dívida, a Selic, ter ficado muito abaixo da inflação", diz Pellegrini.

"Na verdade, as medidas que o governo tomou até agora foram no sentido de reduzir a arrecadação ou aumentar despesas. Da parte do governo, vejo muito pouca ação no sentido de melhorar esse resultado. Talvez a única ação suficiente para garantir algum resultado melhor tenha sido a manutenção do teto de gastos", avalia Sbardelotto, da XP. "Enquanto o Poder Executivo mantiver o teto de gastos, teremos alguma perspectiva de que, senão no próximo ano, em 2025, como o próprio governo afirma, começaremos a ter um superávit."

Nem mesmo eventuais privatizações – como a da Eletrobras, esperada para este ano –, que deve destinar recursos ao abatimento da dívida pública, terão efeito significativo para a redução do endividamento. Isso porque o valor envolvido, estimado em até R$ 100 bilhões pelo governo, será pequeno se comparado à dívida total, que hoje passa de R$ 7 trilhões. A desestatização da companhia é a principal aposta econômica do governo Bolsonaro em 2022.

"A privatização da Eletrobras, se acontecer, mais ajuda a formar expectativas favoráveis quanto à evolução futura da economia do que ajuda do ponto de vista fiscal. Não estamos falando de valores relevantes, se olhar dessa perspectiva", diz Josué Pellegrini. "Do ponto de fiscal, a privatização pode acertar o caixa na margem, mas não resolve números fiscais e não está dentro de um bojo de mudanças que mostram a direção para onde estamos indo."

Sbardelotto corrobora e acrescenta que, atualmente, o conceito que se utiliza de setor público "nem sequer inclui a companhia". "De fato, não me parece que ela teria esse efeito de redução na dívida, exceto pela descotização, que é exatamente o que os novos controladores teriam que pagar à União para sair do sistema de cotas atual", diz.

O diretor da IFI, por outro lado, pondera que, apesar de cálculos preliminares mostrarem que há, sim, um componente que é puramente conjuntural e cíclico (a inflação) na melhora da arrecadação e da dívida, também pode haver um componente estrutural por trás desse fenômeno.

"Há algumas metodologias que tiram o efeito do PIB, por meio das quais é possível ver o que acontece num resultado primário com receitas e despesas sem a influência do PIB. Essa melhora estrutural pode ser então, por exemplo, a elevação de base de cálculo, elevação de alíquota, no caso da receita. Ou você pode ter algum corte mais permanente de despesa, fatores que independem do ciclo econômico. Tudo que independe do ciclo entra como algo estrutural mesmo, recuperação estrutural", explica ele.

"Então, o que fazemos é tirar o efeito do ciclo econômico, desconsiderar que se o PIB cresceu tanto é esperado que a receita cresça também, e o que acontece? É um exercício estatístico, e dados preliminares indicam que é possível sim enxergarmos uma recuperação estrutural nas contas", afirma Couri.

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País conseguirá garantir trajetória da dívida?

Garantir a estabilidade da trajetória da dívida ao longo dos próximos anos é uma das principais preocupações de economistas. E, nesse sentido, há quem acredite que o atual arcabouço fiscal vigente – como a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e o teto de gastos – não será suficiente para garantir essa sustentabilidade.

"Embora essas medidas nos ajudem a chegar, em algum momento, a um resultado primário superavitário, não são suficientes para garantir a estabilidade da dívida", diz o economista da XP. "Mas é um primeiro passo, é a parte sobre a qual o governo tem algum controle."

"As modificações que foram feitas no arcabouço fiscal não são benéficas, pensando na sustentabilidade de médio e longo prazo da situação fiscal. Por exemplo, a alteração feita na regra do teto de gastos [com a aprovação da PEC dos precatórios] simplesmente matou o teto, para alguns especialistas. Há, por outro lado, quem acredite que apenas o aleijou", afirma Josué Pellegrini.

O fator eleições também pesa bastante nessa conta e não permite aos economistas falar em sustentabilidade da dívida e do cenário fiscal como um todo, diz o especialista. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), por exemplo, já disse que, caso seja eleito, não haverá teto de gastos em seu governo.

"Para onde isso vai nos levar do ponto de vista fiscal? Temos uma incerteza grande com relação ao próximo governante, seja ele quem for, e uma incerteza criada pelo atual governante, junto com parlamentares, como um todo", diz o ex-diretor da IFI.

"Sob a vigência do teto de gastos atual, teria uma probabilidade razoável de mantermos a dívida em um patamar sustentável. A questão é apostar ou não que esse teto de gastos vigente vai se manter a partir de 2023. Podemos até discutir o longo prazo, mas acho muito possível que no ano que vem o presidente que for eleito, seja ele Bolsonaro ou outro, vai levar de novo a discussão sobre as regras fiscais para o Congresso", avalia Couri, da IFI.

Para além disso, especialistas citam como condição essencial para a sustentabilidade da trajetória da dívida o avanço de reformas que aumentem especialmente a produtividade da economia brasileira. Eles também apontam que a redução futura da dívida dependerá cada vez mais de ajustes fiscais para melhorar os resultados primários e não se sustentará por meio de medidas conjunturais.

Inflação ajuda a conter a dívida pública, mas os juros atrapalham

Se por um lado a inflação pode puxar a dívida pública para baixo, de outro há a tendência de que, num futuro próximo, esse movimento perca força, com as taxas de juros – que têm sido elevadas para combater a própria inflação – provocando efeito contrário.

Como resposta à subida da inflação, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central tem elevado a taxa Selic, os juros básicos da economia. No início do mês, a taxa chegou a 12,75% ao ano, após o décimo aumento consecutivo. E há sinais de que ela deve voltar a subir.

"Em 2021, a Selic estava 'correndo atrás da inflação'. E, como indexador básico, talvez o mais importante, isoladamente falando, da dívida pública, a Selic estava muito defasada em relação à inflação, e isso ia 'comendo' a dívida, já que, em grande medida, a dívida é corrigida pela Selic", lembra Josué Pellegrini. "Isso não vai acontecer na mesma intensidade em 2022, porque a Selic já está na frente. Analistas do mercado financeiro afirmam, cada vez mais, que não vai parar em 12%, e vai além, para 13%, 13,25%."

Nos últimos leilões de títulos da dívida pública realizados pelo Tesouro Nacional, investidores têm exigido remunerações mais altas. Esse movimento costuma se ocorrer quando as perspectivas para o país são mais delicadas – com expectativa de inflação mais alta, por exemplo. Nessas condições, os agentes econômicos decidem, então, pedir juros mais altos para compensar o risco.

Sbardelotto, contudo, avalia que a transmissão do custo dos juros para a dívida não é imediata, e deve ser sentida com maior força apenas a partir de 2023. Isso porque uma parte da dívida pública é pré-fixada, isto é, foi contratada no passado a juros menores. "Até que a taxa de juros seja substituída, ao longo do tempo, por uma dívida com juros maiores, há um custo que ainda é baixo em relação à taxa de juros básica", afirma ele.

Em 2023, porém, a dinâmica deve ser diferente. "Há essa força [inflação] atuando para que a dívida caia neste ano [2022], mas, no próximo ano, a força da taxa de juros será mais que suficiente para contrapor o cenário de crescimento econômico e de inflação", diz Sbardelotto.

Para Pellegrini, outros fatores devem impedir que, já em 2022, se repita o cenário favorável para a relação dívida/PIB observado em 2021. "O déficit público será maior que no ano passado, que também foi ajudado pela receita reduzindo bastante o déficit primário. Para 2022 também há a pressão de gastos, com um governo prometendo benefícios fiscais, entre outras coisas", diz ele. Bolsonaro pretende conceder um reajuste linear a todos os servidores do funcionalismo público federal em 2022.

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